Separadas de familiares, vítimas da hanseníase lutam por indenização de saudade
Encontro reuniu mais de 100 vítimas da hanseníase de MS
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Encontro reuniu mais de 100 vítimas da hanseníase de MS
O serralheiro Aldenir Matos Araújo de 45 anos pode ser considerado um dos ‘filhos da hanseníase’. Aos 7 anos ele e os outros sete irmãos tiveram de viver longe do pai –seu Getúlio Marques Araújo, porque ele tinha pegado a doença. Durante o 1º Encontro com os filhos separados pelo isolamento compulsório de pessoas vítimas da hanseníase, ocorrido na tarde desta segunda-feira (29) na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, ele disse ao MidiaMAIS, entre umas lágrimas e outras, uma palavra que resume o que ele e os irmãos passaram na época de serem separados do pai, a perda.
“Eu só tenho esse sentimento, de ter perdido o lado afetivo com o meu pai, que sempre foi o meu herói”, conta. Logo que detectada a hanseníase, o pai de Aldenir foi encaminhado para o Hospital São Julião e toda a família ficou à mercê dos parentes em Caarapó (MS). “Minha mãe quando viu que ia sobrar para ela, abandonou a gente e logo ficamos perambulando na casa de parentes até que meu pai conseguiu a nossa transferência para o Educandário Getúlio Vargas”, emociona-se.
Na época, em meados de 1960, o Educandário tinha a finalidade de dar abrigo aos filhos sadios de pais portadores do mal de Hansen – a hanseníase; era uma espécie de internato onde as crianças só saíam quando alcançavam a maioridade.
Aldenir conta ainda que dentro do internato, ele e os irmãos viviam juntos e com aquele sentimento de união sempre prevalecendo os laços. “A gente não entendia o que estava acontecendo, sentíamos muita falta da nossa família, nossos pais e éramos ‘igual’ unha e carne, sempre juntos e unidos; sofríamos muito com a falta de carinho, o lado afetivo pegou demais”, conta o ‘filho da hanseníase’ que ficou 14 anos no internato.
Do outro lado, um pai de família, o paraguaio Sistolídio Fernandes Martins, com 64 anos, se emocionou muito ao lembrar da época em que teve de deixar toda a família para tratar a doença. “Senti uma febre, desmaiei e sentia muitas dores na perna e uma paralisia nas mãos, me encaminharam na hora para o hospital, onde fiquei por quatro anos… chorei muito por ter de ficar longe da infância dos meus filhos, essa era a minha maior dor”, conta todo emotivo.
Na época, em 1983, Seu Sistolídio tinha três filhos, Miguel de 6 anos, Eduardo de 5 e João de 4. Ele trabalhava na roça e a esposa só cuidava da casa e logo que ficou sem o seu companheiro, teve de trabalhar na roça para sustentar os filhos. “Eu ficava pensando no dia em que a cura ia chegar e tinha a esperança de sair logo daquele isolamento para poder ficar junto da minha família”, explica.
A doença
A hanseníase foi por muito tempo considerada uma doença semelhante à tuberculose, no caso, sem opção de cura. Ela atinge a pele e os nervos dos braços, mãos, pernas, pés, rosto, orelhas, olhos e nariz, podendo causar deformidades físicas, possíveis de serem evitadas com o diagnóstico realizado no início da doença e o tratamento imediato.
No Brasil, são mais de 40 mil pessoas que tiveram a doença nas décadas de 60 a 80. Segundo dados do Morhan (Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase), na época não havia uma medida de prevenção; apenas havia uma denúncia e logo a Polícia Sanitária ia até a casa da pessoa que tinha a doença e a levava para ser isolada em colônias. Em Mato Grosso do Sul – Mato Grosso ainda antes da divisão, só havia uma colônia, onde eram concentrados todos os portadores da doença.
Convidada – não por acaso, para fazer a abertura do encontro, a musicista e compositora Lenilde Ramos citou seu primeiro livro – “História sem Nome – Lembranças de uma menina quase gêmea” que tem base autobiográfica, que reúne toda a sua vivência dentro do Educandário Getúlio Vargas; a marcante experiência de ter trabalhado e convivido com uma geração de pessoas afetadas pela hanseníase, em uma época em que a medicina oferecia poucos recursos, os doentes viviam sob o peso de um preconceito milenar, confinados em colônias consideradas verdadeiros campos de concentração.
“Estar aqui para contribuir com uma causa dos filhos é, sem dúvida, emocionante, porque faz parte da minha vida também; eu perdi minha mãe aos 7 anos e logo fui morar no internato das irmãs, em Campo Grande e comecei a ser voluntária no Hospital São Julião, e transcrevi essa realidade no livro, de tudo que passei e senti o sofrimento das famílias, era muito intenso isso, porque eu também sentia saudades de ter a minha mãe e via tudo aquilo e tinha de ser forte… eles não sabiam a cura e excluíam as pessoas da sociedade, isso foi um erro… vi muitos pais terem seus filhos e nem ao menos poderem olhar para eles, porque o governo mandava retirar imediatamente, logo que nascia, do hospital e separá-los, era muito sofrimento”, conta Lenilde, antes de cantar uma música que compôs para o momento.
Encontro
O encontro na Assembleia Legislativa dos filhos da hanseníase foi liderado pelo deputado estadual Amarildo Cruz (PT) que é vice-presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. O assunto pautado era justamente a indenização das famílias – filhos e pais, que até hoje, não foram beneficiadas pelo ocorrido.
Segundo o deputado, cada pessoa deveria receber a quantia de R$ 50 mil, o que resultaria no total de R$ 2 bilhões ao governo federal. “Separar estas pessoas foi um ato que gerou consequências fortíssimas na vida delas , consequentemente isso é de responsabilidade do Estado, é ele quem tem que garantir essa segurança, não só financeira mas emocional que essas pessoas passaram”, avalia o deputado.
Fora a indenização dos R$ 50 mil, a Morhan espera que o governo invista num tratamento psicológico e também, um pedido oficial de desculpas.
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