“Todas as vítimas de feminicídio em 2022 não tinham medida protetiva contra os autores”. A fala é da delegada Maíra Machado, responsável pelas investigações que levaram à prisão de Adailton Freixeira da Silva, pela morte de Francielle Guimarães Alcântara. O caso é um dos oito feminicídios registrados em só em 2022. O número já corresponde a quase 25% do total de 2021, quando 34 mulheres foram assassinadas devido ao seu gênero.

Com exceção de Luana Alves Furtado — encontrada morta em casa pelo marido Gabriel Ferreira Neves com pelo menos 10 facadas em Costa Rica após vizinhos escutarem gritos — a maioria das outras vítimas de 2022 não registraram boletim de ocorrência contra os autores. Em abril de 2020, com apenas 15 dias de namoro, ela procurou a delegacia da cidade para registrar agressões sofridas pelo namorado após um ex ligar para ela perguntando sobre os filhos.

Já a delegada da (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) responsável pela prisão do militar da aeronáutica Tamerson Ribeiro Lime, assassino confesso de Natalin Nara Garcia de Freitas, explica que a denúncia de casos de violência doméstica pode ser feita por qualquer pessoa, sem que a vítima queira comparecer à delegacia ou denunciar. É a chamada ação penal incondicionada. “Qualquer um pode ligar para a Polícia Militar ou no 180 e denunciar. As vítimas não registram ocorrência, mas alguém sempre sabe da violência que sofrem, porque as mulheres vão desabafar com amigas, ou vizinhos escutam as agressões”, diz a delegada Ana Paula Ferreira.

Foi o que ocorreu no caso de Natalin. O autor chegou a simular mensagens de texto para amigas da vítima após uma delas desconfiar do sumiço da jovem e falar para seu esposo que iria registrar boletim de ocorrência. Ela havia combinado de ir, junto a Tamerson, registrar o desaparecimento de Natalin no domingo pela manhã. O corpo, contudo, foi encontrado às margens da BR-060 no mesmo dia.

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Adailton foi preso no MT (Foto: Leonardo de França – Jornal Midiamax)

Números de 2021

Durante todo o ano de 2021 foram registrados 34 feminicídios em Mato Grosso do Sul, segundo dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), sendo 32 deles no interior e dois na Capital.

A primeira vítima de 2021 foi a moradora da Aldeia Indígena Taquapery Maristela Lescano, de 34 anos, em Coronel Sapucaia, a 380 quilômetros da Capital, no oitavo dia do ano. O marido dela, Anelson Lescano Montania, de 23 anos, confessou ter assassinado a indígena com golpes de caibro ao vê-la com outro homem em casa. Maristela tinha cortes na cabeça e nas costas, e o autor não falava português, além de estar embriagado.

O mês de agosto foi o que mais registrou assassinatos de mulheres em 2021. No dia 5, Elisiane Ferreira da Silva Alves, de 39 anos, foi encontrada após ficar quatro dias desaparecida, em Chapadão do Sul, a 330 quilômetros da Capital. O corpo dela estava enterrado em uma fazenda e o marido, de 34 anos, foi preso após ameaçar e tentar invadir a casa de sua irmã. Contudo, na delegacia, ele confessou o assassinato. Elisiane estava na cidade há dois anos e nasceu no estado de Alagoas.

A 313 quilômetros dali, em Sonora, um homem de 35 anos também foi preso, no mesmo dia (5), acusado de ter cometido feminicídio. Laís de Jesus Cruz, de 29 anos, era esposa do autor e foi encontrada, já sem vida, enterrada em uma fossa nos fundos da residência do casal. Ela já havia registrado boletim de ocorrência dizendo que o autor era conturbado e violento, e que já tinha sido agredida fisicamente por ele.

No dia 19 do mesmo mês, Felipa Moreno Ojeda, de 33 anos, também foi encontrada morte e enterrada em uma cova, no quintal de casa, em Ponta Porã, fronteira com o Paraguai. A irmã de Felipa comunicou a polícia sobre o desaparecimento no dia 16 de maio. Ao questionar o cunhado, o suspeito da morte — o ex-marido — entrou em contradição sobre o paradeiro da mulher, alegando que ela havia viajado e posteriormente ido embora de casa em uma caminhonete. O suspeito possui uma extensa ficha criminal, incluindo diversos boletins de ocorrência de agressão contra a ex-esposa, e segue foragido.

Campo Grande registrou dois casos de feminicídio em 2021. Silvana Domingos dos Santos, de 31 anos, foi a primeira vítima de feminicídio registrada na Capital. Assassinada dentro de sua casa, onde morava com os dois filhos no Los Angeles, no dia 17 de agosto, ela foi morta por um “desacordo comercial” com o autor, e a família ainda teve de enfrentar a revitimização de Silvana, após informações de que ela seria garota de programa. Em depoimento, o pedreiro acusado do crime afirmou que “matou ela porque era garota de programa”, e não aceitava o valor cobrado de R$ 100 a hora.

Maria do Carmo Brasil, de 72 anos, foi morta pelo próprio filho, um sargento aposentado do Exército Brasileiro, identificado como Edilson Donato Nolasco, de 51 anos. Ele também é acusado de tentativa de homicídio contra o irmão. Segundo a filha de Maria e irmã do autor, a mãe tinha pedido dinheiro emprestado de um agiota. O filho acabou pegando cerca de R$ 3 mil emprestado também, mas ao ingerir bebida alcoólica no dia 3 de dezembro, ameaçou a mãe para que não desse seu endereço ao cobrador.

No dia 7 de dezembro, ele voltou a casa onde o irmão e a mãe moravam e assassinou a idosa a facadas. No local, vizinhos que passavam pela rua do Bairro Coophatrabalho, se assustaram com a quantidade de sangue espalhada pela calçada e varanda da residência.

8 feminicídios em Mato Grosso do Sul em 2022

A primeira vítima de feminicídio neste ano foi Mariana de Lima Costa, de 29 anos, assassinada pelo marido Jonas Ferreira Rocha, 49 anos, em Anastácio, no dia 15 de janeiro. Mariana tinha reconciliado com o autor do crime dias antes de ser cruelmente assassinada. A Polícia Civil apurou que Jonas matou a esposa com golpes do cabo de um machado.

Já na madrugada do dia 16 de janeiro, Paulina Rodrigues, de 103 anos, foi assassinada em pelo ex-genro, Cícero Souza, de 91 anos. A curadora da vítima a encontrou morta em casa por volta das 6 horas, após estranhar que a vítima ainda não tinha acordado. Paulina estava na cama e tinha vários ferimentos pelo corpo.

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Tamerson foi preso pelo feminicídio de Natalin. (Foto: Leonardo de França – Jornal Midiamax)

Rose Paredes, de 39 anos, foi morta a facadas em por Eduardo Gomes Rodrigues, de 53 anos. Ela estava desaparecida desde o dia 19 de janeiro e o corpo foi encontrado em uma fossa, no dia 22. O autor foi preso pelo crime quando tentava fugir da cidade.

Em Campo Grande, Francielle Guimarães Alcântara, de 36 anos, foi vítima de tortura e cárcere privado por quase um mês, antes de ser assassinada pelo marido, Adailton Freixeira da Silva, de 46 anos, que foi preso. O crime foi descoberto após a vítima ser encontrada morta em casa e um laudo médico inicial apontar morte natural.

Já Marta Gouveia dos Santos, de 37 anos, foi morta de forma premeditada pelo filho, Matheus Gabriel Gonçalves dos Santos, de 18 anos, que está preso pelo feminicídio. A mulher foi encontrada morta no dia 23 de janeiro, após sair para uma pedalada em Nova Andradina, a 297 quilômetros de Campo Grande.

Vitoria Caroline de Oliveira Honorato, de apenas 15 anos, foi assassinada por esganadura pelo namorado Lucas da Silva Cordeiro, de 23 anos, que está preso. A jovem estava desaparecida desde a noite de 25 de janeiro, quando teria ocorrido o feminicídio. A princípio, a motivação seria ciúmes.

A jovem Natalin Nara Garcia de Freitas, de 22 anos, foi encontrada morta neste domingo (6), às margens da BR-060 em Campo Grande. Espancada até a morte, ela teve o pescoço e o braço quebrados. O marido, militar da Aeronáutica, Tamerson Ribeiro Lima, de 31 anos, foi preso em flagrante nesta segunda-feira (7).