Crianças de Campo Grande são vistas brincando de ‘batatinha frita 1, 2, 3’ e especialista faz alerta
Série da Netflix traz a brincadeira com referências perigosas e está preocupando todo mundo
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Sucesso entre as crianças no passado, a brincadeira “Batatinha frita 1, 2, 3” voltou à tona depois que a série “Round 6”, da Netflix, explorou famosos jogos infantis como dinâmica para sangrentas matanças. E é aí que está o problema. Em “Round 6”, 456 pessoas desesperadas por dinheiro são convidadas a participar de uma competição de sobrevivência chamada apenas de Squid Game, onde o lema é muito simples: ou ganha, ou morre. Sem saber qualquer coisa sobre o convite, eles comparecem ao local para participar do evento.
Ao final do jogo, o vencedor poderá levar para casa um prêmio milionário e resolver todas as suas dívidas. Porém, o que eles não sabem é que os perdedores não sairão vivos da dinâmica, que usa jogos infantis como “batatinha frita 1,2,3”, “cabo de guerra” e “bolas de gude” para incitar a “guerra”. Mas, diferente do lúdico nas brincadeiras da criançada, a série propõe reviravoltas mortais e sanguinárias enquanto os competidores “brincam”.
Eles colocam suas vidas em risco em busca do prêmio de 45,6 bilhões de Wons (a moeda da Coreia do Sul), valor equivalente a aproximadamente 40 milhões de dólares. Apenas um entre os 456 participantes leva a bolada. Nesse cenário marcado por traições, ambição e muitos perigos, todos os concorrentes fazem de tudo para garantir o prêmio. Assista ao trailer e entenda melhor:
Quando brincadeiras de criança são colocadas como um dos principais elementos numa série que usa os ‘joguinhos’ para exterminar pessoas, em equívoco, os pequenos podem achar que pelo fato das brincadeiras serem infantis, o produto em questão dialoga com a faixa etária deles – o que não é verdade. Mesmo sendo não recomendada para menores de 16 anos, o acesso ilimitado à internet e a ânsia em estar por dentro dos assuntos do momento fazem com que a criançada chegue facilmente até esse conteúdo mais adulto e impróprio para baixas idades.
Em Campo Grande, a repercussão da série já chegou aos pequenos. De décadas passadas, “Batatinha frita, 1, 2, 3” não faz parte das brincadeiras de rua conhecidas pela infância da atualidade. Com “Round 6” destacando o jogo e crianças consumindo, seja no YouTube ou redes sociais em geral, “Batatinha frita 1, 2, 3” já está sendo executada pelas ruas da cidade morena.
“Eu vi duas crianças, de uns cinco ou seis anos brincando de ‘Round 6’. A menina encostada na parede gritando ‘batatinha frita 1, 2, 3’ e o menininho atrás correndo e parando. Fiquei meio incrédulo na hora porque a série é meio pesada nas consequências dessa brincadeira, que essas crianças não devem entender ainda, mas mesmo assim estão consumindo”, relatou o estudante de direito Alex da Costa, de 21 anos, ao Jornal Midiamax.
Estudante de psicologia, Amanda Guedes também viu uma cena parecida em outro bairro de Campo Grande. “Fiquei chocada, porque nem eu, que tenho 23 anos, conhecia ou tinha ouvido falar nessa brincadeira. Se elas estão ali brincando, com 7, 8 anos, é porque viram em ‘Round 6’. As crianças agora estão nas redes sociais, que ajudam a divulgar e disseminar a série. Então, ela não tá só na Netflix, mas também no TikTok, onde os vídeos da série viralizam e elas acham tudo muito legal com aquelas músicas e edições diferentes. Mas não deixa de ser uma série ruim para elas”, opina a universitária.
Batatinha frita, 1, 2, 3
O jogo funciona da seguinte maneira: o chefe do grupo fica virado de costas e diz: “Batatinha frita um, dois, três”. Depois, ele se vira para os jogadores. O grupo tem que avançar para chegar até o chefe antes de ele virar, pois quando ele se vira todos têm que se transformar em estátuas. O chefe dá uma olhada no grupo, volta a ficar de costas e fala novamente a frase. Vence quem conseguir encostar no chefe antes de ele se virar. Em “Round 6”, no momento em que o chefe – a boneca – se vira para os competidores, ela começa a atirar e matar todos que não conseguem ficar imóveis.
É dessa forma que a brincadeira chegou até os pequenos que a estão descobrindo em 2021, e essa violência pode interferir tanto na mentalidade das crianças, quanto provocar reações violentas no meio da brincadeira na rua. Várias escolas do Brasil e do mundo inteiro já estão emitindo alertas e comunicados aos pais, pedindo o controle do acesso dos menores, que foram flagrados nas instituições de ensino agindo de forma agressiva enquanto brincavam do famigerado jogo.
Os episódios trazem cenas com torturas psicológicas, violência explícita, suicídio, sexo e tráfico de órgãos, num enredo ligado a brincadeiras infantis. Além disso, as regras que a trama propõe podem facilmente ser reproduzidas pelas crianças, já que são muito simples. Em uma escola na Bélgica, por exemplo, as crianças que não conseguiam ficar paradas no jogo estavam levando socos como forma de punição.
No Brasil, casos semelhantes aconteceram. No Rio de Janeiro, crianças foram vistas em um parque reproduzindo a dinâmica de “Batatinha frita 1, 2, 3”, e, ao perderem, se fingiam de mortas. Em Campo Grande, casos extremos da reprodução do jogo ainda não foram registrados, mas só o fato de elas estarem executando a brincadeira na rua já pode ser um sinal de alerta.
Alerta
De acordo com a psicóloga Larissa Oliveira, a fase infantil é primordial por ser um momento de desenvolvimento, e, nesse período, as crianças aprendem de acordo com as referências que possuem. Através da observação e da percepção, entendem o que se deve fazer ou não, e por esse meio se cria o conceito de certo e errado.
“O primeiro exemplo que elas têm em vida são daqueles que são responsáveis por elas. Se em casa existe a propagação da violência, elas podem acabar por repetir o ato. Assim, a partir do momento em que as crianças têm acesso a cenas cinematográficas violentas, elas podem passar a considerar a ação como relevante. Dessa forma, passa a existir a desinibição, em que a criança começa a considerar a violência cometida pelos personagens como justificável, podendo repeti-las em seu dia a dia”, explica a psicóloga.
Com a internet cada vez mais acessível aos pequenos, há crianças que possuem aparelhos eletrônicos com livre ingresso para navegar nas milhares de informações, inclusive naquelas em que o teor não é indicado para sua idade. Segundo Larissa, os pais precisam ter consciência e manter um diálogo aberto e sincero com os filhos. “Deve-se ter um acompanhamento e orientação ao uso seguro da internet. A proibição não é o recomendável, já que pode gerar revolta e até mesmo fazer com que eles a utilizem longe dos olhos dos responsáveis. Então, procure traçar limites e deixe claro sobre os possíveis perigos. Estabeleça tempo diário para o acesso”, orienta a psicóloga.
“Não é possível ter o controle de tudo que está ao redor da criança. O que se pode fazer é criar um ambiente acolhedor e uma relação de confiança em que a criança terá a atitude de contar ao responsável o que foi visto ou que ela compreenda que não é adequado para ela. Dessa forma, deve-se dialogar com clareza, explicando o quão danoso pode ser a ela assistir às cenas. Explanar o que é permitido para sua idade é essencial”, enfatiza a profissional.
O que fazer ao ver uma criança brincando de Batatinha frita 1, 2, 3?
A princípio preocupante, a brincadeira pode ser levada de forma saudável, sem as referências da série. No entanto, ao notar um ato violento, é dever dos pais ou responsáveis agir e explicar imediatamente para a criança. “Primeiramente, deve-se observar de que forma aquela brincadeira está sendo executada e depois fazer uma interrupção, com calma e sem atitudes extremas. Oriente-as de forma simples sobre o significado da brincadeira e o porquê dela ser considerada como ‘errada’”, orienta Larissa.
“Muitas vezes, as crianças podem repetir aquilo que é exposto na cena, mas também podem não ter a consciência da proporção negativa que há por trás e por isso é importante esclarecer. E novamente, não pratique a proibição e sim, faça propostas que coincidam com o que é saudável psicologicamente e o que agrada a criança. Crie novas regras para a brincadeira que chame a atenção delas do mesmo modo, excluindo a parte que apresenta a violência”, ressalta.
Tá tudo errado?
Após a repercussão mundial das situações, o criador do sucesso sul-coreano “Round 6”, Hwang Dong-hyuk, pediu que os pais sejam prudentes e protejam seus filhos para que não sejam expostas a esse tipo de conteúdo. “Essa obra não é para elas. Estou perplexo que crianças estejam vendo. Espero que os pais e os professores ao redor do mundo sejam prudentes para que elas não sejam expostas a esse tipo de conteúdo. Mas, se já viram, espero que os adultos as ajudem a entender o significado do que está por trás da tela. Torço para que haja boas conversas”, afirmou Hwang.
Fã de “Round 6”, a estudante de letras Ana Clara acredita que a série sequer foi compreendida pelos brasileiros e está sendo deturpada na interpretação geral. “A premissa da série é uma crítica ao capitalismo, mostrar que todos se colocam em situações extremas e individualistas por dinheiro, mas acredito que essa crítica acabou se perdendo, pelo menos aqui no Brasil”, pontua.
“Nós temos uma certa ansiedade por consumir esse tipo de conteúdo violento sem pensar muito no que é, e a dramaturgia coreana tem esse intuito de deixar implícito o problema real da história. Chegando aqui, acabou se perdendo. A série acabou causando o efeito contrário, ao invés de gerar mais críticas ao capitalismo houve uma certa inversão e virou mais um produto do capitalismo. O próprio criador disse que não tinha intenção de fazer mais uma temporada, mas acabou cedendo por conta do sucesso e parece que tem outra temporada vindo”, alega ao Jornal Midiamax.
Ana ainda exemplifica a transformação do conteúdo no Brasil e a forma como se consome entretenimento por aqui. “Quando tem essas séries muito características, cheias de estilo próprio e ‘uniformes’, sempre acaba virando fantasia de carnaval. A gente tem essa mania de transformar tudo em farra. Somos um país capitalista, é natural que esse tipo de coisa aconteça, mas também acaba despersonalizando a obra”, finaliza.
Violência gratuita é cultural e promove a perda de sensibilidade em crianças e adultos
Para a psicóloga Larissa Silva, a cultura da violência está enraizada nos conteúdos audiovisuais por muito tempo, desde a demonstração de desenhos com heróis que capturam o vilão com agressividade, até os filmes adultos com serial killer, seja trazendo um tom de humor ou de justiça para a ação. “Os efeitos variam de acordo com a pessoa, pois cada ser humano reage condizente ao seu contexto, mas grande parte tem o sentimento de curiosidade, de estar propenso a consumir cenas que provocam adrenalina e que trazem essas sequências de acontecimentos”, diz ela.
“Por isso, não é uma exclusividade do brasileiro e sim do mundo, porque a violência é como um vírus que continua se multiplicando e sendo justificativa para as mais diferenciadas condições. Posso dizer que esses conteúdos influenciam nas atitudes agressivas das pessoas, pois existem aqueles que absorvem e se envolvem de maneira mais intensa ao que veem”, pontua a profissional.
Larissa chama atenção para a importância dos limites e do aviso sobre esses produtos. “Não se trata de um conteúdo inocente, mas sim de um possível gatilho e estímulo para atos impensados. É imprescindível avisos iniciais de conteúdo violento dessas obras, para que o consumidor possa ter a consciência do que está por assistir. E que exista mais limites na ampliação de cenas com conteúdo sensível”, finaliza a psicóloga.
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