Dois coronéis e um tenente-coronel da PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul) se tornaram réus por prevaricação, em denúncia recebida em julho deste ano. Então membros da Corregedoria da PMMS, eles são acusados de tentarem ‘abafar' caso de suposta homofobia cometido por outros dois oficiais contra um capitão.

Recentemente, o Midiamax noticiou a absolvição de um dos oficiais acusado de praticar injúria contra o capitão. O fato aconteceu em fevereiro de 2020 e, na denúncia do caso, o (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) já anunciou o possível caso de prevaricação. O oficial foi absolvido pelo Conselho Especial de Justiça por não serem constatadas provas suficientes para condenação.

Ainda de acordo com o MPMS, os atos de ofício contra expressa disposição da lei, para satisfazer interesse e sentimento pessoal, teriam ocorrido em 29 de setembro de 2020 e 5 de fevereiro de 2021. Em 2020, o capitão requereu junto à Corregedoria providências após major da PMMS praticar homofobia em conversa de .

Foi solicitada instauração de inquérito policial, para apurar a possível prática de injúria, na forma do artigo 216 do Código Penal Militar. O capitão solicitou ainda que fosse apurada eventual prática de crime contra a honra do militar. Na conversa que o Midiamax teve acesso através da denúncia do MPMS, o major fala que o colega estaria com Aids.

O major chama o capitão na conversa para tratar de assuntos da corporação. O capitão relata que está afastado, ao que o major responde: “Tô sabendo… aids”. O capitão diz que está com dengue e encerra a conversa com o oficial. A vítima solicitou a instauração de Inquérito Policial Militar e ainda que a Corregedoria adotasse reserva ao assunto, que se possível não fosse publicado em boletim, por se tratar de assunto de foro íntimo.

Para o MPMS, os documentos forneciam indícios suficientes da autoria e também materialidade do crime de injúria, devendo ser instaurado o inquérito.

Corregedor não instaurou o IPM

De acordo com a denúncia, o então corregedor da PMMS determinou a instauração de um PIP – Procedimento Investigatório Preliminar. Um tenente-coronel foi nomeado como encarregado e o procedimento instruído, com depoimento dos envolvidos no caso. No desenrolar, foi lavrada uma ata de reunião.

Consta na peça que, na reunião, o major disse que não teve a intenção de ofender o colega e que aquilo era uma ‘brincadeira', pedindo desculpas pelo mal-entendido. O capitão aceita o pedido de desculpas e, conforme a ata, teria informado que não tinha interesse de prosseguir em procedimento administrativo.

No dia seguinte, o tenente-coronel escreveu relatório concluindo que o investigado não praticou crime de natureza militar ou comum, nem tampouco transgressão à disciplina policial militar. Os atos foram remetidos ao então corregedor, que subscreveu a solução do PIP, no qual concordou com o parecer do encarregado.

“Por também entender que não há indícios do cometimento de crime militar ou comum ou de transgressão da disciplina por parte do major, visto que restaram esclarecidas as circunstâncias do diálogo”. Para o MPMS, os oficiais envolvidos praticaram ato de ofício, já que não instauraram ou deram andamento no procedimento investigatório.

Ainda para a acusação, os oficiais estavam cientes que deveriam ter instaurado Inquérito Policial Militar, por estarem presentes os indícios suficientes de crime e de autoria. “Agindo ao arrepio da lei, o denunciado tenente-coronel realizou uma ‘reunião' com as partes para que o investigado major se desculpasse com o capitão, ato que sequer tem previsão no CPPM”, pontua a denúncia.

“Após, concluiu pela inexistência de crime militar e/ou comum em razão do pedido de desculpas, sendo desnecessário dizer que na Justiça Militar a ação penal é pública incondicionada, portanto, a retratação do autor não impede a instauração do processo”, afirma o MPMS.

Ainda é afirmado que o tenente-coronel em questão agiu amparado pelo coronel corregedor e, assim, os oficiais impediram que os fatos chegassem ao conhecimento do Ministério Público.

“Agiram visando impedir a investigação, instauraram PIP e não IPM, mesmo cientes de que havia indícios suficientes de crime, contudo, agiram visando ‘abafar' os fatos, movidos pelo sentimento pessoal de corporativismo e pelo interesse de impedir eventual punição administrativa e/ou criminal do major”, finaliza a denúncia.

Os oficiais respondem pelo crime de prevaricação e o processo foi recebido pelo juiz Alexandre Antunes da Silva, da Militar, tornando os policiais militares réus.

Inquérito não identificou crime por parte dos oficiais

Após relato de prevaricação na apuração e denúncia inicialmente de crimes de injúria e homofobia, a Polícia Militar iniciou investigação, que acabou concluindo que os oficiais não cometeram crime. Data de maio de 2022 o relatório do inquérito, que diz: “Restou comprovado que não agiram ou deixaram de agir para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

No próximo dia 22 de agosto, ocorre audiência para oitiva da vítima e ainda das testemunhas de acusação.

Absolvições e relato de corporativismo

Em julho deste ano, tenente-coronel acusado de incitar preconceito e discriminação em razão de orientação sexual também acabou absolvido. Ele chegou a prender ilegalmente o citado capitão durante uma reunião e, verificada ilegalidade, o fato que teria ‘justificado' a prisão foi arquivado pelo MPMS.

De acordo com denúncia feita pelo MPMS, em junho de 2021 o tenente-coronel teria incitado discriminação e preconceito por meio de áudio e foto em um grupo de WhatsApp. O áudio, encaminhado de pessoa não identificada, retrata o momento de ‘caça' a Lázaro Barbosa, que matou quatro pessoas em uma chácara no Distrito Federal.

Já em julho de 2021, o mesmo tenente-coronel mandou prender o capitão já alvo de homofobia dentro da corporação, “em desconformidade com as hipóteses legais”. “O réu deu voz de prisão ao capitão no crime de recusa de obediência. No entanto, este último em momento algum teria recusado cumprir ordem relacionada ao serviço, tendo sido preso porque teria se retirado da sala no meio da conversa com o réu, sem autorização”.

Apesar dos relatos, a defesa do capitão chegou a citar na época que ele sequer teria se levantado da cadeira. O tenente-coronel mesmo assim foi absolvido nos dois crimes em que foi imputado porque o Conselho Especial de Justiça Militar julgou a pretensão punitiva improcedente, por não constituir o fato infração penal.

Homofobia em grupo de WhatsApp

O citado áudio repassado pelo oficial em um grupo de WhatsApp composto por policiais militares retrata o ‘policial raiz', que conseguiria prender Lázaro. “Tenho saudade dos polícia da minha época lá na minha cidade os polícia é Tonhão e Zézão, é Severino, cara raiz”.

“Aí tem óculos escuro, é distintivo, é galãozinho pra beber água, é cinto não sei o que operacional, é cheio de viadagem”, diz o áudio. Mesmo assim, para o Conselho da Auditoria Militar, o fato de o réu ter sustentado que “se tratou de uma brincadeira e que o áudio representava uma dualidade entre policial antigo e policial moderno” não comprovou crime de homofobia.

“Não há elementos que comprovem a efetiva intenção do acusado em incitar ou induzir à prática de homofobia”, diz a sentença. O tenente-coronel também foi absolvido do abuso de autoridade diante da prisão irregular contra o capitão.

Trecho em que é denunciada incitação à homofobia
Trecho transcrito do áudio – Reprodução

Capitão chegou a ser preso

Em julho de 2021, o então capitão e hoje major da PMMS, chegou a ser preso ao denunciar o caso de homofobia dentro da instituição. A prisão ocorreu durante uma reunião em que mais dois militares foram convidados a participar, sendo que a vítima havia afirmado que não falaria de nada que fosse além do trabalho.

A princípio, a prisão teria ocorrido pelo fato de o militar desobedecer ordem de superior, sendo detido em flagrante por insubordinação. No entanto, na época a defesa alegou que o oficial não deu as costas ao superior, sem ter sequer levantado da cadeira quando recebeu voz de prisão.

O militar havia feito uma denúncia contra seu superior pelo crime de homofobia, e mesmo com o caso em segredo, havia boatos na seção onde o militar trabalhava sobre a denúncia, o que teria provocado a reunião com o coronel.

Em uma das situações em que já havia denunciado outros dois militares à Corregedoria, o oficial teria ouvido que “tinha Aids” por ser homossexual e, na segunda situação, teria sido alvo de “brincadeiras” em razão de seu corte de cabelo, de forma preconceituosa, conforme denunciou.