Para as vítimas do machismo, dia 8 de março é para resistir e não ‘ganhar flores’
Reportagem faz uma reflexão sobre a data a partir de depoimentos de mulheres
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Reportagem faz uma reflexão sobre a data a partir de depoimentos de mulheres
A secretária Aline*, 28, chegou ao escritório em que trabalhava, em Campo Grande, pontualmente, no dia 8 de março de 2015. Sentou-se na cadeira e, antes de ligar o computador, foi abordada por um colega de trabalho, que lhe estendeu uma rosa e bradou: “Feliz Dia da Mulher”. Acontece que, durante os demais dias de trabalho no decorrer daquele ano e do ano anterior, o mesmo colega lhe assediou sexualmente e, ao se deparar com a negativa, espalhou fofocas. “Ele reclamou com os superiores da altura que eu falava, do meu trabalho, e me difamou para todos. Acabei pedindo demissão e me encontro desempregada no momento”, explicou.
Esta é primeira matéria de uma série especial realizada pelo Jornal Midiamax, alusiva ao Dia Internacional da Mulher, comemorado amanhã. Produzidas, em sua maioria, por mulheres da redação do jornal, este projeto especial da editoria MidiaMAIS quer dar visibilidade a histórias como a de Aline* e várias outras mulheres, que cotidianamente sofrem violências em várias esferas sociais e econômicas.
A situação de Aline*, a propósito, é real mas quase que, metaforicamente, representa a situação das mulheres ligadas ao dia 8 de março. Durante todo o ano, somos massacradas, violentadas, e extremamente maltratadas socialmente. Mas no dia 8, campanhas de publicidade explodem em tons de rosa, empresas gastam centenas de reais com flores e mimos para as funcionárias, e chavões como “Mulher, o presente do homem” são repetidos à exaustão. “Acho que o Dia Internacional da Mulher é retratado de maneira muito leviana pela sociedade”, acredita a artista e militante do movimento feminista Nathália Maluf, em Campo Grande.
Para ela, a data carece de ser entendida como um dia de luta para as mulheres. “Um dia que deve ser de conscientização, de luta e respeito, entra em oposição com o caráter mercantil que tomou. Sei que muitas pessoas não sabem da origem da data, mas ao invés de existir um espaço para que possamos ser protagonistas do oito de março, a mídia publicitária acaba colocando a mulher ainda mais em posição subalterna, deslegitimando discursos feministas por exemplo, reforçando esteriótipos de sexo frágil, com suas ‘singelas’ flores ou com propagandas que evidenciam o tempo todo o ‘lugar’ da mulher na sociedade”, opina.
O Dia Internacional da Mulher não é comemorado amanhã por acaso, conforme explica a historiadora Amanda Fernanda Acosta. “A data remonta do ano de 1857, quando operárias de uma fábrica em Nova York fizeram uma grande greve por condições melhores de trabalho. A carga horária era de 16 horas de trabalho. Elas foram trancadas e a fábrica foi incendiada. Mais de 100 mulheres morreram, e a data foi oficializada nos anos de 1970 pela ONU (Organização das Nações Unidas)”, explica. Ou seja, após o episódio, foram mais de 100 anos para reconhecer a necessidade de um dia para falar sobre a luta das mulheres por uma sociedade igualitária.
Violência
Chega a ser irônico presentear uma mulher com uma flor em um dia único do ano, quando segundo dados dos atendimentos realizados de janeiro a outubro de 2015 pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, 38,72% das mulheres em situação de violência doméstica sofrem agressões diariamente. Os dados foram divulgados no ano passado, e em quase 70% dos relatos, as violências foram cometidas por homens conhecidos. como companheiros, cônjuges, namorados, ex-maridos e outros. Em 2015, o 180 registrou mais de 63 mil denúncias de violência.
A situação salarial das mulheres permanece estática, segundo pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Em 2015, as mulheres ainda ganham 30% menos que seus colegas homens de trabalho, no mesmo posto/cargo e com a mesma formação intelectual. “É irônico pensar, que esse dia existe, porque há mais de um século, mulheres reivindicavam melhores condições de trabalho e até hoje, estamos sujeitas, além de desigualdade salarial, assédio no ambiente profissional e a uma dupla jornada de trabalho também”, questiona Nathália.
‘Não é elogio’
Além da desigualdade salarial e violência por parte dos parceiros, outra questão que afeta a mulher na base diária de sua vida é o assédio. As mulheres estão sujeitas a ele em todos os ambientes que vivenciam: se sai na rua, pode ser agredida como a estudante campo-grandense, que, atacada em um terminal de ônibus, fez um desabafo nas Redes Sociais. A mulher está sujeita a ser assediada dentro do ambiente de trabalho, como a secretária Aline*. Esse assédio pode ser verbal ou físico, mas em todos os casos, machuca e humilha.
Pensando nisso, as estudantes de jornalismo Fernanda Palheta, Juliana Barros e Juliana Garcez estão em fase de finalização do livro “Não é Elogio – Assédio de Rua em Campo Grande”, realizado sob a forma de um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Para conhecer a realidade do assédio na Capital, elas realizaram ampla pesquisa. “Trazer esse assunto para nossa região é de extrema importância, Mato Grosso do Sul ainda é um dos estados com altos índices de violência contra a mulher”, afirma Juliana Barros. “Precisamos reivindicar nossos direitos, indagar o porquê os homens se acham no direito de nos importunar e ainda achar que gostamos. Ouvimos várias histórias, algumas bem impactantes mesmo que nos faz pensar porque isso ainda acontece? O assédio de rua é uma violência, intimida e causa constrangimento as mulheres e isso tem que parar. Não é elogio!”, brada.
No decorrer da pesquisa, as estudantes perceberam que haviam poucas informações a respeito do assunto. “Com algumas fontes ouviu o termo abuso, com outras assédio. Cada fonte usava de alguma forma os termos violência, violação. Dentro do nosso trabalho a gente propõe usar o termo assédio de rua, pois vem do abuso de poder dentro das relações de trabalho que causam constrangimento”, explica Fernanda. Ela ainda enfatiza que nenhuma mulher entrevistada pelo livro se disse contente ao levar cantadas na rua.
Para as meninas do livro, o dia 8 de março deveria trazer à tona pautas como essas, e não obrigar as mulheres a ganharem flores em silêncio. “O Dia Internacional da Mulher deveria ser o dia de debater as lutas que combatemos todos os dias, a longa caminhada que ainda temos que fazer para atingir a real igualdade. Não um dia para nos parabenizar e entregar flores ou bombons. Por que os parabéns? Ainda somos mortas por sermos mulheres, recebemos salários inferiores mesmo estando no mesmo cargo, não podemos andar sozinhas a noite, pois corremos muitos riscos. Nossos corpos ainda são vendidos nas propagandas, somos julgadas pela roupa que decidimos usar. Então, por que os parabéns?”, questiona Juliana.
* A fonte não quis se identificar ao ceder depoimento para a reportagem.
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