Guarani-Kaiowá de MS denuncia na Câmara a morte de mais de 300 indígenas

Valdelice citou o nome de várias vítimas

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Valdelice citou o nome de várias vítimas

A líder indígena Guarani-Kaiowá Valdelice Veron denunciou nesta quarta-feira, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a morte de mais de 300 indígenas em conflitos fundiários no Mato Grosso do Sul.

Em discurso emocionado, Valdelice citou o nome de várias vítimas e lamentou o fato de, até agora, apenas um julgamento ter sido realizado: o do assassinato do seu pai, cacique Marcos Veron, sem a condenação dos mandantes, que continuam a ameaçar sua família. “Estamos vivendo um genocídio e terrorismo e trago um clamor do meu povo”, afirmou.

O estado tem registrado graves confrontos com mortes, devido a indefinições sobre a titularidade de terras. Uma delas, por exemplo, é a área indígena Nhanderu Mangaratu, que teve o processo de homologação iniciado pelo Executivo, em 2005, e posteriormente suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) a favor dos fazendeiros.

O clima é permanentemente tenso na região. Indigenistas e o Ministério Público confirmam, inclusive, a ação de milícias na proteção de fazendas. Para a Valdelice Veron, os indígenas são vítimas de novo “genocídio” no estado. “São mais de 300 lideranças indígenas executadas no Mato Grosso do Sul. Eu mesma estou marcada. Nós fomos expulsos a partir de 1920, em decorrência da exploração de erva mate. O governo brasileiro nos jogou em oito reservas e nós, Guarani-Kaiowá, nunca aceitamos esse modo de confinamento e hoje convivemos com assassinatos comandados por latifundiários em nome dessa história de produção (agropecuária)”.

Soluções negociadas

Situação semelhante ocorre em áreas dos índios Terena. O Ministério da Justiça vem buscando, ainda sem sucesso, soluções negociadas com indígenas, fazendeiros e governo estadual.

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro da Costa, avalia que é incoerente o fato de o Mato Grosso do Sul ter uma “economia pujante”, baseada na produção de grãos, e, ao mesmo tempo, ainda abrigar cerca de 50 mil índios e povos tradicionais sem terra.

Costa anunciou a retomada dos grupos de trabalho que elaboram os estudos técnicos de demarcações de terras indígenas. Segundo ele, os GTs chegaram a ser paralisados inclusive por intimidações de “jagunços”. “Estamos cuidando da retomada de seis GTs e voltaremos para o Mato Grosso do Sul para concluirmos os trabalhos pendentes acerca das terras prioritárias”.

O presidente da Funai informou ainda que a cidade de Dourados (MS) sedia, neste momento, a etapa regional da conferência nacional de políticas indigenistas, da qual espera-se o encaminhamento de soluções. A etapa final da conferência está prevista para dezembro, quando cerca de 2 mil indígenas são esperados, em Brasília.

Deputados ligados à causa indígena elogiaram a vigília que índios, quilombolas e ribeirinhos fizeram na Câmara, no início da semana, para denunciar violações de direitos dos povos tradicionais, inclusive as que, segundo eles, estão previstas na proposta (PEC 215/00) que submete as demarcações de terras indígenas ao Congresso.

Eles avaliaram que a mobilização da bancada ruralista em defesa dessa proposta e a interferência do Judiciário têm impedido novas demarcações.

Vários parlamentares – Érika Kokay (PT-DF), Luiz Couto (PT-PB), Orlando Silva (PCdoB-SP), entre outros – cobraram do governo federal a imediata retomada do processo de delimitação de terras indígenas, como afirma o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Paulo Pimenta (PT-RS). “É uma oportunidade de atualizarmos os encaminhamentos mais recentes. Esta comissão já esteve cinco vezes no Mato Grosso do Sul, neste ano, acompanhando de perto todas as situações de conflito que tem ocorrido naquele estado”.

Defesa dos fazendeiros

Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) saiu em defesa dos fazendeiros. “Aquelas terras estão com os fazendeiros, compradas do estado por meios legais, há 30, há 50 anos. Os senhores (índios) realmente acham que vão entrar naquelas terras na marra? Então, já que é na marra, olho por olho e dente por dente, então, os senhores não podem reclamar do conflito. Nós já temos uma área maior do que a região Sudeste inteira demarcada como terra indígena. O que mais os senhores querem?”

A assessora jurídica da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Alda de Carvalho, pediu mais negociação a fim de que também seja reconhecido o direito de propriedade dos fazendeiros, assegurado na Constituição.

Desmatamento zero

A causa indígena também recebeu a solidariedade de um grupo de atores e cineastas que veio ao Congresso apresentar um projeto de lei de iniciativa popular, com mais de 1,5 milhão de assinaturas, em prol do desmatamento zero.

“As causas ambientalista e indigenista estão unidas”, afirmou o ator Caio Blatt. Os artistas elogiaram ainda a vigília que indígenas e deputados fizeram na Câmara, na madrugada de segunda para terça-feira, para denunciar violências e violações de direitos dos índios. A audiência foi solicitada pela deputada Rosângela Gomes (PRB-RJ).

 

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