Surda desde os 5, Heloísa dá show em trabalho e mostra importância da inclusão em Campo Grande
Heloísa trabalha como atendente em uma rede de farmácias e celebra inclusão no mercado de trabalho na Capital
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Diagnosticada com deficiência auditiva desde os cinco anos, Heloísa Cordeiro Augusto, hoje com 19, precisou adaptar a sua linguagem para se comunicar na escola, com os colegas, com a família e, também, no grande desafio que é se inserir no mercado de trabalho sendo uma PcD (Pessoa com Deficiência). Depois de dezenas de currículos negados nas empresas, ela conquistou sua vaga e hoje dá show na hora de atender as pessoas em Campo Grande. Afinal, como ela mesma mencionou, tudo o que precisava era de apenas uma oportunidade.
Ela entrou na rede farmacêutica Drogasil no dia 5 de outubro de 2021. Lá, ela trabalha como caixa, organizadora e atendimento direto com o cliente. Para muitas pessoas, talvez, essa ideia pareça confusa, afinal, “como uma pessoa surda vai atender?”. O que muitos esquecem (ou esquecem de pesquisar), na verdade, é que a surdez tem o seu próprio ‘idioma’ a nuanças de comunicação, que são as libras (Língua brasileira de sinais).
Enxergar cada vez mais pessoas se comunicando dessa forma é um passo muito importante para disseminar a ideia de que, igualmente o inglês e o espanhol, a língua de sinais é de grande importância na rotina de qualquer país que atua diretamente na inclusão de pessoas surdas e mudas, e isso não poderia ser diferente no Brasil. Portanto, tornar o mercado de trabalho mais inclusivo é um grande passo para essa normalização.
O Jornal Midiamax visitou o local de trabalho de Heloísa, localizado na Avenida Afonso Pena, para conhecer mais sobre a sua história. Lá, a nossa entrevista foi intermediada pela Edislaine dos Santos Simões, analista de RH e intérprete de libras.
“No começo, quando eu comecei a trabalhar aqui, foi um pouco difícil porque as pessoas não sabiam que eu era surda. As pessoas me olhavam, achavam que eu era ouvinte e acabavam me chamando. Mas aí, com o tempo, eles acabaram se acostumando”, afirmou Heloísa ao recordar das suas primeiras semanas de trabalho.
No entanto, bastaram apenas alguns ajustes por parte de Heloísa e da empresa para que ela conseguisse atender normalmente qualquer cliente. Ela atua em um caixa fixo onde tem um aviso sobre a sua condição: “Sou deficiente auditiva e vou realizar seu atendimento. Você pode acompanhar a sua compra pelo tablet”.
Depois, outro aviso impresso questiona a forma de pagamento do cliente. Ele aponta a opção desejada, Heloísa passa os produtos na caixa registradora, finaliza a compra e, da sua própria forma, agradece a pessoa. Simples assim.
Na hora de indicar um produto, basta ler a embalagem para entregá-lo ao cliente. Somente quando existe uma necessidade específica de diálogos complexos, que outro funcionário é acionado para terminar o auxílio. Fora essas raras exceções, Heloísa exerce a função de qualquer outro atendente da loja.
“Os funcionários têm essa paciência e me ajudam bastante também. Lá no caixa, quando as pessoas chegam e veem que eu sou surda, elas entendem. E tem todo um comunicado no caixa que elas conseguem ver, entendem que eu sou surda, pedem ‘desculpa’, eu falo ‘que não tem problema’, peço para eles escolherem qual a forma de pagamento e eles vão se acostumando também”, comentou a jovem.
Já houve oportunidades em que ela também atendeu pessoas com surdez. “Ela [cliente] me disse que foi a primeira vez que encontrou um surdo no atendimento”. Depois de muitos currículos negados devido à sua condição, ela afirma só ter a agradecer a oportunidade de entrar no mercado de trabalho e, principalmente, por poder exercer funções reais e ter responsabilidade.
“Eu tinha muita vontade de me inserir no mercado, mas mesmo que a gente tenha o direito, é difícil que as pessoas aceitem. Eu já entreguei diversos currículos, mas nunca consegui, as empresas não contratavam. Elas têm um certo preconceito. Então eu fiquei muito agradecida a Deus porque eu consegui essa oportunidade, consegui essa vaga e eu to muito feliz, chego a me arrepiar. Eu queria muito, eu tenho capacidade, eu tenho força e eu sei dos direitos. E as pessoas, em outros lugares, acabam não tendo essa inclusão. Tem vagas, mas as pessoas não ajudam e não fazem essa inclusão do surdo e aqui na nossa empresa a gente conseguiu”, afirmou.
Inclusão no mercado de trabalho
Edislaine dos Santos Simões, 28 anos, trabalha como analista de Recursos Humanos na Drogasil. Ela contou que a empresa trabalha com a inclusão de pessoas com deficiência em cargos que exercem a mesma função de qualquer outro funcionário.
“A nossa inclusão não é só para bater cota, não é esse o objetivo. A Heloísa, por exemplo, trabalha como atendente, exerce a função como qualquer outro atendente aqui dentro da loja, tem as mesmas responsabilidades e as mesmas cobranças, porque ela tem o mesmo treinamento. Isso para que ela possa participar do nosso plano de carreira” disse.
Apesar da ideia inicial de colocar pessoas com surdez no atendimento ter preocupado os gestores, Edislaine afirma que o resultado, até então, tem sido ótimo. Além do comprometimento com as funções, têm grande aceitação dos clientes.
“A pessoa com deficiência tem essa questão da inclusão, ela sente que as pessoas excluem ela do mercado, que não tem essas oportunidades. E quando a empresa dá essa oportunidade, ela dá o melhor de si e o resultado que a empresa tem é gratificante, maravilhoso de ver aquela pessoa conseguindo alcançar os objetivos dela de crescimento profissional”, afirma a analista.
Segundo informado por Edislaine, existem cerca de 30 lojas da rede farmacêutica espalhadas em Campo Grande. Em todas elas, há uma média de dois funcionários PcD contratados em cada sede. No entanto, por causa da pandemia, a maioria está afastada e deverá voltar quando as condições forem mais seguras.
Já outros que não estão no grupo de risco, como Heloísa, seguem exercendo as suas funções e construindo o seu plano de carreira.
A vida fora do trabalho
A Heloísa também compartilhou um pouco de como é a sua vida fora do trabalho. Ela foi diagnosticada com surdez aos cinco anos de idade quando teve um problema de saúde. “Eu fiquei doente e minha mãe ficou preocupada, ela ficou procurando médico que pudesse me ajudar e a gente passava por uma situação difícil, eu fiquei muito triste. Foi quando eles diagnosticaram que eu sou surda”, contou.
No início, a principal dificuldade foi com a comunicação. Então, Heloísa passou a frequentar o Ceada de MS (Centro Estadual de Atendimento ao Deficiente da Audiocomunicação). Lá, ela e a família foram orientadas quanto às libras, comunicação e adaptações para a vivência de Heloísa.
Apesar da jovem ser oralizada, conseguir falar e entender leitura labial, ela não escuta nada. Ela também contou que namora um rapaz de 21 anos há um ano e meio. O casal se conheceu por causa de amigos em comum e ele, que é uma pessoa ouvinte, teve algumas dificuldades para se comunicar com ela.
No início, o casal até conversava por bilhetes no papel e mensagens, mas logo o jovem aprendeu libras. “Primeiro eu ensinei ele quando a gente começou a namorar. Ele sabia o básico, foi aprendendo um pouquinho mais, depois foi se acostumando. Ele fez um curso de libras também”, revelou Heloísa.
Agora que já conquistou o objetivo de conseguir um emprego, a atendente afirma que pretende fazer faculdade em Letras ou Pedagogia, com foco em libras, para ajudar as crianças com surdez no futuro.
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