Após 11 anos e julgamento de 11 horas, Hugleice da Silva, 39, e o enfermeiro Jodimar Ximenes Gomes, 51, foram condenados, somando as penas, a nove anos de prisão em regime inicial semiaberto, pelo aborto que causou a morte de Marielly Barbosa Rodrigues, de 19 anos, ocorrido em 2011, em Sidrolândia, cidade a 70 quilômetros de Campo Grande.

Os dois foram condenados pelo aborto e ocultação de cadáver. No júri popular realizado em , o enfermeiro Jodimar foi condenado a cinco anos e três meses e Hugleice, cunhado de Marielly, sentenciado a quatro anos.

Por ocultação de cadáver, cada um foi condenado a um ano, dentro da somatória, porém, o crime prescreveu. Então, ambos cumprirão um ano a menos em relação ao resultado da pena divulgada no julgamento.

A sentença máxima para ocultação de cadáver, crime que prescreve, é de três anos, de acordo com o Código Penal. Desde o recebimento da denúncia até a pronúncia do julgamento, passaram-se sete anos. E, ainda segundo o Código Penal, condenações com prescrição e pena de um a dois anos, prescrevem em quatro anos.

O Cláudio Muller Pareja, pediu perdão à família de Marielly, pela demora para a realização do julgamento. “Nosso sistema judiciário foi criado para ser lento e tínhamos problemas locais, uma das varas que tínhamos aqui ficou quase seis anos sem juiz. Eu peço perdão à família porque não há justificativa de demorar tanto tempo”, disse.

O pai e uma tia de Marielly não quiseram falar com a imprensa. O advogado de Jodimar, David Olindo, comentou que foi uma pena justa e não pretende recorrer da decisão. “Foi um julgamento bem feito e pena bem aplicada”.

Já o advogado de Hugleice, José Roberto da Rosa, falou que a sentença foi dentro do esperado. “No entanto, a pena por ocultação de cadáver foi no entanto exagerada, por isso vou estudar ideia técnicas de recurso”, comentou.

“Estou satisfeita com o resultado, finalmente a vítima vai descansar em paz, não é só um processo, é a história de uma jovem de 19 anos que perdeu a vida, vou analisar para ver se vou recorrer”, disse a promotora Bianca Machado Arruda.

Julgamento

Hugleice da Silva, 39 anos, cunhado que levou Marielly Barbosa Rodrigues, de 19 anos, para fazer um aborto que resultou em sua morte, em maio de 2011, disse no julgamento desta quinta-feira (15) que não era o pai do bebê que a vítima esperava. Após 11 anos, ele relatou que não participou ativamente do aborto e que não teve qualquer relação com a vítima.

Em detalhes, no júri popular que aconteceu em Sidrolândia, a 70 quilômetros de Campo Grande, Hugleice relembra que naquele dia 20 de maio de 2011 levou a jovem até a casa de Jodimar Ximenes Gomes, de 51 anos. Lá, o enfermeiro teria dito que o procedimento seria de no máximo 40 minutos, sem riscos.

“Passou meia hora, ele me chamou. Veio muito rápido na minha direção. Quando entrei na casa ela já estava sem vida”, afirmou no depoimento. Hugleice lembra que viu Marielly ensanguentada, já sem pulsação, sem respirar. “Fiquei desesperado, não sabia o que fazer, quem procurar”, relatou.

Foi então que o enfermeiro teria orientado a levar o corpo da vítima até um local. Na denúncia e no inquérito policial consta informação de que a colocou o corpo de Marielly na carroceria da camionete de Hugleice e levou até a área de mata, onde a jovem foi encontrada três semanas depois.

“Ela não divulgou quem seria o pai. Quando fiquei preso recebi várias ameaças de todo presídio”, afirmou. “Nego que seja o pai. Nunca tive envolvimento dessa forma com minha cunhada”, disse ainda Hugleice. Ele ainda relatou que participou ativamente ajudando a vítima a abortar porque era muito ligado a ela.

Aos jurados, o cunhado de Marielly afirmou que se sentiu perdido após a morte da jovem, que não sabia o que fazer e não confessou imediatamente por medo de perder a família. Ao fim, nesta quinta-feira ele confessou toda a participação, mas negando a paternidade e afirmando que não esteve no procedimento.

Enfermeiro nega participação no aborto

Em depoimento no plenário, Jodimar reafirmou que não conhecia Marielly, que nunca a viu e nem mesmo praticou o aborto. Esta é a afirmação feita pelo enfermeiro desde o dia em que foi descoberta a morte da jovem, três semanas após seu desaparecimento.

Além disso, Jodimar afirma que não conhecia Hugleice, cunhado de Marielly que teria ‘arranjado' o aborto para a jovem. Sobre o material apreendido na casa do então enfermeiro, como macas, pinças cirúrgicas e outros equipamentos, ele afirmou que trabalhava como manicure e por isso tinha aquele tipo de aparelhagem.

Aos jurados, Jodimar afirmou que foi agredido na delegacia, que teria sofrido torturas. Sobre o sangue que foi identificado na maca na casa do enfermeiro pelo teste com luminol, ele não soube dizer a procedência.

Denúncia diz que caso extraconjugal terminou com gravidez

A denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e o inquérito policial, com os laudos periciais, apontam que Marielly teria morrido no mesmo dia em que a mãe procurou a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) Centro para relatar o desaparecimento da filha. A jovem saiu de casa no dia 21 e não foi mais vista.

A investigação policial aponta que Marielly teve relação com o próprio cunhado, Hugleice. Dessa relação extraconjugal, resultou uma gravidez indesejada da jovem, comprovada por meio de um exame médico feito em fevereiro de 2011. No mês seguinte, em março, Marielly conheceu um rapaz com quem começou a namorar.

A gravidez era mantida em sigilo, mas a jovem chegou a confidenciar para uma amiga, dizendo que “se a nascesse seria uma ‘bomba' para a família”. Foi então que ela e o cunhado teriam optado pelo aborto. Hugleice então conhece Jodimar, que morava na época em Sidrolândia.

No dia 19 de maio, conforme identificado pela perícia no celular de Hugleice, ele teria passado o dia em Sidrolândia. Já no dia 20, Hugleice e Marielly trocaram um total de 18 ligações telefônicas. No dia seguinte, em que a jovem desapareceu, eles foram até Sidrolândia na casa de Jodimar, também conforme apontado pelo MPMS e Polícia Civil.

Na residência, o então enfermeiro teria feito o procedimento de aborto na jovem. Uma prima de Jodimar que teria ficado ali para fazer a limpeza do local relatou que viu a vítima passando mal. O que se apurou é que Marielly, logo após o aborto, passou mal e faleceu. Ali, Hugleice e Jodimar colocaram a jovem já sem vida na camionete do cunhado e levaram até a área de mata nas margens da rodovia MS-162, onde o corpo foi desovado.

Corpo de Marielly é encontrado

Foram três semanas do desaparecimento até o corpo de Marielly ser encontrado. O corpo já estava em estado inicial de mumificação, irreconhecível, sendo identificado pelos exames periciais. No dia do reconhecimento, Hugleice não teria olhado para o corpo, estava nervoso e saiu dizendo que não era Marielly.

No entanto, foi identificado que se tratava da jovem. A Perícia também identificou que Marielly já não tinha mais o feto, ou seja, o que para o MPMS comprova o aborto. A causa da morte não foi identificada, mas o indício é de que ela tenha sofrido uma hemorragia aguda, inclusive sendo identificado sangue perto da área pélvica do corpo da vítima.

A partir daí, sendo ouvidas testemunhas do caso, Hugleice teria confessado o crime, depois ainda tendo dito que teria sofrido violência psicológica da polícia. O MPMS pontuou que ele esteve com a presença do advogado em todas as vezes que foi ouvido, sendo impossível que o profissional permitiria tal fato.

Já Jodimar não chegou a confessar. Ele manteve a afirmação de que não conhecia Marielly, nem teria provocado o aborto. Os dois acusados foram denunciados em agosto de 2011 e pronunciados só em março de 2019, já 7 anos após a morte da jovem.

Hugleice da Silva foi condenado a três anos no semiaberto (Foto: Henrique Arakaki/Midiamax)

Enfermeiro Jodimar Ximenes Gomes, condenado ao semiaberto (Foto: Henrique Arakaki/Midiamax)

Juiz Cláudio Muller Pareja (Foto: Henrique Arakaki)