Os meninos queriam namorá-las, as meninas queriam ser iguais a elas. Em 1984, Xuxa contratou sua primeira assistente de palco e, em pouco tempo, fez das Paquitas um dos maiores sucessos pop dos anos 80 e 90. Marie Claire reuniu, em um encontro histórico, as musas de uma geração para saber o que a experiência significou para elas e como vivem hoje

Elas não podiam sair de casa sem disfarce. Shopping, praia, matinê na discoteca, parque de diversões ou qualquer outro programa típico de uma adolescente carioca nos anos 80 e 90 eram impensáveis para as Paquitas do Xou da Xuxa. Nos hotéis onde se hospedavam em turnês com a Rainha dos Baixinhos, fosse no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai ou México, o café da manhã era sempre no quarto para evitar tumulto nos saguões, elevadores, restaurantes.

Certa vez, “descoberta” em Cabo Frio, Roberta Cipriani, a Xiquitita, com apenas 12 anos, teve de passar uma hora no mar na esperança de que os fãs, aglomerados na areia, desistissem dela – sem sucesso. No auge do fenômeno Paquitas, nenhuma delas voltava para casa sem a companhia de um segurança.

Os meninos queriam namorá-las e as meninas queriam ser iguais a elas – até Gisele Bündchen, que no mês passado publicou em seu Instagram uma foto com a fantasia delas de soldado, escreveu: “#paquitas #bonstempos”. Xuxa encheu-se de orgulho: “Gi, não se esqueça: uma vez Paquita, sempre Paquita”, escreveu na rede social.

A frase está até hoje na cabeça das mulheres que um dia foram Paquitas. Muitas ainda são reconhecidas na rua. Mesmo as que viraram atrizes famosas, como Letícia Spiller e Bianca Rinaldi, são lembradas pela participação no programa infantil. Há quem carregue o apelido de Paquita há quase 30 anos, como Ana Paula Guimarães, atual diretora da TV Globo, mais conhecida como “Catu”, diminutivo de Catuxa. Outras transformaram a alcunha de “ex-Paquita” em profissão, como Priscilla Couto, a Catuxita, e Cátia Paganote, a Miúxa, que há dez anos vivem de se apresentar em festas temáticas dos anos 1980.

Andréia Faria, a inesquecível Xiquita Sorvetão, tem um bufê de festas infantis, no Rio, onde se apresenta paramentada. Ela empresta seu chapéu de soldado, do figurino original, para as mães, que costumam ir às lágrimas nesse momento (e os pequenos aniversariantes, claro, não entendem nada).

O primeiro disco do grupo, lançado em 1989, vendeu quase 1 milhão de cópias em menos de um ano. “O sucesso não foi calculado. No início, era amador. Nós mesmas enchíamos as bexigas para os programas”, diz Andréia Faria, a Sorvetão. “A dona Alda, mãe da Xuxa, costurava nossas roupas e as coreografias eram inventadas pela Andrea Veiga, a primeira a entrar para o grupo”, recorda.

De fato, tudo começou de improviso, há 30 anos. Xuxa tinha 21, era modelo, namorava Pelé e se dividia entre Nova York e Rio – lá, posava para campanhas e aqui gravava o Clube da Criança, na extinta TV Manchete. A então produtora Marlene Mattos buscava uma solução para que a apresentadora conseguisse falar três frases para a câmera sem ser assediada pelas

COMEÇO DO FENÔMENO

Por coincidência, sem saber das intenções de Marlene, Andrea Veiga bateu na porta da Manchete. “Fazia teatro e queria trabalhar na televisão. A Xuxa me achou parecida com ela, fiz uns testes e, aos 15 anos, entrei. Ela me disse: ‘Aqui todo mundo tem um nome engraçado’. Como tinha um papagaio lá chamado Paquito, ela decidiu me batizar de ‘Paquita’, a namorada do papagaio”, lembra Veiga, 45 anos, hoje jornalista, atriz e cantora.

Ela se mudou com Xuxa e sua trupe em 1986 para a TV Globo, onde virou estrela. Com o aumento da estrutura, entraram para a turma de Paquitas Heloísa Morgado, logo substituída por Andréia Faria, a Sorvetão, e Luise Wischermann, a Pituxa. No total, até o ano 2000, seriam 30 coroadas, a maioria eleita por concursos que mobilizavam o país. Umas saíam, outras entravam, e assim se formaram quatro gerações. Eram quase todas loiras (naturais ou tingidas) e quase todas crianças (algumas foram contratadas adolescentes, aos 15 anos).

Nenhuma geração de soldadinhos, entretanto, fez tanto sucesso quanto a segunda, formada por Andréia Faria (Sorvetão), Roberta Cipriani (Xiquitita Surfista), Tatiana Maranhão (Paquitita Loura), Priscilla Couto (Catuxita Top Model), Cátia Paganote (Miúxa Bruxa), Ana Paula Almeida (Pituxita Bonequinha) e Letícia Spiller (Pituxa Pastel). Juntas, deixaram de ser apenas assistentes de palco da Rainha: gravaram um disco só delas e estrelaram dois filmes ao lado da apresentadora, “Sonho de Verão” e “Lua de Cristal”.

“Foi a época de assédio mais intenso que vivi. Era uma loucura”, diz Letícia Spiller, Pituxa dos 15 aos 18 anos e atriz de novelas há 20. Ela é destaque na capa do primeiro LP do grupo, com o hit “Fada Madrinha”, homenagem a Xuxa, e o refrão: “É tão bom, bom, bom, bom / Quem quer pão, pão, pão, pão / Bom estar contigo na televisão”. “A letra da música não tem nada a ver com nada e ganhamos platina dupla com isso! A gente não tinha noção do que estava acontecendo”, conta Cátia Paganote, a Miúxa.

“Não tínhamos consciên­cia do sucesso”, reforça Priscilla Couto, a Catuxita, a mais jovem a entrar para o grupo – aos 9 anos, em 1987 –, onde permaneceu até os 18. Hoje, além dos shows com a amiga Cátia, Priscilla faz faculdade de direito. “Até no fórum, no meio de audiências, as pes­soas me abordam dizendo que queriam ser eu”, diz a futura advogada.

“Eram tantos shows…”, lembra a atriz Bianca Rinaldi. “Gostaria de repetir aquela sensação: estádio lotado, público alucinado cantando as letras.” Por mais de uma década, ela guardou as 70 mil cartas recebidas nos tempos de Paquita e ainda tem uma coleção de bichinhos de pelúcia em “quatro sacos gigantes”. São presentes dos fãs dos quais não se desfaz. “Lembro do dia em que vesti a roupa de show, no teste, enquanto concorria com 1.400 meninas. Era o uniforme de Paquita!”

TRABALHO INFANTIL

Para alcançar o cobiçado posto de assistente da Xuxa, não bastava ser bonita, garante Marlene Mattos. “Nas entrevistas, eu perguntava o que as candidatas queriam fazer da vida, se falavam inglês, francês ou espanhol”, diz a ex-diretora do programa. “E fazia as escolhas guiada por motivos meus, muito particulares.” Marlene afirma que sempre as protegeu. “Ficava preocupadíssima, as mães confiavam elas a mim. Inclusive levei algumas pessoalmente na porta da escola. E as que tiravam notas menores do que 7 ficavam de castigo”, afirma.

A diretora do programa também proibia namoros, o excesso de comidas calóricas e qualquer outra coisa que tirasse o foco e a forma da turma. Por isso, Paquitos (os meninos que também eram assistentes de palco) e Paquitas dormiam em andares diferentes nos hotéis onde se hospedavam nas turnês de shows.

Ela conta que, certa vez, ao chegar de madrugada ao hotel, topou com um garçom e um carrinho de sorvetes no corredor do andar das meninas. Quando soube que o pedido iria para o quarto delas, resolveu ela mesma fazer a entrega. “As meninas abriram a porta e perguntei se o sorvete era de lá. Elas negaram, claro”, conta, aos risos.

A rigidez e as lições de Marlene são lembradas até hoje. “Sou muito grata. Com ela, aprendi a ter compromisso profissional”, diz Luise Wischermann, ex-Pituxa, que hoje comanda, do escritório de seu marido no Rio, as operações da cervejaria Xingu na América do Norte e Europa.

Naqueles tempos áureos, as meninas seguiam direto do colégio para o Teatro Fênix, onde o programa era gravado. Além do “Xou da Xuxa”, havia os ensaios, shows, as gravações de voz, aulas e mais aulas. “Chamei até uma professora de etiqueta de São Paulo para ensiná-­las a se comportar à mesa”, conta Marlene. “Qualquer coisa que fizessem errado, respingaria na Xuxa.”

Por causa da rotina insana de trabalho, muitas abriram mão do que consideravam importante. A festa de 15 anos de Priscilla, Catuxita, por exemplo, foi feita numa segunda-feira. “Foi a única folga que tivemos em um mês”, diz ela.

Como os ensaios iam até tarde, muitas vezes as meninas dormiam na casa da apresentadora. Divertiam-se como crianças: faziam “noites do pijama” e a brincadeira do copo, tentando evocar espíritos sentadas em círculo. Mas a brincadeira era exceção. “Quando eu via a roda, logo perguntava que merda era aquela”, diverte-se Marlene.

A carga de trabalho levou Andrea Veiga, a primeira Paquita, a morar um ano na casa de Xuxa. Quando deixou o programa, aos 18, ela diz que se sentiu aliviada. “Não tive adolescência. Não pude estudar e completei o segundo grau com mais de 20 anos”, afirma. Ao deixar o grupo, a primeira Paquita posou para a Playboy, apresentou o próprio programa, casou, mudou-se para Brasília e resolveu ficar cinco anos sem trabalhar: “Merecidamente”, diz, aos risos. Quando se separou, fez faculdade de jornalismo. Foi Marlene quem pagou as primeiras mensalidades do curso. “Ela dizia que eu precisava ter uma profissão que não a de Paquita”, diz Andrea.

A convivência era tão intensa que até Ayrton Senna, então namorado da apresentadora, povoa as memórias das ex-integrantes do grupo. “Foi o Senna quem me ensinou a dirigir”, conta Luise, a Pituxa. “Na primeira vez que peguei no volante, ele mandou pisar no acelerador. Quando o carro estava bem rápido, a Xuxa gritando no banco de trás, ele puxou o freio de mão e disse: ‘Primeira lição: isso é um cavalo de pau”.

SENSUALIDADE EXAGERADA?

Com o sucesso estrondoso, as Paquitas não passaram incólumes pelas críticas. O excesso de pernas de fora era a principal delas – dizia-se também que não cantavam nada, eram burras e beliscavam as criancinhas no programa. No entanto, para as ex-Paquitas, havia só inocência e ingenuidade. “Não tinha malícia. A própria Xuxa parecia uma criança”, diz Roberta Cipriani, a Xiquitita, sócia e gerente de um restaurante em Rio das Ostras (RJ), casada e mãe de três filhos.

Rinaldi ainda se chateia ao ouvir que o objetivo da garotas era posar nua, embora ela mesma tenha feito ensaios sensuais. “A menina não queria sair na Playboy. O encanto era estar do lado da Xuxa.”

Quem posou, em 1987, e causou revolta na turma da Xuxa foi a modelo Luciana Vendramini. Depois de ser reprovada no teste para Paquita – que perdeu para Ana Paula Guimarães, que se tornou a Catuxa –, Luciana vestiu um uniforme vermelho, botas brancas, e estampou a capa da revista trajada de “Paquita genérica”. A capa anunciava: “A melhor descoberta do ‘Xou da Xuxa’ – Luciana, uma xuxete xenxaxional”. De lá para cá, a modelo afirmou repetidas vezes que foi Paquita. “Ela nunca foi, mas realmente acredita nisso”, diz Ana Paula. “Até comigo já comentou que foi Paquita!”, diverte-se. Procurada pela reportagem, Luciana Vendramini não quis comentar o assunto.

A VIDA COMO ELA É

Trinta anos depois do advento das Paquitas, as trajetórias das meninas incluem sucessos e percalços, amizades profundas e rusgas não superadas. O nome de Ana Paula Almeida, a Pituxita Bonequinha, reapareceu na internet há algumas semanas, quando se lançou como modelo plus size. Ela conta que deixou a TV Globo em mea­dos dos anos 2000, onde trabalhava nos bastidores dos programas da Xuxa. Com o dinheiro ganho, comprou um apartamento no Rio, mas o deu para os sobrinhos quando o irmão passou por dificuldades financeiras.

Depois, casou-se com um empresário e deixou a TV para trabalhar com ele. Ana Paula diz que os quilos ganhos nos últimos anos são fruto da relação tempestuosa com o ex-marido, diagnosticado com transtorno bipolar. “Decidi sair de casa quando meu filho de 8 anos disse: ‘Mamãe, vamos embora daqui e deixar o papai quebrando tudo?’”, contou a ex­-Paquita enquanto aguardava ser maquiada para a foto desta reportagem, no Teatro Ipanema, no Rio. Agora, comemora o sucesso na nova profissão. “Vou ficar um tempinho gordinha. Os cachês são ótimos!”, disse.

Enquanto se vestiam para a foto, as ex-Paquitas atualizavam as novidades. Luise Wischermann, antiga Pituxa, estava feliz da vida porque seu filho, Oliver, também de 8 anos, passava uma temporada em sua casa – ele mora no Canadá com o pai. Ela deixou o programa da Xuxa aos 18, para estudar. “Meu pai dizia que era bonitinho ser burra aos 15 anos, mas não aos 30”, diz. Mudou-se então para Munique, na Alemanha, onde fez faculdade de teatro. Trabalhou como atriz na Europa e no Canadá, para onde se mudou para viver com o pai de Oliver.

O menino nasceu em 2006 e ela se separou no ano seguinte. Ficou por lá até 2011, brigando pela guarda dele na Justiça. Perdeu a batalha, voltou para o Brasil, mas ganhou o direito de ficar com o filho o tempo que quiser quando visita o país. Oliver também passa todas as férias escolares no Brasil. Luise diz que precisou voltar para o Rio depois que descobriu ter esclerose múltipla. Além de seu médico ser brasileiro, ela tem os remédios pagos pelo SUS. No Canadá, o tratamento ficaria por conta dela.

RUSGAS E BASTIDORES

As diferentes trajetórias parecem provocar algumas delas. Todas as ex-Paquitas entrevistadas para esta matéria disseram que gostariam de participar da foto de abertura da reportagem. O assessor de imprensa da atriz Bianca Rinaldi, no entanto, pediu para que ela posasse apenas com Letícia Spiller. Um dia antes do ensaio, quando Letícia cancelou presença alegando muito trabalho, o assessor de Bianca escreveu para a redação dizendo que ela também não participaria do reen­contro. Afirmou que Rinaldi gravaria um longa-metragem na mesma data e horário.

“Se vocês tivessem chamado só as meninas da primeira geração, nada disso teria acontecido e todas estariam aqui”, disse uma delas, explicando que há uma rixa entre as gerações. Outras brigas são públicas. Andrea Veiga e Xuxa não se falam há mais de dez anos. “Quando ela e Marlene se separaram, não tomei partido, e talvez tenha sido um erro. Desde então, nos afastamos”, disse Andrea.

No entanto, são mais frequentes os casos em que a proximidade e a amizade são profundas. Cátia e Priscilla são vizinhas e se apresentam juntas. Cátia também não apareceu no dia da foto, numa manhã de sábado. Foi Priscilla quem supôs uma explicação para a inesperada ausência da parceira. “Acho que ela saiu ontem, chegou tarde e perdeu a hora”, disse, com carinho.

Já a relação entre Xuxa e algumas ex-Paquitas se estreitou. Tatiana Maranhão, a Paquitita Loura, é sua assessora de imprensa. “Decidi que não havia nascido para ser artista aos 14 anos, na fase de maior sucesso das Paquitas. Quando a Sasha nasceu, a Xuxa pagou minha faculdade de jornalismo e há dez anos trabalho com ela”, conta Tatiana, a mais reclusa do grupo.

Ana Paula “Catu”, antes de se tornar diretora da Globo, foi produtora e assistente dos programas infantis. Xuxa esteve na maternidade quando Cipriani deu à luz os gêmeos Cauã e Lucca, no ano passado, e Sorvetão (casada com o cantor Conrado, outro antigo queridinho da Rainha dos Baixinhos) considera a apresentadora uma “irmã mais velha”.

Xuxa derrete-se ao falar das meninas. “Eu adorava tê-las perto. Eram irmãzinhas e dividiam suas histórias comigo: o primeiro beijo, o primeiro amor. Queria vê-las sempre bonitas e me alegrava com cada conquista delas”, disse à Marie Claire. “Até hoje, se percebem que preciso de ajuda, elas vêm cuidar de mim. Ou seja: uma vez Paquita, sempre Paquita.”