Kamikaze : entre a razão e o embuste
Valter Pereira
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Atropelado por pesquisas desfavoráveis, o “capitão” Jair Bolsonaro mergulhou na mais temerária aventura para reverter os números que ameaçam sua reeleição.
Quando descortinava o fim da crise sanitária, o Presidente apostava na recuperação de sua forma política através do esquecimento de seus desmandos, principalmente na pandemia, bem como na retomada econômica do País.
O fato é que a avaliação do seu governo não melhorou e seus métodos de administrar vem mantendo severa reprovação. Como efeito colateral, ressurge o fantasma da inflação que hibernava. Com a escalada dos preços, a disseminação da fome e da pobreza.
Em 2020, quando medrava o caos, no auge da pandemia, o Presidente não queria pagar mais de R$ 200,00 de auxilio emergencial. Contrariado, acabou engolindo projeto que nasceu no Congresso Nacional, instituindo ajuda de R$ 600,00. Com cara de pau, arvorou-se pai do benefício e isso lhe propiciou passageira melhora de sua imagem à época.
Incapaz de prever a extensão da crise social, seu governo absteve-se de elaborar um projeto racional para enfrentar os efeitos da pós-pandemia sobre a população, preferindo acreditar na resposta da economia. Despreocupado, entregou a chave do Tesouro Nacional para “Centrão” administrar as finanças, dedicando seu tempo às memoráveis e relaxantes motociatas.
Agora, com a eleição fazendo água perto do nariz, o “capitão” e o “centrão” decidem distribuir mais de R$ 41 bilhões para pobres e remediados. Na ante–véspera da eleição, Auxilio-Gás e Auxilio Brasil são turbinados; novos beneficiários ao programa serão admitidos; verbas para caminhoneiros e taxistas serão distribuídas, além de importantes aportes destinados a “pobre” indústria alcooleira.
A distribuição de bens e valores assim como a concessão de benefícios por parte do governo são defensáveis quando inseridas em políticas públicas ou atendam a situações de emergência, sempre adotadas com respeito ao princípio constitucional da impessoalidade.
Não é o caso da PEC kamikaze, que o Congresso acaba de aprovar. O que ela contém não é um projeto de política pública! São medidas propostas para atender emergência eleitoral. Destina-se a encher a urna vazia de um candidato e não o estômago vazio de milhões de brasileiros. Para enxergar o propósito eleitoral do projeto, basta olhar para a vigência predominante dos benefícios: expiram em 31 de dezembro. Apurados os votos, adeus benevolência.
Se o governo tivesse agido na hora apropriada seguramente já estaria mitigando a fome de grande parte de um contingente de 15,5 milhões de deserdados, sem violar a Constituição Federal e a Lei Eleitoral que condenam o uso do dinheiro público para captar votos, especialmente tão próximo da boca de urna. Por muito menos, prefeitos e parlamentares já perderam mandatos em outras eleições.
Tempo para elaboração de programa sustentável de renda mínima o governo teve, mas sua agenda de benevolência sempre deu prioridade a garimpeiros, madeireiros que destroem florestas, predadores do meio ambiente, atiradores, delinquentes digitais, et caterva.
A fundada necessidade de socorro a segmentos em apuros explica a leniência de deputados e senadores de oposição que aprovaram as medidas, mesmo sabendo do perigoso precedente que estão criando e do potencial risco de transtornos à futura administração do país.
Afinal, elas não são as únicas iniciativas açodadas do atual governo, que tem feito da improvisação, a regra geral. Mas para quem está na corda bamba, vale tudo!. Até o risco de incorporar o espirito kamikaze dos pilotos japoneses na segunda guerra mundial.
Com a diferença de que os kamikazes japoneses sabiam que iam morrer pelos valores que acreditavam; e os nossos kamikazes acreditam na sobrevida eleitoral, apostando na magia da benevolência improvisada. O problema é que a crença nem sempre é parceira da razão. No estágio que vivemos, a razão tem grandes chances de vencer o embuste.
Valter Pereira, advogado.
Ex-Vereador, Deputado Estadual, Federal, Constituinte.
Ex-Senador da República
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