Derrotados nas urnas nas eleições de outubro, 54 deputados federais de 18 estados terão pelo menos um consolo: a chance de ver processos criminais em que são réus tramitarem com ainda mais lentidão na Justiça. Graças ao chamado foro privilegiado a que têm direito por ocupar cadeiras na Câmara dos Deputados, ele respondem hoje a ações no Supremo Tribunal Federal. Sem o mandato, os processos passam a correr nas instâncias inferiores em seus respectivos estados. O julgamento local pode até ser mais rápido – até porque a história do STF mostra que o órgão raramente julga processos de parlamentares -, mas não dá para negar que o vaivém dos processos contribui para que a sentença demore ainda mais. A notícia é do jornal Estado de Minas.

Concorre para isso o fato de que novos juízes – que muitas vezes não têm conhecimento do processo – terão que ficar a par de todos os atos processuais tomados no Supremo, avaliar se são necessárias novas diligências ou provas e depoimentos. Em relação aos quase ex-deputados, os magistrados estaduais estarão diante de 20 ações por infrações à legislação eleitoral, 11 por crimes de responsabilidade, 10 de improbidade administrativa e nove relacionadas ao desrespeito à Lei das Licitações. Há ainda casos de perda de mandato, investigação penal, prestação de contas irregular, corrupção, peculato e crimes contra a honra (calúnia, injúria ou difamação).

“Foro privilegiado não permite que se realize a justiça no Brasil. Ele não faz sentido e impede o julgamento na prática”, diz o presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Bruno Terra Dias, que, pessoalmente, diz ser contrário à regra específica para autoridades. O magistrado lembra que, ao receber um processo, o juiz ainda pode se deparar com o constrangimento, por exemplo, de verificar alguma nulidade que não foi vista no STF. ”É complicado, porque o juiz que recebe um processo que vem de outro lugar, com provas que não foi ele que colheu, pode entender que não há elementos suficientes para formar a convicção dele. Isso só faz com que o processo demore ainda mais”, observa.

Um exemplo claro de vaivém processual diz respeito a uma das ações penais por crime de responsabilidade respondida pelo deputado federal mineiro Jairo Ataíde (DEM-MG). Prefeito de Montes Claros entre 1997 e 2004, ele é acusado de ter feito contratações sem concurso público para o município. A ação foi recebida pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em novembro de 2004, tribunal encarregado de julgar ações relacionadas a prefeitos.

Encerrado o mandato, o TJ encaminhou a ação para a Justiça em Montes Claros. Diplomado deputado federal em 2007, o processo saiu da cidade mineira e foi encaminhado para o Supremo. Suplente, deixou a Câmara em 2008, quando o Ministério Público Federal requereu o envio ”novamente ”do processo para Montes Claros, pois Jairo Ataíde havia perdido o foro privilegiado. No ano seguinte, no entanto, assumiu definitivamente a cadeira de deputado federal porque Custódio Mattos (PSDB), eleito prefeito de Juiz de Fora, renunciou ao mandato. Moral da história: novamente o processo seguiu para o STF.

Atraso

”Embora os atos processuais sejam aproveitados, só o vaivém das ações já representa atraso. E até o juiz da primeira instância se inteirar de tudo que foi feito para então dar andamento, é mais um atraso”, lamenta o promotor Edson Resende, coordenador das promotorias eleitorais de Minas Gerais. Embora a legislação brasileira não determine prazo para que os ministros remetam os processos de ex-parlamentares para a Justiça competente, o promotor diz que costuma ser feito em tempo hábil. Até porque, com a informatização do Judiciário, ficou tudo mais rápido – ou menos lento.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Luiz Cláudio Chaves, defende uma rediscussão da questão do foro privilegiado. Para ele, a regra deveria ser adotada apenas se a ação for motivada por um ato praticado pelo parlamentar no exercício de sua função. Nesse caso, mesmo com a perda do mandato, o Supremo continuaria a ser o tribunal encarregado no julgamento. ”Se o parlamentar praticou um crime comum e tem o foro qualificado, o deslocamento do processo é em relação à pessoa, e não à sua função”, justifica.