Espanha: falso sobrevivente do Holocausto é desmascarado
Enric Marco nunca lutou contra o fascismo
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Enric Marco nunca lutou contra o fascismo
Dos 7.532 espanhóis mantidos no campo de concentração nazista de Mauthausen (Áustria), só 2.335 sobreviveram.
Nesta terça-feira, completam-se 70 anos da liberação desses sobreviventes, uma data particularmente especial para a Espanha. Foi ali que terminaram a maioria dos 9 mil espanhóis deportados.
No entanto, a memória deles correu o risco de ser distorcida. Tudo devido a um impostor, Enric Marco, que até dez anos atrás foi presidente da principal associação de vítimas do nazismo na Espanha, a Amical Mauthausen.
Discurso de impacto
O historiador madrilenho Benito Bermejo, especialista em deportados da Espanha, interessou-se por Marco depois de conhecê-lo em uma conferência em 2002 – e achou a história dele muito intrigante.
Enric Marco contava que havia sido preso em Flossenbuerg, um campo de concentração na Baviera (Alemanha) e um destino atípico para um deportado espanhol.
Bermejo leu tudo o que pôde encontrar sobre o passado de Marco, a partir da versão deste – de que havia sido um anarquista obrigado a fugir de Barcelona, sua cidade natal, para a França no fim da Guerra Civil Espanhola (1936-39).
“Eu estava curioso, interessado em descobrir mais, mas logo fiquei perplexo”, conta Bermejo.
“A versão de Marco para os acontecimentos mudava a cada vez que ele contava. Tanto sobre o campo de concentração quanto sobre como havia chegado ali.”
Benito Bermejo também achou misterioso que nas poucas ocasiões que conseguiu falar com Marco cara a cara, ele se recusou a contar suas experiências na Alemanha nazista.
Como presidente da Amical Mauthausen, Marco mostrou uma predilecção por discursos de grande impacto, cheios de detalhes horríveis de sua suposta vida em Flossenbuerg.
Deixou vários deputados chorando ao se dirigir a eles no Dia Internacional da Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto, em janeiro de 2005.
Desmascarado
Buscando no arquivo do Ministério das Relações Exteriores, o historiador encontrou uma solicitação oficial do comando do Exército na Catalunha para obter informações sobre o paradeiro de Marco, já que ele não havia se apresentado para o serviço militar obrigatório em 1943.
O ministério respondeu que Marco era empregado de um estaleiro naval de Deutsche Werke, em Kiel, no norte da Alemanha.
Longe da luta contra o fascismo, Marco na verdade fez parte dos 20 mil espanhóis que trabalhavam para o Terceiro Reich sob um acordo de 1941 entre o general espanhol Francisco Franco e Adolf Hitler.
“Quando soube que Marco não foi deportado, e sim que foi à Alemanha voluntariamente, vi que algo muito estranho estava acontecendo”, disse Bermejo.
Mas ele ainda tinha dúvidas quanto um possível engano de Marco, já que alguns trabalhadores voluntários que tiveram problemas com o regime nazista terminaram em campos de concentração.
Durante meses, o historiador buscou uma explicação de Marco.
Descobriu que Marco fora preso brevemente em Kiel, mas nunca foi condenado, e muito menos enviado a um campo de concentração.
Logo, durante o evento para comemorar o 60º aniversário da liberação do campo de Mauthausen, ele enviou um relatório sobre o caso ao escritório do governo espanhol e à associação Amical. E esperou.
“O que mais eu poderia fazer? Decidi que ir a público com o que eu sabia seria uma espécie de declaração de guerra e algo muito controverso naquele momento.”
A caminho da Áustria, um dia antes da cerimônia de Mauthausen, Bermejo leu na imprensa que Marco havia tido que voltar à Barcelona por estar “indisposto”. A farsa havia acabado.
O livro O Impostor, do escritor Javier Cercas, escrito com a colaboração de Marco, sugere que o próprio Marco foi confrontado por seus colegas da Amical a respeito das conclusões de Bermejo e confessou ter sido um voluntário do Terceiro Reich.
Perto do desastre
Marco finalmente admitiu abertamente que nunca havia estado em um campo de concentração. Passou a argumentar que foi preso brevemente “sob acusação de conspiração contra o Terceiro Reich” mas nunca foi liberado pelas tropas aliadas – como contava anteriormente – em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial.
Aos 94 anos, não se arrependeu publicamente da mentira que contou por três décadas, alegando que o objetivo era manter viva a memória das vítimas espanholas de Hitler.
“Quem teria me escutado se eu não tivesse encarnado esse personagem?”, disse recentemente.
“É assustador pensar que se eu não o tivesse conhecido, as coisas poderiam ter sido muito diferentes”, afirmou Bermejo.
Para José Marfil, também de 94 anos e um dos poucos sobreviventes espanhós reais do campo de Mauthausen, a luta para manter as memórias do local vivas deve continuar.
“Temos que fazer tudo o que for possível para manter a memória da existência desses campos de concentração viva para as pessoas, já que nós sobreviventes vamos desaparecer.”
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