Adolescente relata abuso sexual de padrasto em carta ao ‘Papai Noel’
Garota também pediu peças de roupas e comida em cartinha em Bauru
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“Eu quero um tênis, uma camiseta e uma calça ou shorts, porque minha mãe não tem condições.” A carta, escrita por uma adolescente de 13 anos em Bauru (SP), poderia ser só mais uma entre tantas outras enviadas nesta época do ano, não fosse pela frase final: “Meu padrasto abusou de mim, mas não conta pra ninguém.”
A carta seria enviada aos Correios por meio da escola onde a adolescente estuda. Mas, quando um professor viu o conteúdo, decidiu ajudar a estudante. “A primeira reação foi de espanto, de susto. Depois pensei o quanto era importante a gente dar espaço para as crianças falarem o que estão passando ou sentindo”, conta o docente, que preferiu não se identificar.
O professor acionou a equipe do Conselho Tutelar e a adolescente foi retirada da casa onde morava no começo do mês. Hoje, ela está em um abrigo onde recebe apoio psicológico da Secretaria de Bem Estar Social de Bauru.
Ele afirma que a garota já dava sinais de que passava por problemas em casa, mas não poderia imaginar que ela era vítima de abuso sexual. “Ela tinha muito problema de indisciplina. Então, eu pensei que ela já trazia problemas de fora da escola e foi aqui que ela se manifestou com essa indisciplina, esse desinteresse. Era uma tentativa dela falar do sofrimento que estava passando na família dela.”
De acordo com a psicóloga Sarah Axcar, a garota contou que sofria abuso sexual do padrasto desde os seis anos e afirmou que nunca o denunciou porque ele ameaçava que mataria a mãe da adolescente.
“Isso é praxe dos abusadores. Eles ameaçam matar mãe, irmão e outros familiares. O segredo envolvido nessa questão do abuso é o medo da revelação. O silêncio faz parte do abuso sexual, foi por isso que ela nunca revelou. Mas ela achou uma forma de contar para o ‘Papai Noel’. Ela tinha essa noção que alguém leria a carta e que alguém prestaria esse socorro porque ela estava pedindo uma ajuda urgente”, explica Sarah.
A mãe da adolescente também não acreditou na acusação. “Muitas vezes a família não imagina que isso acontece, existem os ‘muros do silêncio’, em que a família reluta em acreditar porque é um sofrimento muito grande. É uma questão de superação. É uma dor na alma, mas é possível superar e não tratar isso como um tabu, porque na verdade é uma maldade, uma crueldade que precisa ser estancada e precisa ser resolvida”, afirma a psicóloga Darlene Têndolo.
Segundo o professor que “adotou” a carta, além de ter sido salva dos abusos que sofria, a adolescente vai receber os presentes que pediu na carta. “Ela começa relatando que gostaria de ter um tênis, mas que um saco de feijão seria satisfatório. No final da carta, ela pede um saco de feijão e também vai receber. Nós adotamos e nós vamos levar também alguns materiais escolares para ela, porque a gente entende que, agora, além de estar protegida, ela tem a necessidade de se sentir querida”, diz.
O docente diz que o episódio também serviu para ensinar uma lição aos funcionários da escola. “Toda pessoa maior de 18 anos é responsável pela educação das crianças e adolescentes. Isso ficou de lição não só para os professores, mas para a vida. Se você sabe de algum adolescente que está em uma situação de vulnerabilidade física, social ou a questão de um abuso sexual, qualquer pessoa pode fazer uma denúncia.”
O caso segue em segredo de Justiça e está na Vara da Infância e Juventude de Bauru.
Casos de abuso em Bauru
De 2015 para 2016, aumentou em 51% os casos de abuso e exploração sexual atendidos pelos Centros de Referência em Assistência Social de Bauru. Para a delegada Priscila Bianchini, o crescimento do número de ocorrências pode indicar que as vítimas estão se encorajando em denunciar os abusos.
“É importante que os representantes desses menores denunciem, tragam o conhecimento da policia para que tenha uma punição. Se não houver punição, o autor não só vai continuar praticando contra esse menor, como também vai criar outras vítimas de violência sexual. A conscientização é importante porque existe a Justiça e um aparato que vai dar apoio à família para que os casos sejam denunciados”, diz a delegada.
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