Uma briga milionária parada na Justiça, órgãos estaduais com versões que não batem e corrupção na gestão penitenciária da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) criam o cenário que garante aos detentos de Mato Grosso do Sul livre acesso a smartphones, internet, aplicativos de mensagens e redes sociais.

O presidente da Comissão de Segurança Pública e Defesa Social, Coronel David (PL), esteve em reunião com o titular da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), Carlos Videira, para debater e procurar solução diante do problema. Nas penitenciárias da Agepen, presos continuam com acesso à internet e rede de telefonia para cometer crimes. 

Conforme o parlamentar, durante o diálogo com o secretário foi constatado que os bloqueadores não estão mais contemplados no contrato milionário do Sistema SIGO desde 2021. Em reportagem anterior, a Superintendência de Gestão de Informação contradiz Compnet e diz que bloqueadores inúteis da Agepen eram ‘brinde’ no contrato de R$ 59 milhões.

Videira, segundo o parlamentar, chegou a propor que deputados apresentassem projeto de lei para solucionar problema e responsabilizar as operadoras de sinais, mas decisão de 2016 do STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou legislação semelhante sancionada em quatro estados, incluindo Mato Grosso do Sul.

“Na conversa ele disse para eu fazer um projeto de lei para que as operadoras possam ser responsabilizadas por isso [comunicação dentro dos presídios]. Hoje, como a tecnologia está muito avançada, o Estado investiu em um sistema para bloquear, mas era 3G, mas logo se passou para 4G e 5G e logo se tornou obsoleto e por isso não funciona. Eu fui estudar [sobre um projeto de lei], a União já tem decisões do STF que considera que as operadoras não podem receber esses encargos porque a segurança pública é responsabilidade do Estado”, comentou Coronel David.

O Supremo decidiu, na ocasião, por oito votos a três, derrubar a validade de leis estaduais de Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina que obrigavam operadoras de telefonia celular a instalarem equipamentos para bloqueio do sinal nos estabelecimentos prisionais. O plenário decidiu que somente a União pode legislar sobre telecomunicações e, portanto, as leis em vigor nos estados eram inconstitucionais. 

Os ministros também destacaram que as empresas de telefonia não podem sofrer o ônus de gastar mais com os bloqueadores em razão das leis estaduais.

Diante disso, o deputado relatou que ainda será estudado uma solução para o problema que MS enfrenta com o livre acesso de aparelhos celulares e conectividades nas celas da Agepen. “Eu ia propor um projeto de lei, mas é inconstitucional. Então, vou pensar em outra alternativa. Vamos pensar em um sistema que possa ser atualizado a cada vez que o sistema das operadoras também para evitar essa perda de dinheiro que ocorreu. É compreensível que lá atrás no entendimento da tecnologia de celular não é a mesma que a gente tem hoje”, pontuou.

Bloqueadores para Agepen no contrato da Compnet foram questionados na justiça

Recentemente, a versão chegou a ser confirmada pelo dono da Compnet, Adriano Chiapara, ao Jornal Midiamax.

Aparentemente sem saber que a Setdig (Secretaria-Executiva de Transformação Digital), antiga SGI (Superintendência de Gestão de Informação), ‘mudou’ a versão, o empresário ainda justificou a ineficácia dos equipamentos dizendo que o Governo precisaria ‘comunicar’ que os bloqueadores não funcionam para Compnet realizar a manutenção.

Contudo, em uma briga judicial milionária que denunciou suposta fraude na licitação para contratar o SIGO e se arrasta na justiça, um dos pontos que a Procuradoria de Assuntos Administrativos questionou foi a contratação com inexigibilidade de licitação de dois objetos: o software e a locação de bloqueadores de celular.

Isso, segundo o MPMS, inviabilizaria a concorrência e a obtenção de melhores propostas. A ação mais recente sobre as suspeitas na contratação do SIGO pede anulação do contrato de R$ 59,5 milhões por indícios de fraude na licitação e superfaturamento. O processo é de agosto de 2021.

Assim, como a manobra na licitação configuraria uma fraude contratual, o próprio Governo de MS, através da Setdig, ‘remendou’ a informação e disse à Justiça que os bloqueadores seriam, na verdade, um ‘brinde’.

Em resposta aos questionamentos do MPMS, a Setdig informou que alterou as condições, dizendo que os equipamentos não seriam mais locados, mas que, agora, em vez de precisar pagar por eles, a Compnet iria cedê-los como uma espécie de ‘brinde’. “Tais equipamentos estão sendo cedidos sem custo, em comodato, e serão devolvidos para a empresa no término do contrato”, garantiu a Setdig na peça anexada pelo MPMS aos autos.

Questionado novamente sobre a divergência das versões, Adriano Chiapara se limitou a dizer que a Compnet não poderia mais se manifestar sobre o assunto por força de termos contratuais.

Bloqueadores de celular desligados desde 2017 nas prisões da Agepen

Porém, servidores públicos estaduais que atuam no sistema penitenciário confirmaram ao Jornal Midiamax que nenhuma das versões é correta. De acordo com eles, os bloqueadores foram sim instalados através do contrato do SIGO. Mas, são obsoletos e nunca bloquearam sinal para celulares modernos, que usam tecnologia 4G ou 5G, por exemplo.

Desta forma, os equipamentos acabaram simplesmente desligados.

Segundo apurado pela reportagem, 64 bloqueadores estão instalados nas torres do Complexo Penitenciário conhecido como Máxima, em Campo Grande. Mas, não funcionam desde 2017.

Policiais penais que entraram no último concurso chegaram a receber instrução oficial para não falarem sobre os bloqueadores parados. O alerta tem como objetivo não revelar a fragilidade das penitenciárias da Agepen.