Como vivem os pobres de Bonito?
Na principal avenida da cidade, é possível ver moradias com famílias de todas as classes sociais. O pobre, no entanto, tem mais dificuldade por ter que pagar o mesmo valor de um turista desde o arroz até o aluguel, segundo bonitenses.
Graziela Rezende –
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Há exato um mês, a cidade de Bonito era o hype dos sul-mato-grossenses e de gente de todo canto. Rede hoteleira e pousadas inclusive declararam lotação máxima, alguns dias antes do início do 21° Festival de Inverno. Durante o dia, na Praça da Liberdade e entorno, tinham apresentações culturais, exposições, restaurantes e bares lotados e ainda o “fervo noturno”, mostrando locais iluminados e gente bonita gastando a rodo. Mas, concentrados ali, muitos nem viam ou sequer questionavam: onde vivem os pobres? Aliás, existem pessoas pobres aqui? Como é ser bonitense, viver em uma cidade turística e pagar o mesmo preço de um turista por tudo?
No penúltimo dia na cidade, já nostálgica após intensa cobertura, decidi vestir uma roupa confortável e “turistar” logo cedo. Da praça em diante, as duas quadras seguintes estavam exatamente como descrito acima: cheias de turistas, estabelecimentos comerciais lotados e com mesas estendidas até a calçada, se misturando ao caminhar das pessoas, burburinhos e músicas, além de lojas movimentadas e aquele “ar diferente” que parecia renovar os pulmões a cada passo.
Pois bem, passando esta parte da Avenida Coronel Pilad Rebua, a principal de Bonito, as coisas começaram a mudar. Logo encontro um vendedor de picolé, apressado, indo buscar mais mercadoria. Alguns passos até alcançá-lo e tomo coragem: “Festival de Inverno por aqui, mas, está um calor né…vendendo bastante picolé?” Eis que Antônio Soares da Silva, de 66 anos, responde: “Sim, dei muita sorte hoje, tô indo para o fabricante buscar mais. Só que não é sempre que é assim não moça. Tem veiz que eu vendo fraco”, contou.
Naquele dia 27 de agosto, Antônio aproveitou o aniversário de um político da cidade e levou o carrinho para vender lá na frente. No entanto, segundo o idoso, alguém “arrematou a mercadoria” e ele caminhava cerca de 4 km, para encher o carrinho novamente e tentar vender, agora nas proximidades do balneário municipal. Só que se engana quem achar que este é o principal sustento do seu Antônio.
“Eu sou da área da construção. Tem serviço aqui. Só que o aluguel é caro e eu, por exemplo, não pago água e luz. Pra se virar aqui e sustentar uma casa todo mundo tem que trabalhar, ainda mais se é pobre. Aí os dois trabalham, compram o básico e tem que ir à caça. Eu vou no mercado, geralmente compro frango que é mais barato e assim vai. Mesmo assim gosto daqui. Fui criado em fazenda, fiquei 15 anos em Campo Grande, só que voltei com a minha dona. Aqui é mais tranquilo, ninguém incomoda a gente”, avaliou.
O ponto de parada chegou. O idoso logo atravessou a rua e seguiu a caminhada. Foi quando avistei um casal em uma cena típica de interior: ambos sentados na frente de casa, conversando e saboreando um pé de frango, acompanhado de arroz e vinagrete, em meio às galinhas. Vez em quando ganhavam recompensa, porém, foi só eu me aproximar que as aves saíram de perto. A Vanier [Rodrigues dos Santos, de 47 anos] e o Robert [Duarte da Cruz, de 41 anos], ao contrário, foram muito receptivos.
“Senta. Fica à vontade. Podemos conversar sim”, disse Robert. Foi quando conheci a história da família, o que inclui uma filha de 9 anos e também soube que o provedor acumula quatro funções para garantir o sustento: recepcionista de hotel, vigia noturno, mecânico e atendente do brechó, que montou ao lado da esposa. E mais: Robert ainda faz manutenção e aluga bicicletas para turistas na cidade. A esposa, que ficou bastante tempo desempregada, também trabalha no brechó em casa e em um mercado da cidade.
“Nasci em Campo Grande, só que vim criança para cá. Meu pai era da olaria e era bem difícil. Aos poucos, ele foi conseguindo as coisas. Eu estudei só até a sexta série. Em casa, um pouco estudou e outro pouco não. Logo depois me casei. A gente vive assim, com pouco, mas pelo menos não precisamos pagar aluguel, que é bem caro aqui. E quando escuto minhas colegas do mercado falarem, fico bem preocupada. Elas dizem: ‘Paguei o aluguel, agora não sei o que vou fazer para sobreviver o resto do mês’. Daí a gente fica procurando oferta do mercado para comprar mais barato”, falou Vanier.
O marido complementa. “A gente tem esse espaço aqui porque minha avó deixou isso aqui e enquanto não sai resultado de herança a gente vai ficando. Ela era gaúcha, chegou aqui em carreta de boi, com algumas irmãs. E a família sempre foi se virando. Mas na época da pandemia todo mundo ficou apreensivo. É uma cidade turística, tudo ficou parado. Desde essa época eu prestei atenção e penso que deveria ter uma política para os mais pobres aqui. Ajudar com moradia, dar a mão aos mais humildes”, argumentou.
Outra situação que Robert reclama é a falta de médicos especialistas na cidade e até alguns remédios no posto, como antibióticos. “Esses dias precisei e não tinha. A única coisa que não falta é dipirona”, lamentou.
E a vizinha concorda. “Estou precisando de ortopedista e não consigo de jeito nenhum. A assistência médica está bem ruim. O financeiro também, a gente não dá conta. Agora mesmo estou sem energia. Não tenho pra pagar e ainda estou com problemas no joelho. Estou aqui porque ganho marmitas e estou contando com a solidariedade de uma amiga”, afirmou.
A amiga, no caso, é a ajudante de cozinha Rosilene Davalos Baez, de 42 anos. Desempregada no momento, ela conta que cata latinhas e “divide o barraco” com as amigas e um familiar. “Estou com alguns problemas de saúde e por isso estou pegando cesta do Cras (Centro de Referência da Assistência Social)”, comenta. A mais idosa da casa é a diarista Leila Franco Corrêa da Silva, de 57 anos. “Vou para as fazendas, trabalho e depois pouso por aqui”, falou.
Por um lado, gente reclamando de emprego e, do outro, gente falando que tem oportunidades de sobra. A esta altura, eu já estava umas dez quadras adiante, momento em que encontrei o pedreiro Rodrigo Soares Garcia, de 33 anos. “Sou de Corumbá e vim por conta de oportunidades. Na minha cidade os pontos turísticos são fortes, só que aqui fiquei sabendo que estava precisando de gente urgente. E sempre tem emprego aqui nessa área. Em 45 dias, juntei quase R$ 6 mil”, falou.
No entanto, Rodrigo fala que não está pagando aluguel e “vai se virando” dormindo em diversos lugares. “A gente vai se virando. Aluguel não tem como pagar, então, pretendo ficar aqui só até dezembro mesmo. Pelo que vi aqui posso dizer que a cidade é 70% para os ricos e 30% para os pobres. As domésticas que conheci aqui têm vários bicos. Pega R$ 140, R$ 150 em um e já vai direto para o outro. Faz uma faxina ganha, vai pra outra, isso nos três períodos”, comentou.
Questionada sobre o assunto, a titular da SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social), Vânia Mugart, argumenta que todos os serviços para um município de pequeno porte, como é a cidade de Bonito, são ofertados aos mais humildes.
“Temos o nosso Cras, localizado na área mais populosa e voltado para aqueles com baixo poder aquisitivo. Quem nos procura, recebe o benefício em dinheiro. São quase 1,5 mil do Auxílio Brasil e o Mais Social, do Governo do Estado. A sede é próximo à prefeitura e voltada para o acolhido, sem falar nas políticas de emergência, então, posso garantir que nenhuma pessoa vai dizer que não tem o que comer. Se for lá, não vai ficar sem comida. Temos notas ficas que comprovam toda essa conversão em alimento”, explicou.
Sobre o alto valor do aluguel, Mugart disse que a gestão municipal está ciente do problema. No entanto, não seria um problema exclusivo de Bonito e sim de cidades turísticas como um todo.
“Essa questão realmente existe, a questão habitacional é preocupante, porém, ainda não existe uma política municipal e nem nacional neste sentido, de uma forma mais ampla. E por conta da lei da oferta e procura, é realmente isto que acontece. Mas é fato que buscamos investimentos para a comunidade local. Queremos que acompanhem o desenvolvimento da cidade”, argumentou.
Por fim, a secretaria alega que existem condomínios populares na cidade, os quais recebem investimentos e inclusive tiveram pavimentação asfáltica recente. “Existem projetos únicos aqui e muito bons como o kit bebê, auxílio funeral e na área de alimentação, então, é toda uma rede de assistência social para a população bonitense”, finalizou.
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