Familiares de militares lotados no Exército de , a 324 quilômetros de , estão denunciando coação supostamente praticada por militares para que soldados recrutas comprem enxoval específico ao ingressarem no serviço militar. A denúncia vem em meio a repercussão do treinamento que terminou com um soldado morto, Vinicius Ibanez Riquelme, de 19 anos, e outros 48 que precisaram de atendimento médico.

Entre os relatos feitos pelas mães dos soldados ao Jornal Midiamax está a lista do material de campo básico que exige o fardamento como item obrigatório, avaliado em aproximadamente R$ 700 e que, segundo elas, não é reembolsado. 

De acordo com a última atualização do Governo Federal da Lei 13.954 referente ao soldo, que é o salário recebido pelos soldados recrutas quando ingressam no Exército, mensalmente cada soldado recebe R$ 1.078,00.

O enxoval, como é chamado o kit de itens que precisam ser providenciados pelos militares para participar da fase de treinamento em campo, é composto por acessórios além do fardamento. Apitos, facão, bússola, canivete, saco de dormir e capacete estão entre os itens que precisam ser comprados pelos recrutas.

Há relatos de que um dos recrutas estaria sem dinheiro para comprar o enxoval e, então, teria sido informado que colocariam pedras na mochila daqueles não comprassem o material, o que causou medo nos militares. 

“Meu filho me disse que teve um menino que estava sem dinheiro, e que iam colocar pedras na mochila dele”, conta a mãe.

Famílias denunciam direcionamento para compra de enxoval

Ainda conforme as mães, os militares eram direcionados a uma loja do lado do quartel para fazer a compra e o dinheiro gasto com o enxoval não seria ressarcido para as famílias.

“Meu filho teve um dia antes que estava apavorado porque estava sem ir ao banco e não tinha recebido e tinha que comprar o kit. Ele estava com medo porque eles iam colocar pedra na mochila dele”, relatou outra mãe à reportagem. 

Outra denúncia feita ao Jornal Midiamax é de que teria ocorrido um churrasco entre os militares com uma lista contendo o nome de todos os recrutas. Eles seriam obrigados a pagarem mesmo se não comessem o churrasco. 

“Também tem uma lista que tem o nome dos recrutas que tinha que pagar uma ‘continha' sobre um churrasco que teve lá. Só que nem todos comeram e mesmo assim tinha que pagar. Meu filho estava de guarda, então não comeu e teve que pagar. E muitos outros também”, disse.

Questionada sobre as denúncias de coação para compra do enxoval e se haverá mudanças nos treinamentos realizados pelo Exército após a morte de Vinícius Ibanez Riquelme, a 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada limitou-se a dizer que um IPM (Inquérito Policial Militar) está sendo instaurado para apurar as circunstâncias do óbito.

O Jornal Midiamax também acionou o CMO (Comando Militar do Oeste) para saber o posicionamento da instituição diante das novas denúncias, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto para manifestações. Até o momento o CMO informou que um IPM será aberto para apurar os fatos.

Treinamento teve morte e 48 passaram mal

Vinícius Ibanez Riquelme foi submetido a realização de atividades físicas durante um treinamento de campo com o grupo do 10º Regimento de Cavalaria Mecanizado de Bela Vista, a 324 quilômetros de Campo Grande. De acordo com informações, grave estado de desidratação teria afetado os rins dele. O soldado morreu na manhã de sábado (27) na Santa Casa da Capital.

Nesta segunda-feira (29) o Exército admitiu que ao todo, 48 pessoas que participaram do treinamento passaram mal e tiveram de passar por atendimento médico. Deste total, 44 eram soldados recrutas e quatro eram militares que participavam da instrução. Dos 48, 24 permanecem internados, pelo menos três deles estão na Santa Casa de Campo Grande.

A brigada de Bela Vista informou, em nota, que os internados recebem suporte médico, mas não há detalhes se todos estão sendo atendimentos em hospitais militares. “Com o apoio do Comando Militar do Oeste, o Comando da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada está envidando esforços para prestar todo o suporte médico necessário para que não ocorra o agravamento dos casos existentes”, finalizou.

Amigos e familiares de Vinicius, o recruta que morreu após o treinamento, denunciam que, entre as principais causas da morte do militar, além de um possível quadro de ‘desidratação', estão ‘esforços exaustivos durante os exercícios físicos', realizados em uma manobra militar.

“Não acredito que entreguei meu filho vivo para o Exército e recebo ele dentro de um caixão. Não é justo, quero justiça, isso não pode ficar impune! O Vini era um menino muito educado, meu companheiro, minha vida, e agora como fica minha vida?”, disse Mariza, mãe de Vinícius ao site Fronteira News.

Vinícius foi velado e sepultado nesse domingo (28) e o velório marcado pela comoção de familiares e amigos. Informações passadas ao Jornal Midiamax são de que os familiares estavam desmaiando quando chegavam ao local do velório.

Famílias denunciam agressão e escassez de água

Um colega do soldado relatou as atividades intensas sob sol forte e longos períodos sem beber água durante o treinamento. “Uns três tiveram problemas nos rins”, disse.

Uma mãe que mora em Nova Alvorada do Sul foi até Bela Vista para a formatura do filho no quartel, e quando chegou, encontrou o rapaz na guarita, debilitado, sem poder comer e sem tomar água

A mãe, então, pediu para que alguns militares a ajudassem a levar o filho para a enfermaria e, chegando lá, foi informada que a condição física do filho era considerada normal, já que o treinamento era para a sobrevivência.

O soldado acabou sendo levado para o hospital da cidade, mas teve de ser transferido para a Santa Casa de Campo Grande, onde está entubado, em coma induzido e com uma mancha no pulmão, segundo os médicos que o atenderam. “Entreguei meu filho saudável”, disse a mulher.

As mães também denunciam agressão e falta de água para os recrutas durante o treinamento de campo. Uma delas contou que o sonho do filho virou pesadelo. 

Ela conta que o filho tem 18 anos e ingressou no Exército no fim de fevereiro deste ano. Os soldados passaram cinco dias em treinamento de campo militar, sendo os dois últimos com mais dificuldades, conforme o relato da mãe. 

“Ele disse que nos últimos dois dias, tinham que procurar comida e água, chegaram a ficar 48 horas sem beber e comer”.

“Perguntei para ele o que aconteceu, ele disse que foi muito cansativo, não tinha água e nem comida. Ele contou que os recrutas eram agredidos, pois tinham uma corda amarrada no peito e eram puxados dessa forma. Alguns desmaiaram e eles continuaram sendo puxados”, relatou a mãe, que preferiu o anonimato. 

Exército abriu inquérito para apurar morte de soldado

O CMO (Comando Militar do Oeste) abrirá um inquérito policial militar para apurar as circunstâncias da morte de Vinícius. Em nota, o CMO afirma que lamenta o falecimento do soldado e que está prestando suporte aos familiares do militar. 

“O soldado foi atendido pela equipe de saúde do Regimento na sexta-feira (26), encaminhado ao hospital de Bela Vista (MS) e, no mesmo dia, transferido para a Santa Casa de Campo Grande. Um inquérito policial militar será instaurado para apurar os fatos”, diz a nota.

Por meio de nota, divulgada no Instagram do Exército de Bela Vista, a corporação lamentou a morte do soldado e divulgou quais seria as causas do óbito do jovem militar. Confira a nota:

É com grande pesar que a Comando do 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada lamenta informar o falecimento do Soldado Recruta Vinicius Ibanez Riquelme, do 10º Regimento de Cavalaria Mecanizada de Bela Vista-MS, ocorrido no dia de hoje (27), em Campo Grande”.

A nota ainda traz que, “Vinicius participava do acampamento de Instrução Básica, quando foi conduzido pela equipe de Saúde de Formação sanitária com ‘sintomas de febre, diarreia e com pressão estável. … e que, apesar de ser hidratado e medicado e sem apresentar melhoras o soldado foi evacuado (encaminhado) para o Hospital de Bela Vista, onde foi diagnosticado com choque séptico”.

Em seguida, ainda segundo a nota do Exército, “Vinícius então foi encaminhado para Santa Casa de Campo Grande, na noite de ontem, mas que faleceu na manhã deste sábado”.

A nota divulgada pelo Exército ainda informa que a família do soldado está recebendo apoio médico, psicológico e ‘suporte espiritual'.