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Ruspô apresenta etnografia musical de deixar a garganta seca sobre Dourados

‘Empire State of Mind’, de Jay Z e Alicia Keys, é uma espécie de descrição do deslumbre sobre a Big Apple, como Nova Iorque também é conhecida. Quando a música estourou, virou uma febre, sucesso nas rádios, tema de filme, um empoderamento da Nova Iorque pós 11 de Setembro. Um hino, talvez. Mas, que acabou … Continued
Guilherme Cavalcante -

‘Empire State of Mind’, de Jay Z e Alicia Keys, é uma espécie de descrição do deslumbre sobre a Big Apple, como Nova Iorque também é conhecida. Quando a música estourou, virou uma febre, sucesso nas rádios, tema de filme, um empoderamento da Nova Iorque pós 11 de Setembro. Um hino, talvez. Mas, que acabou gerando uma série de ‘spin offs’ no sentido oposto, sarcástico e bem menos onírico.

É nessa proposta de ressignificação que surge ‘ State of Mind’, o novo single recém lançado pelo projeto musical Ruspô, criado pelo músico e jornalista Ruy Sposati. ‘Dourados’, talvez seja mais certo dizer, dá uma roupagem estética mais orgânica, sincera e irônica à cadência da música, como a reação de uma série de olhares que resultaram numa espécie de colcha de retalhos, bem ao estilo Macunaíma, sobre a cidade.

É meio difícil de explicar, a não ser que o dê o play no videoclipe, disponibilizado logo abaixo, mas ‘Dourados’ faz o que arrisco chamar de etnografia musical do que a cidade representa dentro do Estado – basicamente sobre o modelo de organização social e econômica que foi estabelecido lá, onde a realidade fundiária é mais cristalizada e claramente excludente, quase sempre genocida.

É o que se percebe ao ouvir os versos da canção. “A música vem meio disso, desses recortes todos – dos quais se tira sarro na própria música, na hora do ‘refrão-discurso Alicia Keys’ sobre nova Iorque, aquele deslumbre com as luzes”, descreve Ruy.

“As músicas do Ruspô têm muito a ver com minhas obsessões musicais, incluindo aí tipo alguma faixa que eu ouço dez milhões de vezes… Foi o que aconteceu quando vi ‘Compton State Of Mind‘. Fiquei pirado, e eu ruminei e devolvi ela na forma de ‘Dourados State Of Mind’.

Sposati dá o nome à provocação, escancarada em algumas palavras de versos, aqui, soltos, como ‘um palco de sangue’, ‘sonho desenvolvimentista’, ‘índio não entra no shopping, que branco não gosta’, ‘um filme de bang bang’ e ‘preparados para o combate com nossas milícias‘.

“A musica acabou virando um retalhão de coisas que se ouve por aí… A ‘faixa de Gaza’, foi algo que os caras do MPF (Ministério Público Federal) e o Eduardo Viveiros de Castro [antropólogo indigenista brasileiro] falaram sobre a região”, descreve.

Lançamento

O single faz parte de um álbum, o segundo do projeto, que será lançado em novembro, pelo selo Um Distante Maestro Discos. Vai no mesmo sentido de ‘Esses Patifes’, que estreou em março de 2013 com uma crítica às obras federais na região do Xingu, onde está a usina de Belo Monte – inclusive, reúne canções que não entraram no primeiro disco. ‘Dourados’, no caso, dá a dica que a coisa terá o tempero sul-mato-grossense, mas sem a pieguice nostálgica das músicas pantaneiras.

A canção ‘carro chefe’, que tem mixagem e masterização de Alexis Gotsis, com voz adicional de Marina Ribeiro (ambos de Os Amantes Invisíveis), foi composta antes de Ruy radicar-se em Dourados, onde atua como assessor de imprensa do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), um braço da igreja católica em defesa de comunidades indígenas, que recentemente esteve envolvida em investigação na Legislativa.

“Quando eu morava em , tinha um certo deslumbre por Dourados, nos dois sentidos: eu queria morar lá, achava foda, perto dos índios, e também achava que era meio que uma ‘síntese’ das relações nessa questão fundiária dos Kaiowa e Guarani”, explica Ruy.

Talvez por isso a música reflita, de certa forma, o distanciamento de quem não mora lá, de quem percebe um rebuscamento artificial e totalmente construído quando alguém de Dourados descreve a cidade.  “Tem uma certa artificialidade naquele discurso ali. De algum modo, não é real, naqueles termos. A ‘performance ruralista’ tem outra tinta”. Ao morar na cidade, Ruy constatou que o discurso não representa a realidade. Ou talvez represente – para quem não está na camada dos socialmente excluídos. “O verso ‘Seguranças bem treinados, tiro de ação reflexo’ é o slogan da Gaspem, empresa de segurança privada envolvida em vários ataques contra os indígenas… Essa frase é tão bizarra, eu ouvi de uma gravação em video que os próprios pistoleiros fizeram”, conclui.

Desenho provocador

A capa do single também diz muito sobre a provocação de ‘Dourados’. Assinada pelo fotógrafo Lunaé Parracho, retrata, na versão original, um homem segurando uma cabeça de boi. “A carne, por curiosidade, foi servida em uma ocupação de terra… Era uma doação de algum colono em alguma luta, me esqueci qual”, acrescenta o músico. Porém, o espírito da coisa se torna distinto com o corte proposto na capa do single. “Aquela é a cabeça de tudo que a gente come, é a cabeça daquilo que fode a vida de muita gente… É uma cabeça que a gente recusa, mas é a cabeça de algo muito presente culturalmente no brasil. E, no entanto, a gente teme o boi decepado”.

Segundo Ruy, 1/3 das pessoas a quem ele revelou a imagem se horrorizou. “Perguntaram se eu não temia ‘problemas com os veganos’, que era uma morte na capa… Claro que não quero confusão com veganos, esta capa não é endereçada a eles, de maneira alguma. É um boi que foi servido numa ocupação, não foi morto somente para a foto”.

Ruspô apresenta etnografia musical de deixar a garganta seca sobre Dourados

Já o vídeoclipe, um ‘plus’ do lançamento do single, também traz reações interessantes. As imagens fazem parte de um acervo em 8mm de uma família de turistas em a regiões indígenas nos anos 70.  E muito embora não reflita Dourados (a cidade), mas, sim o México, é meio como se fosse a mesma coisa. “Minha mãe assistiu e disse: você viu? Só os índios aparecem trabalhando”. A mãe de Alexis Gotsis descreveu a filmagem como “luta de classes”. Outra amiga do músico, de cerca de 20 anos, apontou que Ruy usou muitos filtros de Instagram.

“Mas é um vídeo original. Digo, ele é assim mesmo, é de Super 8 (câmeras antigas portáteis dos anos 70 e 80). Achei curiosa essa contradição, ainda que tivesse me feito pensar o quanto não faria sentido nenhum pra algumas pessoas, ia parecer uma besteira de viagem, um vídeo com filtro onde não acontece nada. Mais uma vez, é a emulação dessas fofuras, só que é um vídeo mega trash, pelo menos pros meus olhos, porque é foda você ver aquelas crianças ralando madeira, tocando o burrico pros turistas… Sei lá, acho foda. Quando juntei as duas coisas eu fiquei arrepiadão”, conclui.

* Editada às 10h50 para acréscimo de informações

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