Violência doméstica é causa de 44% das denúncias encaminhadas ao Ministério Público

No ano de 2013, das 6.264 acusações formais representadas pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul, 44% são de violência doméstica. O levantamento foi feito pela 48ª Promotoria de Justiça, especializada no atendimento à violência doméstica e familiar contra a mulher. Segundo a promotora responsável pela vara de violência doméstica e familiar contra […]

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No ano de 2013, das 6.264 acusações formais representadas pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul, 44% são de violência doméstica. O levantamento foi feito pela 48ª Promotoria de Justiça, especializada no atendimento à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Segundo a promotora responsável pela vara de violência doméstica e familiar contra a mulher em Campo Grande, Ana Lara Camargo de Castro, se comparado ao ano de 2011, o número subiu quase 10%. A promotora explica que o fato ocorre devido à maior divulgação da Lei Maria da Penha e pelo incentivo para que a mulher faça denúncias contra a violência, por meio de campanhas e serviços especializados.

Outro fator importante ressaltado por Ana Lara é de que a partir do momento em que a mulher recebeu certo “poder”, oriundo da forma como a lei priorizou a defesa dos seus direitos humanos, inclusive, no sentido do incremento do aparato estatal para que seja amparada após sofrer a violência, os casos aumentaram. Porém, isso ocorre por causa da intensificação do conflito diante da resistência de se adaptar a novos paradigmas, já que o grupo oposto, no caso os homens responsáveis pelas agressões, não aceita que a mulher assuma essa nova libertária e reage de forma violenta.

A promotora afirma que isso não deve intimidar as mulheres, pelo contrário, é um processo natural de readaptação social, a exemplo do que também ocorre com a resistência verificada à ocupação de espaços de poder por diversos grupos étnicos ou pela comunidade LGBT. É importante que as denúncias continuem, para que o Ministério Público possa seguir amparando e ajudando as vítimas e exercendo sua função de transformação social.

Violência e futebol

Recentemente, uma pesquisa feita na Universidade de Lancaster acompanhou as últimas três copas do mundo e constatou que há um aumento de 38% da violência doméstica em Lancashire, na Inglaterra, quando a seleção nacional perde, bem como um aumento de 26% quando o time vence.

A promotora Ana Lara diz que, no Brasil, desconhece pesquisa específica sobre o assunto, mas afirma que há muitos casos envolvendo o esporte com violência doméstica. “Lembro-me inclusive de um caso em que o marido pendurou uma bandeira do Corinthians no portão em dia de jogo e, algum tempo depois, ela sumiu. O homem bateu na mulher e a responsabilizou pela perda da bandeira”, contou Ana Lara.

Para a promotora, o ambiente futebolístico é onde o estereótipo machista e viril do homem se potencializa. “É possível entender, dentro do contexto sociocultural que valoriza os papéis sociais de gênero atribuídos à figura do macho que, quando o time perde, isso seja uma frustração para o homem e acaba sendo comum que ele desconte as perdas e qualquer sentimento de inferioridade dentro de casa”, disse

Responsabilidade

A questão do pensamento da sociedade de responsabilizar a mulher é preocupante. “Há o mito popular de que a mulher é sempre a primeira culpada. Buscam nela a responsabilidade, seja pela roupa, ou por algo que ela fez ou deixou de fazer”, disse a promotora Ana Lara. Ela ainda afirma que os homens precisam entender que a responsabilidade pelo cuidado com o ambiente familiar é coletiva, e não apenas da mulher.

A promotora lembra que, muitas vezes, a mulher que é agredida e resolve voltar a conviver com seu marido é julgada pela sociedade, mas afirma que isso não é o que importa e, sim, que o homem seja responsabilizado, independente da decisão da vítima de perdoá-lo, pois, às vezes, simplesmente ainda não está pronta para a ruptura do ciclo da violência. Importa muito é a mensagem que o Estado deve passar à sociedade, de reprovar a conduta, de não aceitar essa violação de direitos humanos. O retorno à convivência com o agressor ocorre algumas vezes por medo, outras por necessidade financeira, mas, principalmente, por dependência emocional relacionada à construção social da imagem das relações erótico-afetivas ainda romantizadas e idealizadas.

Segundo Ana Lara, há casos em que, após a denúncia, a mulher se arrepende e tenta parar o processo. Em casos de agressões físicas, como lesão corporal ou vias de fato, a promotora explica que o Ministério Público não pode parar o processo e que ele corre normalmente até o final, porém, em casos de ameaça ou agressão verbal, a mulher pode pedir que o processo pare antes do recebimento da acusação formal do MP.

“Causas” da violência

Apesar das frustrações com a vida em geral serem grandes responsáveis pelas agressões sofridas e do álcool ser um potencializador que aumenta o risco da violência acontecer, para a promotora o grande culpado é o machismo. “O álcool não causa violência, ele exacerba a causa, que é o machismo, o exercício desequilibrado das relações de poder entre homens e mulheres”, finaliza Ana Lara.

Disque 180

As mulheres, vítimas de agressão física por seu companheiro, podem denunciar através do número 180, caso não queiram ir até a delegacia ou ao Ministério Público. A titular da 48ª Promotoria de Justiça reforça a importância da mulher se identificar, pois muitas vezes os dados informados são incompletos e o MP acaba sendo impossibilitado de ajudar a vítima.

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