À medida que cresce o número de mortes provocadas pelo terremoto de magnitude 7,8 na , que chegou a 11,8 mil nesta quarta-feira, 8, aumenta a insatisfação da população frente a reação do governo de Recep Erdogan ao desastre.

O sismo atingiu uma zona remota e pouco desenvolvida do país, o que agravou o desafio das equipes de emergência. Os impactos dos tremores nas rodovias, e as condições meteorológicas desfavoráveis, de frio, neve e chuva, também dificultaram a atuação dos bombeiros nas escavações, trazendo pessimismo às perspectivas de encontrar sobreviventes sob os destroços.

A situação de calamidade fez o presidente visitar nesta quarta-feira, 8, o epicentro do terremoto de 7,8 de magnitude que deixou dezenas de milhares de mortos no país e na vizinha Síria desde segunda-feira, 6, e enfrentou a raiva e a frustração de muitos. Os sobreviventes nas regiões mais atingidas reclamam, porém, de jamais terem visto sinais de equipes de socorristas, além de passarem frio e .

Revolta frente à tragédia

“Enfrentamos dificuldades no início com os aeroportos e as estradas, mas hoje estamos melhores e amanhã estaremos melhores”, disse Erdogan em Kahramanmaras, em resposta às críticas. “Estamos diante de um grande desastre. Meu povo sempre tem paciência. Tenho certeza de que minha nação mostrará paciência novamente.”

“Onde está o Estado? Onde está?”, perguntava desesperado um homem que se identificou como Ali, enquanto diminuíam suas esperanças de encontrar com vida o irmão e o sobrinho presos entre os escombros em Kahramanmaras.

“Onde estão as tendas, os food trucks?”, questionou Melek, 64, em Antakya, no sul do país, à agência de notícias Reuters. “Não vimos nenhuma distribuição de comida aqui, ao contrário do que houve em desastres locais anteriores. Sobrevivemos ao terremoto, mas vamos morrer de fome ou de frio aqui”, afirmou.

Em Gaziantep, cidade no sudeste da Turquia conhecida por seus mosaicos, as escavadoras e os cães farejadores só começaram a vasculhar os escombros na tarde de terça-feira, 7. “É muito tarde. Agora esperamos nossos mortos”, disse suspirando uma mulher que esperava informações sobre sua tia.

Desde segunda, a cidade continua sendo afetada por abalos secundários, e falta tudo aos sobreviventes: as lojas estão fechadas, não há gás – e, consequentemente, não há calefação – e encontrar gasolina é uma façanha. Só continuam abertas algumas padarias, em frente das quais se formam longas filas.

Resgate no frio

Durante dois dias e duas noites desde o terremoto de 7,8 graus de magnitude, milhares de socorristas trabalharam em temperaturas gélidas para encontrar sobreviventes. Dezenas de países, da China aos Estados Unidos, passando por Ucrânia e Emirados Árabes Unidos, prometeram ajuda à Turquia, que começou a receber equipes de emergência e material na terça-feira.

O diretor do Crescente Vermelho turco, Kerem Kinik, advertiu que as primeiras 72 horas foram críticas para os trabalhos de resgate, mas destacou que as ações foram prejudicadas pelas “severas condições meteorológicas”.

Em Sehitkamil, subúrbio de Gaziantep, em frente a um prédio reduzido a escombros, a sensação de abandono abala os sobreviventes ainda mais do que o frio. Muitos deles correram para a rua sem sequer calçar os sapatos quando foram acordados pelos tremores no meio da noite.

Lá, Ebru Firat, de 23 anos, tem consciência de haver cada vez menos chances de encontrar com vida a prima que desapareceu sob os escombros de sua casa. Como acontece com centenas de pessoas que esperam perante as ruínas, a dor se mistura muitas vezes com a raiva. “Já se passaram 36 horas desde o terremoto… o avanço é muito lento”, disse a jovem. “Quero ter esperança, mas…”

Cada minuto conta para encontrar sobreviventes, mas, nas horas posteriores à tragédia, não chegou nenhum socorrista nessa área. Foram os próprios parentes dos desaparecidos, às vezes acompanhados por policiais, os primeiros a usar as próprias mãos para fazer as buscas nos destroços.

Relatos de pessoas que se viram obrigadas a escavar os destroços em busca de familiares soterrados com as próprias mãos, sem equipamentos adequados ou mesmo roupas para o frio, também se multiplicaram nos primeiros dias após o desastre.

A situação relatada por parte da população foi ecoada por Ugur Poyraz, secretário-geral do partido de oposição IYI, na véspera. “A ajuda definitivamente não está sendo coordenada de modo profissional”, ele afirmou à Reuters. “Cidadãos e equipes locais estão se unindo às operações de resgate por conta própria para salvar as pessoas nos escombros”.

As autoridades afirmam que mais de 24 mil socorristas atuam na busca e resgate de vítimas, e que outras 9.000 tropas foram mobilizadas. Segundo o New York Times, mais de 8.000 pessoas foram socorridas -quase o mesmo número de mortes registradas até agora.

O terremoto aconteceu por volta das 4 horas de segunda-feira, mas as equipes de resgate só chegaram à noite, deixando de trabalhar à meia-noite, contam os parentes. “As pessoas ficaram indignadas, e a polícia interveio. Depois, nos obrigaram a ficar quietos”, conta Celal Deniz, de 61 anos, cujo irmão e sobrinhos estão soterrados.

Em meio a um frio glacial, Deniz e seus parentes tentam se esquentar ao redor de uma fogueira. A situação de desamparo a faz levantar questões que, no momento, ficam sem resposta.

Taxa do terremoto

“Não sabem pelo que o povo está passando. Onde estão nossos impostos recolhidos desde o terremoto de 1999?”, questiona ela, relembrando o desastre que deixou quase 17,4 mil mortos naquele ano ao devastar zonas altamente povoadas e industrializadas no noroeste da Turquia.

Depois dessa tragédia, estabeleceu-se um imposto especial denominado “taxa do terremoto”. A renda arrecadada desde 1999, estimada em 88 milhões de libras turcas (cerca de US$ 4,6 milhões), devia ser usada na prevenção de catástrofes e no desenvolvimento dos serviços de resgate. Mas ninguém sabe onde o dinheiro foi parar.

“Não há nenhuma região a que não chegam os serviços de resgate”, assegurou na noite de segunda-feira o presidente do Crescente Vermelho na televisão. “Mentira”, reagiu uma jovem que assistia, pedindo para continuar em anonimato. “Estamos abandonados”.

Existem relatos não confirmados de que o acesso ao está restrito na Turquia. Ele estava sendo usado como um canal para comunicar o paradeiro de pessoas presas nos escombros, mas a polícia turca disse ontem que deteve pelo menos quatro pessoas por “espalhar informações erradas” na plataforma e espalhar o pânico sobre o terremoto.

Na visita à região atingida, Erdogan alertou para os turcos “ouvirem apenas canais oficiais” de informação e não “provocadores”. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)