Ícone morreu em 30 de setembro de 1955

A internet, e seu saco sem fundo de possibilidades, é banquete para quem tem tendência a ficar obsessivo por um assunto. Foi assim um fim de semana desses aí, em percebi no cardápio da Netlix uma série de clássicos disponibilizados recentemente, entre eles ‘Juventude Transviada’, a produção-ícone da curta carreira do ator James Dean, morto há exatamente 61 anos, na tarde de 30 de setembro de 1955. Naquele dia histórico para o cinema, o ator de 24 anos foi vítima de acidente com seu Porsche, a pelo menos 130 quilômetros de velocidade. Nascia um mito.

Assim que vi o ‘cartaz’ virtual, com a famosa jaqueta vermelha e os belos olhos azuis do ator destacados, acendeu-se a necessidade de ver e sanar essa falha no currículo cinematográfico. Não sei porque, mas apesar de ser ávida consumidora de filmes desde a adolescência, só conhecia o mito James Dean, símbolo dos ‘rebebes sem causa’, eternizado pela aparência transgressora, e linda. Não conhecia o trabalho do ator.

A emblemática jaqueta vermelha de Jim Stark (Reprodução)

 

Play dado, e encerrado, a curiosidade ampliou-se. Parti para a maratona, nem tão maratona assim, pois Dean só fez três filmes como protagonista. Ao todo, foram cerca de 8h na frente da tela, com a ajuda da internet: começando por “Juventude Transviada”, depois “Assim Caminha a Humanidade” e por fim “Vidas Amargas”.

Divido com você, leitor, porque, assim como tenho obsessões, tenho vontade de compartilhá-las, principalmente com quem, como eu, até esse fim de semana, só sabia da fama do ator.

É impressionante como foi meteórica a carreira de James Dean. Em apenas um ano, 1955, ele fez os três filmes citados. Dois foram lançados após sua morte, e lhe renderam indicações póstumas ao Oscar. Não ganhou, mas nem precisava. Já era ícone. Até hoje sua figura é representativa de um período de ruptura, de empoderamento da juventude, e alvo de dúvidas eternas, entre elas sua propalada homossexualidade ou, até mesmo, o paradeiro dos restos do carro que o matou.

Filmes protagonizados por Dean (Reprodução)É igualmente impressionante como interpretou tipos que pareciam, de certa forma, ter um quê de autobiografia. Em “Juventude Transviada”, foi o jovem perdido, em conflito com a família, que se envolve em uma trágica disputa de racha. Dean perdeu a mãe ainda criança, o pai não o criou, transferindo a tarefa para um casal de tios. E, como se sabe, morreu vítima de sua loucura pela velocidade.

Em Vidas Amargas, representa Caleb, que disputa a preferência do pai rigoroso com o irmão Aaron. Trata-se da adaptação para o cinema de “À Leste do Paraíso”, livro do prêmio Nobel John Steinbeck, uma revisita à história dos irmãos biblícos Caim e Abel. O Caleb feito por Dean é o irmão renegado a segundo plano, com suas atitudes nada convencionais em pleno período de Primeira Grande Guerra. Dizem os registros que ele não se deu bem com absolutamente ninguém do elenco. Nem na festa de lançamento do filme foi. Na tela, o resultado da tensão entre o elenco foi positivo para o espectador. É uma história linear, mas poderosa e que reflete muito das tensões familiares que perpassam os séculos.

“Assim Caminha a Humanidade” foi a última filmagem de James Dean. Ele morreu alguns dias após fazer a derradeira cena. Na produção, vive Jett Rink, peão insolente que, ao longo do tempo, se transforma em petroleiro riquíssimo, poderoso, sempre bêbado, apaixonado pela esposa do fazendeiro para quem trabalhava.  A personagem ‘causa’ e muito, assim como o ator, que chegou a morar em um camarim à época.

Se você não viu esses filmes ainda, ao chegar nessa produção, talvez tenha a mesma sensação de arrependimento que tive de não ter assistido antes. Elas são, simultaneamente, um belo ‘passatempo’ e grandes reveladoras do porque os envolvidos são o que são no universo da telona.

Dean como Jett Rink, em 'Assim Caminha a Humanidade', seu último filme (Reprodução)

 

O rival de James Dean no filme, Brick Benedict, é vivido por Rock Hudson, galã de época, que durante anos escondeu sua homossexualidade e morreu vítima da Aids, em 1985. Hudson, hoje, é tido como uma das personalidades motivadoras das pesquisas sobre a doença e das campanhas contra o preconceito. O par dele na produção é nada menos que Elizabeth Taylor, falecida em 2010, também ela um ícone do cinema. A personagem, Leslie, é forte, uma mulher turrona, decidida, e algo feminista (isso mesmo!). Como não dizer isso ao ver uma cena na qual dá uma lição nos homens da casa ao ser excluída de uma conversa sobre política? Isso por volta de 1945, a época da história.

“Assim Caminha a Humanidade” (Giant no título original), é isso mesmo: um filme gigante. Há amor e rivalidade, mas, para além disso, é um libelo cinematográfico contra o preconceito aos imigrantes, mexicanos vivendo no Texas. Há uma cena inesquecível em que Rock Hudson rivaliza com o dono de uma lanchonete que hostiliza mexicanos. Só ela valeria o filme.

Essa breve ‘maratona’ que cito partiu da curiosidade por Dean, mas para mim foi além dele. Depois de ver sua pequena, mas significativa lista de filmes, sinto-me, de certa forma, menos em dívida com essa arte que me ajuda tanto a compreender o mundo.