Médico chega aos 90 atendendo em Campo Grande e diz que se ‘reinventou’ com 70 anos: ‘Estudo muito’
O livro de cabeça para baixo, deixado na página certa em que terminou a leitura do dia, mostra o quanto Tsuneo Shinzato gosta de estudar. Aos 90 anos, o médico continua atendendo pacientes e o que impressiona é que, aos 70, o até então ortopedista se reinventou e foi atuar justamente na área onde mais […]
Graziela Rezende –
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O livro de cabeça para baixo, deixado na página certa em que terminou a leitura do dia, mostra o quanto Tsuneo Shinzato gosta de estudar. Aos 90 anos, o médico continua atendendo pacientes e o que impressiona é que, aos 70, o até então ortopedista se reinventou e foi atuar justamente na área onde mais tinha preconceito: acupuntura e terapias holísticas. Veja entrevista em vídeo ao final.
Ao todo, são 63 anos de formação, o que o torna um dos médicos mais antigos em atuação. “Eu me formei em 1960 e vim para Campo Grande em 1964. Estudei no Rio de Janeiro e estava com emprego certo lá, porém, a tradição dos okinawanos é que o filho mais velho acompanhe e o meu pai então me disse para retornar pra cá. A partir daí, comecei a minha vida aqui. Fui o quarto ortopedista a atender na cidade. Montei o consultório e trabalhei até os 70 anos, atendendo também em hospitais, como cirurgião na minha área”, conta o dr. Tsuneo.
Pais vieram de Okinawa para colônia em MS
Anos antes, Tsuneo conta que os pais vieram de Okinawa, no Japão. “Eles chegaram em São Paulo e foram para o município de Catanduva, onde eu nasci. Depois, com a chegada da colônia japonesa, decidiram vir para Campo Grande. Eu tinha três anos na época e toda minha vida infantil foi no meio do mato, em um tempo que não tinha televisão, rádio, nada”, relembrou.
Desde cedo, trabalhando nas plantações e convivendo com comunidade, Tsuneo conta que aprendeu muito. “Um parente da minha mãe, dos ‘Nakao’, já estava aqui e nos ajudou no início, então, fomos para uma fazenda e lá plantamos café. Depois, mudamos para a Mata do Segredo em colônia só de japoneses. Tinha cafezal, plantação de banana e isso foi a nossa sobrevivência. Lá tinha uma escola e aí eu fiz o curso primário”, comentou.
No entanto, Tsuneo conta que permaneceu dos 10 aos 14 anos somente trabalhando na roça. “O objetivo do meu pai era me mandar para Okinawa cuidar da minha avó, que estava sozinha, só que logo depois teve a guerra e este projeto foi abandonado e aí eu fui estudar no Dom Bosco. Tinha 14 anos e fiquei até o científico. Eu lembro que ainda não sabia qual profissão seguir, porém, tinha visto alguns japoneses atuando como médicos e optei por isto”, contou.
Tsuneo chegou no RJ como ‘caipira’ e lá se tornou médico
Como a família “não tinha posses”, Tsuneo ressalta que sabia que precisava estudar em uma faculdade pública. “Antes de ir fazer o vestibular, servi ao Exército e fiz meio ano de cursinho lá no Rio de Janeiro, até que passei na Faculdade Nacional de Medicina, como chamavam antigamente – hoje a UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Eu saí da roça, então, era um caipira lá”, disse.
Formado e de volta a Mato Grosso do Sul, Tsuneo ressalta que, dois anos depois, conheceu a futura esposa. “Na minha época as pessoas eram indicadas na comunidade japonesa. Você não era obrigada a aceitar, mas, sempre tinha alguém que falava: ‘Aquela moça é boa’. E aí eu conheci e me casei com a Norimi [Maki Shinzato, de 85 anos]. Temos ao todo cinco filhos e oito netos atualmente”, falou.
Inspiração para os filhos
Mesmo sem concordar, é inegável que o médico tenha sido inspiração para os filhos. Dos cinco, sendo duas mulheres e três homens, a maioria foi para o caminho da medicina. São ao todo quatro médicos. Já o caçula se tornou juiz de Direito. “Este teve influência de um tio e dos ensinamento da mãe”, brincou Tsuneo.
E, prestes a completar seis décadas de medicina somente em Campo Grande, Tsuneo fala que nunca parou de estudar, de atualizar conteúdos e ainda teve uma reviravolta na carreira, aos 70 anos. “Eu comecei atendendo muitos fazendeiros aqui, além de árabes que ficavam mais no comércio e os japoneses na lavoura. Atendia no consultório e também nos hospitais, até o momento em que percebi que não conseguiria mais manter esta rotina pesada de operar pacientes. Cheguei a ter uma família de cinco gerações como pacientes”, disse.
Desta forma, buscou uma forma de continuar exercendo a medicina. “Eu queria algo mais leve, então, fui estudar a medicina alternativa, como a acupuntura, por exemplo. Engraçado que, no começo, não acreditava em nada dessas coisas, mas, fui estudar de novo com 70 anos e aí teve uma guinada na minha profissão, então, até hoje estou estudando: acupuntura, medicina holística, justamente o que não acreditava muito”, comentou.
Na época da faculdade, Tsuneo chegou a ouvir piadas sobre este ramo da medicina. “Os médicos não podiam falar que conheciam ou estavam fazendo acupuntura. Eles inclusive usavam outro termo: ‘agulhamento a seco’. O conselho [de medicina] também não aceitava, então, quem fazia falavam que eram só leigos. A gente percebia que os médicos não valorizavam, até o momento em que o presidente dos Estados Unidos, Rochard Nixon, levou uma turma de 100 médicos para presenciar uma cirurgia cardíaca na China, em que o paciente recebeu anestesia com acupuntura, só aí começaram a acreditar”, afirmou, relembrando os tempos de estudante.
Atualmente, Tsuneo fala que este ramo da medicina é muito evoluído não só nos Estados Unidos como em toda a Europa. “Os remédios tratam os sintomas e os medicamentos naturais a causa. É algo que vejo no meu trabalho, no dia a dia. Tenho pacientes que tomavam 10, 20 remédios ao dia e hoje estão satisfeitos com outros tratamentos. Isto me deixa muito contente”, disse.
Atleta aos 90 anos
Aos 90 anos, Tsuneo possui uma rotina muito organizada. “Estudo, leio todos os dias, no período da manhã. Eu preciso fazer isso e aí também me sinto melhor para repassar conhecimento. Também jogo tênis, tanto na quadra do meu condomínio como na Associação Nipo”, explicou.
Já no período da tarde, das 13 às 18h, o médico atende pacientes. “Tenho saúde e uma vida tranquila atualmente, além da satisfação em atender os meus pacientes. Trabalho porque gosto de ajudar as pessoas, acho que esse é o meu propósito. Engraçado que, aos 85, tinha um plano: comprei um apartamento, arrumei a mobília e achei que me mudaria para lá e me aposentaria. Mas, me senti bem para continuar trabalhando e talvez chegue aos 100 anos com saúde, disposição e ainda estudando”, finalizou.
Veja o depoimento do sr. Tsuneo ao MidiaMAIS:
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