‘Não se espera melhora espontânea’ de Schumacher, diz brasileiro de Harvard

Pacientes como o heptacampeão de Fórmula 1 Michael Schumacher, que acaba de sair do coma depois de quase seis meses, enfrentam o desafio de reconectar o quanto antes as áreas do cérebro modificadas após a lesão. “Na lesão cerebral, as áreas se desconectam, e você tem que ajudar a se reconectarem. E é uma corrida […]

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Pacientes como o heptacampeão de Fórmula 1 Michael Schumacher, que acaba de sair do coma depois de quase seis meses, enfrentam o desafio de reconectar o quanto antes as áreas do cérebro modificadas após a lesão.

“Na lesão cerebral, as áreas se desconectam, e você tem que ajudar a se reconectarem. E é uma corrida contra o tempo”, disse o neurologista brasileiro Felipe Fregni.

Diretor do Centro de Neuromodulação do Hospital de Reabilitação Spaulding, que faz parte da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Fregni comanda um grupo de cientistas dedicados a estudar estados de coma e compreender como o cérebro se modifica em situações de lesão.

Segundo o neurologista, em casos como o de Schumacher, depois de alguns meses não se espera mais melhora espontânea.

“Agora só vai melhorar dependendo do tratamento de reabilitação”, diz.

Schumacher, de 45 anos, foi colocado em coma induzido no fim do ano passado, depois sofrer uma lesão após bater com a cabeça em uma rocha enquanto esquiava.

Na última segunda-feira, a porta-voz do piloto informou em um comunicado que ele havia saído do coma e estava deixando o hospital para continuar sua “longa fase de reabilitação”.

“Dificilmente ele vai ter todas as funções normais como tinha antes. Tem que ver o que sobrou da parte cognitiva e emocional”, afirma Fregni.

Novas terapias

O grupo liderado pelo brasileiro estuda novas terapias, como estimulação cerebral, realidade virtual e uso alguns tipos de medicamento para ajudar na recuperação desse tipo de paciente.

Fregni destaca duas linhas de pesquisa importantes atualmente no campo do coma.

Uma tenta entender melhor o que acontece no nível funcional em pacientes em coma, e a outra busca aumentar a conectividade, com técnicas que aumentem o efeito das terapias comportamentais.

No entanto, Fregni admite que ainda há um longo caminho pela frente.

“A neurologia ainda está, no campo do coma, como a cardiologia estava 50 anos atrás”, afirma.

Leia abaixo os principais trechos a entrevista concedida por Fregni.

Pergunta – O campeão de Fórmula 1 Michael Schumacher saiu do coma depois de quase seis meses. Em casos como esse, o que se pode esperar da recuperação pós-coma?

Felipe Fregni – Agora é preciso entender qual a lesão dele. O que está mais prejudicado. Geralmente pacientes como ele têm mais dificuldade na parte cognitiva. É a parte que demora mais para melhorar. Às vezes, conseguem melhorar a parte motora, a parte de equilíbrio, a parte sensorial. Mas a parte cognitiva é o que fica mais complexo.

Então agora é preciso ver qual é a principal área do cérebro afetada e fazer tratamento de reabilitação direcionado para essa área. Por exemplo, na parte motora, faz fisioterapia; na parte cognitiva, terapias cognitivas de reabilitação.

Temos estudado terapias novas, usando estimulação cerebral, realidade virtual. Algumas medicações estão sendo usadas para aumentar a atividade cerebral e ajudar na conectividade.

Na lesão cerebral as áreas se desconectam, e você tem que ajudar a se reconectarem. E é uma corrida contra o tempo. Tem que tentar reconectar essas áreas o quanto antes.

Isso é o que mais se falha nesses casos de pacientes voltando do coma, mas que já têm uma grande alteração neurológica.

Pergunta – No caso de Schumacher, o processo de despertar foi iniciado em janeiro. É comum esse período de quase cinco meses até o paciente sair do coma?

Fregni – Uma coisa importante é que o acordar não é acordar, é recuperar algumas funções cerebrais. E isso leva algum tempo. Depois de alguns meses, você começa o estado crônico. Você não vai melhorar muito mais espontaneamente a partir daquele momento.

No caso de Schumacher, foi uma lesão cerebral grave, usou medicação para diminuir, evitar lesão secundária. A medicação foi retirada, e provavelmente ele começou a acordar. E nos primeiros seis meses ele teve uma recuperação espontânea. A partir de agora, não se espera mais melhora espontânea. Tudo o que ele tinha que melhorar espontaneamente ele já melhorou. Agora o que sobrou só vai melhorar dependendo do tratamento de reabilitação que fizer.

Pergunta – Qual a importância do tempo em que o paciente passou em coma para a recuperação? Existe um período de tempo ideal? Um limite?

Fregni – Não existe um limite. A gente vê recuperação mesmo depois de muito tempo. Mas, sem dúvida, as melhores recuperações são as que são feitas no começo, logo depois da lesão. Porque o cérebro aprende a não funcionalidade. Depois de dois, três anos, os resultados são menores.

Pergunta – Que impacto fatores como idade, condicionamento físico, histórico de outras doenças, etc, têm na recuperação?

Fregni – Sem dúvida a idade menos avançada tem um efeito (positivo). Tanto atividade física quanto atividade cognitiva ajudam. Quanto mais o cérebro estiver ativo antes de uma lesão, menores serão os efeitos. O segredo todo está na conectividade. Um cérebro sadio se reconecta mais rápido. No caso de Schumacher, o fato de ser um atleta, com ativação cerebral grande, e a idade jovem, isso tudo favorece um bom prognóstico.

Pergunta – Quais os novos tratamentos disponíveis? O que há de mais promissor nessa área?

Fregni – Tem duas linhas. Uma é tentar entender o que acontece a nível funcional. Quando você, por exemplo, faz uma ressonância, você vê áreas lesionadas. Mas em termos de funcionamento? É conseguir identificar isso.

Por exemplo, estudos mostrando pacientes fazendo algumas terapias e mostrando conectividade em algumas áreas. Isso é essencial. Porque hoje em dia o tratamento é feito de uma forma cega, de certa forma. Você é um terapeuta, faz terapias motoras. Você só vai saber se está melhorando pelo desempenho do paciente. Mas isso vai demorar um tempo. O ideal é tentar identificar rapidamente, a nível cerebral, que áreas estão sendo conectadas para continuar essa terapia. Um dos desafios é esse. Usando exames de imagem, exames em que você consiga avaliar a atividade cerebral.

Essa é uma das linhas de pesquisa importantes. A outra é tentar interferir nisso, tentar aumentar o processo de plasticidade cerebral. Se é verdade que a fisioterapia melhora a atividade motora, o que a gente pode fazer para aumentar isso? Medicações que aumentam a plasticidade cerebral, ajudam a aumentar a conectividade. Uso de técnicas de estimulação elétrica. Combinar terapias. Por exemplo, realidade virtual, robótica, para tentar analisar o movimento, tentar forçar certo movimento para que o paciente melhore.

É isso que está tentando se fazer agora, quantificação e técnica para aumentar os efeitos dessas terapias comportamentais, usando outras técnicas coadjuvantes.

Mas a neurologia ainda está, no campo do coma, como a cardiologia estava 50 anos atrás.

Pergunta – Quais costumam ser as sequelas mais comuns?

Fregni – Geralmente são as sequelas cognitivas. A parte emocional também é afetada. Acaba tendo um pouco de uma desconexão emocional, cognitiva. Muitas vezes os pacientes recuperam a fala, a parte motora, mas se for fazer um teste neuropsicológico você vê uma função cognitiva mais baixa, uma alteração emocional.

Esses são os fatores mais comuns. Depois, você vê alterações motoras e de linguagem, também comuns. Por último, a parte auditiva, visual. São pacientes muito lesionados que geralmente perdem tudo isso.

Pergunta – Qual a possibilidade de um paciente como Schumacher voltar a ter uma vida normal?

Fregni – Depende do que você considera vida normal. De acordo com tudo o que foi falado (sobre o caso Schumacher), que foi lesão grave, que ficou com uso de medicação por muito tempo para evitar lesão secundária, levou seis meses para começar a ter um contato maior, dificilmente ele vai ter todas as funções normais como tinha antes. Tem que ver o que sobrou da parte cognitiva e emocional.

Muitos pacientes com traumatismo craniano grave voltam a ter uma vida normal, no sentido de, por exemplo, voltar a estudar, ter um trabalho, uma função social, uma vida funcional na sociedade, independente. Não (recuperam) 100% da parte cognitiva, mas têm uma vida normal nesse sentido.

Há pacientes que estão em estado muito grave e têm uma recuperação excelente. E há outros que não estão em estado tão grave, mas não têm uma boa recuperação.

Não se pode dizer: “Não, esse paciente não vai se recuperar”. Assim como não se pode dizer: “Com certeza essa paciente vai ter uma recuperação ótima”.

Essa área de coma é uma criança, está na infância em termos de desenvolvimento se comparada com outras áreas da medicina.

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