Banco de dados digital cataloga vídeos de violência policial em protestos
Luz, câmera… Ação!” A ação, neste caso, remete a “ação judicial”. Explica-se: um conjunto de oito ONGs e entidades ligadas a direitos humanos acaba de criar um banco de dados virtual para centralizar flagrantes de violência policial em manifestações. O serviço permite que qualquer cidadão possa cadastrar vídeos e fotografias por meio de um formulário […]
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Luz, câmera… Ação!” A ação, neste caso, remete a “ação judicial”. Explica-se: um conjunto de oito ONGs e entidades ligadas a direitos humanos acaba de criar um banco de dados virtual para centralizar flagrantes de violência policial em manifestações.
O serviço permite que qualquer cidadão possa cadastrar vídeos e fotografias por meio de um formulário único compartilhado (http://bit.ly/CadastreSeuVideo) na internet. Segundo os organizadores, a ideia é que o catálogo digital seja utilizado como embasamento para ações jurídicas relacionadas a atos de violência promovidos por policiais.
“A ideia é monitorar o conteúdo indicado pelo público e pensar em utilizações estratégicas para esses vídeos”, explica Priscila Néri, da Witness, organização internacional que deu o empurrão inicial do projeto.
“Numa avaliação coletiva, percebemos que até agora o uso jurídico de imagens de protestos tem sido reativo. Se alguém é preso ou acusado por algo que não fez, os advogados se mobilizam e procuram vídeos e imagens que provem o contrário. Mas também precisamos de uma estratégia proativa nesse processo de responsabilização. Sistematizar e unificar estes dados é um passo para não atuarmos só na defesa, mas também na acusação”, diz Néri.
Segundo ela, o acesso ao banco de dados ficará restrito às ONGs. “Há preocupações éticas e de segurança relacionadas tanto de quem filma quanto a quem aparece. É preciso um processo claro de consentimento informado entre as partes e de consciência sobre riscos entre todos os envolvidos.”
Ela diz que, apesar de muitos desses vídeos serem produzidos por ativistas bem intencionados, é preciso atenção a consequências inesperadas, como perseguição, por exemplo. “Essas pessoas podem ficar marcadas e serem prejudicadas. Nossa preocupação é trabalhar junto, com transparência, pensando nos riscos possíveis e em como contorná-los.”
Entre os possíveis abusos que o banco de dados pretende identificar estão prisões ou detenções “para averiguação” e ” desacato”, policiais sem identificação, tentativas de impedir filmagens, agressões e ameaças físicas ou verbais.
Além destes, o uso desproporcional de armas como spray de pimenta ou balas de borracha, encurralamento ou cerceamento de manifestantes, flagrantes forjados, revista abusiva ou vexatória, entre outros, também estão na mira das instituições de direitos humanos.
Autenticidade
A autenticidade do material publicado é um dos principais desafios do projeto. Para verificar se as informações publicadas no banco de dados são reais, a tecnologia é a principal ferramenta da organização.
“Os metadados são importantes. O formulário estimula que se use o GPS da câmera, e que hora e data estejam configurados. Isso cria uma camada de verificação do arquivo que ajuda a confirmar quando foi filmado, onde, por qual câmera etc. Também mostra se o vídeo é original.”
Em paralelo, a rede usa uma regra de “triple sourcing”, ou seja: para cada denúncia, outras três fontes independentes (blogs, outros filmes, testemunhas etc) são buscadas para corroborar ou não as informações.
“O processo de autenticação dos vídeos serve para desbancar os que não são o que dizem ser e dar visibilidade aos que são de fato relevantes”, explica Néri.
Guia
Junto ao formulário digital, a iniciativa também lançou um guia (http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/GUIA%20WITNESS%20R02%20web.pdf) que ensina leigos a produzirem filmes durante protestos.
O texto traz, entre outras informações, detalhes sobre as leis que permitem que manifestantes portem câmeras e máquinas fotográficas em manifestações.
De acordo com o guia, por exemplo, policiais não podem confiscar material audiovisual como câmeras ou cartões de memória: “Confiscar bem alheio e não devolver é crime tipificado pelo art. 259 do Código Penal Militar (CPM), cuja pena é a detenção e até seis meses”, diz parte da explicação.
Nestes casos, se o agente insistir no confisco, a recomendação para o cinegrafista é anotar a identificação do policial e denunciá-lo ao Ministério Público, Defensoria Pública e Corregedorias dos órgãos policiais, além de entidades de defesa dos direitos humanos.
O guia também diz que informar ao policial que a imagem está sendo transmitida ao vivo costuma ajudar a inibir esse tipo de conduta ilegal.
“Esses vídeos podem ter utilidade jurídica”, diz João Paulo Charleaux, coordenador de comunicação da ONG Conectas, uma das participantes do projeto. “Como a Copa tem engendrado mais manifestações. A quantidade de forças de segurança e forças armadas envolvidas nesse período cresce, então é possível que aconteçam mais violações.”
Ele explica a importância da qualidade dos vídeos. “O formulário foi feito porque não basta filmar. Há técnicas que facilitam o uso da imagem como evidência jurídica.”
Além da Witness e da Conectas, o projeto conta com a participação das seguintes instituições: Advogados Ativistas, Artigo 19 Brasil, Associação Brasileira dos Advogados do Povo, Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos, Justiça Global e Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.
Projeto de lei
Um projeto de lei em análise na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados também tenta evitar episódios de violência policial em protestos e eventos públicos.
O texto, de autoria do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), prevê proibição do uso de de armas de fogo, balas de borracha, eletrochoque e bomba de gás.
Para garantir a proteção dos policiais, o projeto sugere que agentes portem apenas armas de baixa letalidade. Nestes casos, o uso só seria permitido com comprovação de necessidade de resguardar a integridade física dos oficiais.
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