Crime que mais marcou 2023 em MS, Caso Sophia levantou debate sobre proteção institucional
Sophia foi levada mais de 30 vezes a unidades de saúde depois de sofrer torturas e ser estuprada. Partes envolvidas são vistas como negligentes no amparo à criaça
Thatiana Melo –
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A formatura da escola que não vai existir, dormir na casa das amigas também não, a fase contestadora da adolescência vai ficar na imaginação: etapas da vida que Sophia Ocampo, morta aos 2 anos, não vai viver, assim como, muitas Marias, Anas, Isabelas, que deveriam ser protegidas também pelo Estado, quando não protegidas pelos próprios pais.
A menina, que já havia passado por diversas internações, morreu em janeiro deste ano. As investigações mostraram que Sophia foi levada pela mãe a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), já sem vida. A mulher chegou ao local sozinha e informou o marido sobre o óbito. Sophia também foi estuprada.
Uma testemunha afirma que depois de receber a informação sobre a morte de Sophia, o padrasto teria dito a frase: “minha culpa”. Uma das contradições apontadas na investigação é o fato da mãe ter afirmado que antes de levar a filha para atendimento médico, a menininha teria tomado iogurte e ido ao banheiro.
A versão é contestada pelo médico legista que garantiu que com o trauma apresentado nos exames, a criança não teria condições de ir ao banheiro ou se alimentar sozinha. A autópsia também apontou que Sophia pode ter agonizado por até seis horas antes de morrer. O padrasto e a mãe da menina são acusados do crime e estão presos.
Responsabilidade institucional
O caso policial que, sem dúvidas, mais marcou 2023, revela aspectos mais nefastos da humanidade, e também falhas institucionais gravíssimas em relação à proteção e zelo da infância, levantando em Mato Grosso do Sul amplo debate sobre negligência e responsabilização institucional.
“Ninguém se sentiu responsável”. Foi o que declarou ao Jornal Midiamax a defensora pública e Conselheira Estadual de Direitos Humanos, Neyla Mendes, cuja análise afirma que o órgão que podia intervir de forma rápida e energética era o Conselho Tutelar, que teria condições de atuar rapidamente retirando a criança do lar e depois informando a Justiça, na preservação de seu bem-estar.
Na visão da defensora, o primeiro impacto foi estar envolvido na briga, um casal homoafetivo. “De um lado, uma família normal e de outro um casal gay.” Para Mendes, este fator emperrou/retardou o desenrolar na Justiça no caso de Sophia.
Mas, só isso não levaria a este desfecho trágico. A defensora avalia que a lei determina que serviços públicos sejam prestados com rapidez quando do outro lado estiver crianças e adolescentes, e os procedimentos não podem ser atendidos da mesma forma tanto no caso de delegacias, defensorias e conselhos.
“Aquele fluxo (caso Sophia) caiu dentro do fluxo deles (delegacia), e recomendaram que fosse ao Conselho Tutelar, e ficou daquele jeito.”, diz.
Investigação arquivada antes de tragédia
Na época, a delegada Anne Karine, titular da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente), disse que o inquérito estava com material suficiente para incriminar a mãe pelo crime de maus-tratos – o que poderia render pena de até 4 anos de reclusão. Assim, a delegada encaminhou dois inquéritos: um em dezembro de 2021 e outro em novembro de 2022.
O primeiro inquérito foi arquivado pelo MPMS. “Em razão da atipicidade material do fato, o Ministério Público requereu o arquivamento do feito. Por consequência, a Juíza Eliane de Freitas Vicente acolheu a manifestação do representante do Ministério Público”, informou na época o MPMS.
Neyla Mendes ainda foi enfática ao dizer que qualquer entrada que Sophia tenha dado em qualquer um destes órgãos, ela teria de estar protegida. “Qualquer ponta da rede deveria ter feito o que fosse necessário até que a criança estivesse protegida.”, disse a defensora. A formalidade que existe no papel não funciona, segundo Nely.
A defensora ainda pontuou que as redes de proteção – tanto da mulher como da criança – não funcionam, “Tantas crianças estupradas e violência doméstica contra as mulheres.”
Só neste ano, segundo dados da Sejusp (Secretaria de Estado e Segurança Pública), de janeiro até o dia 15 de dezembro, 352 crianças foram vítimas de estupro e 180 adolescentes. Já casos de violência contra crianças registrados, já que muitos não o são, foram de 58 desde janeiro até 15 de dezembro deste ano, e contra adolescentes 224, na Capital.
E o Conselho?
O Jornal Midiamax procurou o Conselho Tutelar Norte que atendeu o caso da Sophia na época, mas como resposta foi que não iriam se pronunciar sobre o caso. Contudo, as eleições para o cargo realizadas em 2023 teve ampliação de 25 para 40 conselheiros. O problema é que não há, ainda local para eles, o que coloca em xeque a posse dos mesmos.
A ampliação do número de conselheiros atende a uma necessidade legislativa. No caso, a lei determina que deve haver um conselho tutelar para cada 100 mil habitantes, de forma que três sejam criados em Campo Grande. Em cada conselho, a lei também prevê 5 conselheiros. O problema é que a criação dos novos postos ainda está emperrada no âmbito municipal.
Investimentos anunciados
Segundo o titular da SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) a Prefeitura deverá investir R$ 350 mil na criação de cada conselho, juntos custarão mais de R$ 1 milhão. A folha de pagamento anual, com os oito conselhos em atividade na Capital, deverá ficar em torno de R$ 8,5 milhões.
Ao Jornal Midiamax, na ocasião, a vereadora Luiza Ribeiro (PT), proponente do debate na Câmara, considerou que a temática já era um debate urgente na cidade há muito tempo. “Temos cinco conselhos tutelares implantados há bastante tempo. E há muito tempo se arrasta o processo de implantação de mais três ou quatro novos conselhos tutelares. Isso já foi exaustivamente discutido com o Executivo”.
Segundo Luiza, a legislação já preconiza a implantação dos conselhos. “Considerando a Resolução 231/2022 do Conanda, que preconiza a existência de, no mínimo, um Conselho Tutelar para cada grupo de 100 mil habitantes, é notável a defasagem em Campo Grande, uma cidade com mais de 800 mil habitantes, possuindo apenas cinco conselhos tutelares”, pontuou.
Padrasto e mãe vão a júri popular em 2024
O juiz Aluísio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, marcou para março de 2024 o julgamento do casal Stéphanie de Jesus e Christian Campoçano, mãe e padrasto da menina Sophia OCampo. Os dois são apontados como responsáveis pela morte da criança.
O caso será julgado por júri popular. O julgamento está marcado para às 8 horas do dia 12 de março. O magistrado pediu ainda que as os dias 13 e 14 também fiquem reservados, devido à complexidade do crimes e por não estar definida a quantidade de testemunhas que irão depor.
O casal ainda foi indiciado em nova denúncia por tortura, que oferecida pelo promotor Marcos Alex Vera, no dia 9 de setembro. O promotor falou em sua denúncia sobre o padrasto de Sophia, “ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, submeteu a menor impúbere Sophia de Jesus Ocampo, sua enteada, com 02 (dois) anos de idade à época dos fatos, a qual estava sob sua guarda, poder e autoridade, com emprego de violência, a intenso sofrimento físico, como forma de aplicar-lhe castigo pessoal, produzindo-lhe as lesões corporais descritas às fls.do Prontuário Médico”.
Já em relação à mãe da menina, o promotor discorre “a genitora da vítima, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, e tendo o dever legal de impedir o resultado, se omitiu em face da tortura praticada pelo co-denunciado contra a vítima Sophia de Jesus Ocampo”.
A denúncia de tortura contra o padrasto e a mãe de Sophia veio após um episódio em que a menina teve a perna quebrada a chutes pelo autor e que foi presenciada pelo filho dele que prestou depoimento falando sobre os fatos. “Foi meu pai, meu pai que chutou ela pra rua, chutou ela duas vezes, aí deixou ela machucada.”
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