Egito vai a referendo sob pressão pelo ‘sim’
Na sala de estar de Safaa Ombasma, um retrato do general Abdel Fattah el-Sisi exposto na parede dá boas vindas a todos que entram no simples apartamento, em um bairro pobre no subúrbio do Cairo. “Eu amo Sisi porque ele é do Exército, é respeitado e poderá assumir a responsabilidade de ser o presidente do […]
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Na sala de estar de Safaa Ombasma, um retrato do general Abdel Fattah el-Sisi exposto na parede dá boas vindas a todos que entram no simples apartamento, em um bairro pobre no subúrbio do Cairo.
“Eu amo Sisi porque ele é do Exército, é respeitado e poderá assumir a responsabilidade de ser o presidente do Egito”, diz a dona de casa, véu cuidadosamente ajeitado cobrindo os cabelos, externando entusiasmo compartilhado por muitos egípcios que alçaram o general ao posto de herói e colocaram seu rosto em cartazes, doces e até roupas, tornando-o figura onipresente no Egito.
A devoção a Sisi deverá se traduzir em voto nesta semana, quando o país irá às urnas para referendar a nova Constituição, reescrita por um grupo nomeado pelo governo interino após a deposição do presidente Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana, pelo Exército em julho passado. “Eu votarei 20 vezes ‘sim’ se for preciso”, diz Safaa.
A opção afirmativa, aliás, parece ser a única nesta votação de dois dias, que começa nesta terça-feira. Há várias semanas, mesmo antes da conclusão do novo texto, cartazes nas ruas e propagandas na televisão já incentivavam egípcios a votarem em massa a favor da nova Carta.
Faixas diziam que a opção pelo “sim” seria uma reafirmação das revoluções de 2011 e 2013, reforçando uma polarização que só aumentou desde a queda de Morsi, quando militares suspenderam a antiga Constituição, redigida por uma assembleia liderada por membros de partidos islâmicos.
A maioria dos partidos egípcios se posicionou em linha com o governo, fazendo campanha pela aprovação do texto – inclusive o grupo dos ultrarreligiosos salafistas, antigos aliados de Morsi. A Irmandade Muçulmana é o principal grupo na oposição.
O documento é visto como um avanço, mas aquém das expectativas de ativistas e defensores de direitos humanos. A nova redação expande a autonomia do já poderoso Exército egípcio e restringe a formação de partidos políticos religiosos.
Por outro lado, assegura direitos pessoais, políticos e das mulheres em termos mais fortes do que textos anteriores.
A votação segue o plano traçado pelos militares para levar o Egito de volta à democracia, que prevê a realização de eleições parlamentares e presidenciais, mas as datas e a ordem ainda não foram definidas.
Onde está o ‘não’?À exceção de mensagens pichadas em alguns poucos muros, a campanha pelo “não” é quase inexistente – e não por falta de oposição. Sete membros de um partido foram detidos nos últimos dias no Cairo com panfletos contrários à nova Constituição.
A legenda deixou de realizar eventos públicos por temores quanto à segurança, segundo a imprensa local, e acusou autoridades de repressão.
Outros grupos também anunciaram oposição, mas é raro vê-los atuando nas ruas – em parte devido a temores de novas prisões, especialmente diante da nova lei que praticamente proíbe qualquer aglomeração sem prévia autorização oficial.
“Eu não descreveria a situação atual como realmente democrática, (já que) alguns atores, algumas forças, estão excluídos”, disse o professor de Ciência Política da Universidade Americana do Cairo (AUC, na sigla em inglês), Gamal Soltan. “O cenário político está sendo redefinido pela atual coalizão, na qual a Irmandade Muçulmana não está incluída”, disse ele.
Na imprensa, a defesa pela aprovação do novo texto é quase unânime. Em um programa de TV, telespectadores eram convidados a telefonar para dar razões pelo voto afirmativo. Em um dos vários comerciais de tom patriótico, crianças cantam em coro elogios à Constituição e fazem campanha pelo “sim”.
A repressão a opositores soma-se à ofensiva lançada pelo governo contra membros da Irmandade Muçulmana, e à detenção de jornalistas e renomados ativistas críticos ao governo.
A Irmandade anunciou que boicotará à votação. O grupo foi considerado organização terrorista pelo governo egípcio no mês passado, numa decisão de “motivação política”, segundo o grupo de defesa de direitos humanos Human Rights Watch (HRW).
“Temos preocupações grandes sobre o ambiente político polarizado nos últimos meses, que viu milhares de pessoas sendo presas por exercerem o direito básico de associação livre, expressão e assembleia… num ambiente no qual o estado policial está, cada vez mais, mirando a oposição”, disse um representante da HRW no Cairo, que pediu anonimato devido às condições de segurança.
Referendo sobre Sisi
Pesquisa divulgada na semana passada apontou que 76% dos entrevistados planejavam participar do referendo. Destes, 74% votariam “sim”, 3% optariam pelo “não” e 23% estavam indecisos, segundo levantamento do instituto Baseera realizado em dezembro e divulgado pelo site estatal Al-Ahram.
O estudo apontou que egípcios deverão aprovar a nova Carta mesmo desconhecendo o seu conteúdo: entre os pesquisados, 59% disseram não ter lido nenhum trecho, enquanto 36% relataram terem lido apenas partes do texto.
Uma vitória confortável do “sim” dará legitimidade ao regime liderado por Sisi e impulso à candidatura dele à Presidência, que já é dada como certa pela imprensa local, fortemente pró-militares, segundo analistas.
O popular general, de 59 anos, é visto pela maioria dos egípcios como o único capaz de tirar o Egito do caos vivido desde a revolução de 2011 e que se acentuou nos meses após a queda de Morsi, primeiro presidente democraticamente eleito do Egito. Mais de mil pessoas morreram em confrontos que se tornaram rotina nas ruas do país desde julho.
“Eu amo o general Sisi. Ele é forte, bom para o Egito”, disse o ambulante Abdullah Mohamed, que improvisou uma barraca na simbólica praça Tahrir, no centro do Cairo, onde vende cartazes, chaveiros e broches – tudo em homenagem a Sisi.
Sisi, no entanto, mantém mistério sobre uma eventual candidatura. No fim de semana, ele instou a população a comparecer em massa às urnas e disse que poderá concorrer se houver clamor popular.
“O referendo é essencialmente nas medidas que foram tomadas desde 30 de junho”, disse Soltan, da AUC, referindo-se ao dia em que milhares de egípcios foram às ruas exigindo a saída de Morsi. “Em geral, (o referendo) será interpretado desta maneira: o voto ‘sim’ será um voto às políticas e aos líderes construídos por Sisi”.
Para garantir alta participação, egípcios poderão votar em qualquer zona eleitoral, independente de onde estiverem registrados – o que também levantou temores sobre fraudes.
Um forte esquema de segurança será adotado para garantir que o processo ocorra de forma tranquila. Mas, como já de costume no Egito, militantes contrários ao Exército prometeram realizar atos, no que poderá se refletir em mais violência, fazendo com que alguns eleitores pensem duas vezes antes de sair de casa e votar.
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