Selecionada pelo Rumos Itaú, mostra é realizada em  ao longo de 2017

“Meu quintal é maior que o mundo”, verso de um dos mais célebres poemas de Manoel de Barros, dá ao leitor a dimensão de que na simplicidade pode morar a maior das riquezas. Coincidência ou não, a Mostra Nacional de Solos, que estreia nesta sexta (17), em Dourados, compartilha do mesmo valor, já que é no quintal de casas e de pequenos espaços culturais que 18 solos artísticos estarão em exibição ao longo de 2017.

A concepção da ideia é da artista Júnia Pereira, cujo projeto foi contemplado pela última edição do edital de fomento à cultura Rumos Itaú, um dos principais do país. Com financiamento e apoio logístico fornecido pelo edital, Júnia coloca em prática a partir de hoje a ideia de que a arte pode precisar de pouco para sair do papel. “O objetivo é primeiramente possibilitar uma produção mais barata e possível e ao mesmo tempo que também promover mais proximidade entre atores e espectadores, além de fomentar um trânsito nacional de artistas de uma forma mais barata e alternativa”, explica Júnia.

Inspirado em projetos já consolidados Brasil a fora, Dourados receberá pela Mostra Nacional de Solos espetáculos de circo, e dança, todos com preços acessíveis (que variam de R$ 10 a um livro de poesia), com artistas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Norte e de Dourados. “Acho que essa iniciativa abre um pouco a nossa mente para essa ideia de que as coisas podem ser mais simples, que a gente não precisa ficar preso esperando uma grande estrutura para as coisas acontecerem”, explica a produtora.

Acompanhamento

Além de financiamento, o edital Rumos Itaú também fornece a consultoria técnica de um produtor, que com base na vasta experiência, ajuda a desenvolver melhor detalhes da realização. No projeto idealizado por Júnia, a produtora e atriz Jaqueline Vasconcellos, do núcleo de artes cênicas do edital, fez a diferença e auxiliou no aperfeiçoamento da proposta inicial.

“A questão do cronograma, a princípio tínhamos pensado em realizar o projeto em dois anos. Seriam 8 solos por ano, 16 no total, durante dois anos. E uma das sugestões que eles fizeram foi de condensar o cronograma, que vai ser todo em 2017. É algo que vem a partir de uma experiência deles e a gente também achou melhor devido à própria situação do país, essa instabilidade. Então, acatamos a sugestão. O número de solos também aumentou e agora são 18”, explica Júnia.

Com a Mostra Nacional de Solos, Júnia prova que seu quintal é 'maior que o mundo'A principal mudança, no entanto, foi a ampliação do número de espaços nos quais a mostra será realizada, que agora são quatro, ao todo. “Quando eu fiz o projeto, tinha me mudado para Dourados há pouco tempo. E ainda antes da aprovação no edital, fui me inteirando do cenário cultural e conhecendo as pessoas. E aí vi que existia um movimento… Aquilo que eu queria fazer, que era usar o espaço da minha casa para receber atividades culturais, já existiam pessoas fazendo isso. Então, decidimos agregar”, revela.

Agora, os solos que já têm data definida serão exibidos a partir de hoje até o dia 24 de junho (confira abaixo a programação), distribuídos entre os espaços ‘Casa dos Ventos', ‘Casulo', ‘Ofusque' e na própria casa de Júnia. Todos os novos palcos possuem histórico de realização de eventos em áreas comuns das propriedade, sempre num ‘fundo de quintal' e com clara proposta de acolhimento.

“Essa expansão agregou mais locais e pessoas ao projeto. Afinal, a gente não faz nada sozinho e essa experiência em coletivo permite que a gente troque mais ideias, aprenda mais, compartilhe mais. E também acho que é uma forma de dar força a esses espaços, de movimentar a cidade e de atingir mais pessoas”, conclui Júnia.

 

Confira a programação completa e sinopses dos espetáculos a serem apresentados na ‘Mostra Nacional de Solos', do projeto ‘Solo de Quintal':

 

A mulher que andava em círculos

A mulher que andava em círculos, interpretada pela atriz, dramaturga e diretora teatral Marina Viana, vem de Belo Horizonte (MG). É o primeiro a acontecer, no dia 17 de março. A história é de uma mulher meio esquecida, que andava em círculos e que passa por sessões de lembrança para recuperar pedaços de seu trajeto. O trabalho dirigido por Sara Rojo foi inspirado nas Madres de Plaza de Mayo – associação argentina formada durante a ditadura, e que existe até hoje, em busca de desaparecidos – e tenta resgatar a memória política, estética e social do Brasil e da América Latina. O espetáculo começa às 20h no Quintal Casulo, das estudantes Jaciara Marschner e Winnie. O lugar costuma receber saraus, feiras, oficinas e concertos, coordenados pela professora Graciela Chamorro e pela artista Arami Marschner.

Dia 17 de março
Às 20h
Com a Mostra Nacional de Solos, Júnia prova que seu quintal é 'maior que o mundo'

O Senhor Brecht

No dia 18, entra em cena a propriedade da idealizadora do projeto, conhecida como Quintal Du e Júnia. No mesmo horário do dia anterior, a carioca Glauce Guima narra 50 mini histórias do livro O Senhor Brecht, do escritor português Gonçalo M. Tavares. Os contos variam entre o absurdo e o humor, compondo um ácido documento sobre o homem contemporâneo. A peça leva o mesmo nome da obra e conta com a participação da anfitriã, convidada a contar três das histórias.

Dia 18 de março
Às 20h
Duração: 60 min
Classificação indicativa: 14 anos
Ingressos: 
Uma garrafa de vinho e/ou um livro de poesia
Local: Quintal Du e Júnia
Rua Mustafa Salen Abdo Sater, 1265, Parque Alvorada
Dourados (MS)

Festival de Ideias Brutas Episódio I

Marina Viana volta a encenar no terceiro dia, 19, às 20h. Desta vez, o Festival de Ideias Brutas Episódio I, no Quintal Casa dos Ventos – da produtora cultural Fabiana Fernandes e que funciona desde 2012 como espaço de artes integradas e colaborativas. O solo é uma cena com quatro textos do blog da artista: A modelo é viva, Comitê de Escracho Permanente, Belo Horizonte e Careta. Falam de autoria, amor, plágios e revolta a partir da relação com a sua cidade.  Questionam rituais da tradicional família mineira, bem como a realidade de ser artista no lugar. Um manifesto de amor e ódio a uma cidade e suas lendas, suas referências, mágoas e história.

Dia 19 de março
Às 20h
Duração: 40 min
Classificação indicativa: 18 anos
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal dos Ventos
Rua Olinda Pires de Almeida, 3090, Vila Esperança
Dourados (MS)

Brisa's Beach

Era uma vez, Brisa's Beach, primeiro espetáculo solo e autoral da mineira Janaina Morse. Brisa, que surgiu quando a artista iniciou no Doutores da Alegria e começou a visitar hospitais, se tornando a primeira opção de pesquisa e experimentação artística de Janaina, apresenta um conto de fadas e um universo feminino que foge dos estereótipos e padrões estético-sociais. Seu mundo encantado está ao alcance das mãos, dentro de sua mala. O encontro com o público é vivo e único, pois a plateia é cumplice e co-criadora da história. A atração é no dia 8 de abril, às 20h, também no Quintal Casa dos Ventos.

Dia 8 de abril
Às 20h
Duração: 40 min
Classificação indicativa: livre
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal dos Ventos
Rua Olinda Pires de Almeida, 3090, Vila Esperança
Dourados (MS)

Etéreo

De volta ao Quintal da Du e da Júnia, às 20h do dia 29 de abril, os espectadores experimentam sensações causadas pela perda em Etéreo, do bailarino e performer René Loui, de Natal (RN). A partir das experiências do artista com seus medos e dores, na dramaturgia prevalecem elementos como limites, exaustão e resistência, sendo um deslocamento vivencial em sua relação com o próprio íntimo, para além da mera presença física.

Dia 29 de abril
Às 20h
Duração: 40 min
Classificação indicativa: 18 anos
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal Du e Júnia
Rua Mustafa Salen Abdo Sater, 1265, Parque Alvorada
Dourados (MS)

Se essa rua fosse minha

Denise Lopes, de Sabará (MG), parte do universo da rua e da trajetória de Lady Macbeth, personagem de William Shakespeare, para apresentar Se essa rua fosse minha no Quintal Casulo. A história dá luz a temas como invisibilidade social e relações de poder, contracenando com os fantasmas do dia a dia de uma mulher em situação de rua. Assim, leva o espectador a entrar em um universo imagético, lírico, cômico e trágico.

Dia 6 de maio
Às 20h
Duração: 50 min
Classificação indicativa: 12 anos
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal Casulo
R. Reinaldo Bianchi, 398, Parque Alvorada 
Dourados (MS)

Retratos

O Quintal Ofusque recebe um passeio entre os possíveis passados, presentes e futuros das mulheres criadas virtualmente, no dia 20 de maio. Retratos, da bailarina carioca Carol Cony, toma como ponto de partida a obra da artista Cindy Sherman, que se autofotografa em diversas situações, criando diferentes personagens femininos. A direção é de Cristina Moura. Em cena, diversas trocas de figurino se unem a uma vigorosa partitura coreográfica para evocar a atmosfera em torno das personagens. O espectador é convidado a um passeio imagético e imaginativo, no qual o corpo da intérprete é o guia entre humor, memória, drama, paixão e tragédia.

Dia 20 de maio
Às 20h
Duração: 55 min
Classificação indicativa: 10 anos
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal Ofusque
Rua Pedro Celestino, 870, Jardim América
Dourados (MS)

Domingo

Domingo, de Cida Falabella (BH), é interpretada no seu próprio dia da semana, 28, às 17h. Uma cena-experiência, que se passa na casa de Júnia. O trabalho busca estabelecer um diálogo entre dois universos: os rituais de cura, recriados a partir da pesquisa e vivência de práticas corporais pessoais e biográficas – realizados no lado de fora, na recepção do público – e a conversa do lado de dentro, permeada por temas femininos e textos literários, registrados no blog A louca sou eu, da própria artista. Emerge, também, a luta de uma mulher pela vida e sua tentativa de (des) enlouquecer. Sua existência diária e poética é dividida. Cida tenta encontrar um lugar entre a cena e o cotidiano, a ritualização e a vivência compartilhada no espaço doméstico.

Dia 28 de maio
Às 17h
Duração: 60 min
Classificação indicativa: 16 anos
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal Du e Júnia
Rua Mustafa Salen Abdo Sater, 1265, Parque Alvorada
Dourados (MS)

Bestiário

Um estranho ator tem dificuldades para se comunicar com seu público. Seria mais uma noite divertida, não tivesse acontecido uma tragédia antes do espetáculo. Em Bestiário, de Vinícius Souza (BH), é o espectador quem vai decifrando as pistas e montando as cenas de uma história que discute a linguagem e a relação dos humanos com distintas formas de vida, como a de outros animais e seres. Está marcada para o dia 10 de junho, às 17h, no Quintal Casulo.

Dia 10 de junho
Às 17h
Duração: 50 min
Classificação indicativa: 14 anos
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal Casulo
R. Reinaldo Bianchi, 398, Parque Alvorada 
Dourados (MS)

Com a palavra, o poeta!

Emmanuel Marinho, artista local, nascido em Dourados (MS), membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, pós-graduado em Artes Cênicas e autor de diversos livros, é responsável por Com a palavra, o poeta!, espetáculo interativo, que dialoga, dá voz à plateia, trafega em uma linguagem artística singular entre o teatro, a música e a literatura. Marinho age como um encantador de histórias: ao cantar sua terra, canta as cidades que habitam nas pessoas, personagens, cores, desenhando a identidade cultural de um povo e de um lugar. Com diferentes arquiteturas, brinca com as palavras e com o som. Valorizando suas raízes culturais, alcança uma dimensão universal com a sua arte – com momentos de lirismo e com humor sutil de brincar com as palavras. É no dia 24 de junho, às 20h, no Quintal dos Ventos.

Dia 24 de junho
Às 20h
Duração: 50 min
Classificação indicativa: 14 anos
Ingressos: 
Inteira: R$20 
Meia: R$10
Local: Quintal dos Ventos
Rua Olinda Pires de Almeida, 3090, Vila Esperança
Dourados (MS)

Próximos espetáculos

Ainda em 2017, outros 6 solos serão apresentados dentro do projeto, com data ainda a definir. São eles: Deuses, de Ederson Miranda (SP), IludidaMente, de Mago Tom (MS); No fundo mais fundo que um fundo de um rio, de Odilon Esteves (MG); Lady Day, de Melissa Arievo (RJ); Laura, comandada por Fabrício Moser (RJ); Gavião de duas cabeças, de Andreia Duarte (SP); Onde Mora Sebastião, de Lucas Pradino (SP); e Trans-Amazônica, de Tiago Gamboji (MG).

Ficha Técnica:
Idealização e Coordenação Geral: Júnia Pereira
Curadoria: Arami Marschner, Gil Esper, Júnia Pereira e Rodrigo Bento
Produção: Júnia Pereira e Thays Nogueira
Ilustração: Humberto Augusto
Arte Gráfica: Bruno Augusto
Projeto de Iluminação: Gil Esper
Coordenação Técnica: Rodrigo Bento
Fotografia: Raique Moura
Audiovisual: Bruno Augusto