Sequestros e mortes expõem dificuldades em cobrir a guerra na Síria

Em uma cafeteria em Beirute, eu e dois jornalistas europeus discutíamos o ano de 2013 e fazíamos um balanço do terceiro ano em que estamos cobrindo a guerra na Síria. Ao contrário dos dois primeiros anos, este foi de muita violência contra os profissionais de imprensa – com sequestros, prisões e mortes perpetradas por todos […]

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Em uma cafeteria em Beirute, eu e dois jornalistas europeus discutíamos o ano de 2013 e fazíamos um balanço do terceiro ano em que estamos cobrindo a guerra na Síria. Ao contrário dos dois primeiros anos, este foi de muita violência contra os profissionais de imprensa – com sequestros, prisões e mortes perpetradas por todos os lados do conflito, grupos rebeldes e governo sírio.

Segundo dados do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), 70 profissionais de imprensa foram mortos em 2013 em todo o mundo, com 54% deles cobrindo guerras. A Síria está em primeiro no ranking, com 28 mortos, depois vem Iraque (10) e Egito (6).

Em três anos de conflito na Síria, 56 jornalistas foram mortos e outros 35 foram sequestrados (incluindo alguns agentes humanitários), fazendo desta guerra uma das mais perigosas para se cobrir nos últimos 50 anos.

Estatísticas não costumam afetar tanto as pessoas quanto a vivência real do que elas representam. Como jornalistas, somos treinados a realizar nosso trabalho independentemente dos acontecimentos ao redor e das pressões emocionais.

Embora o clima de fim de ano tenha tomado conta da cosmopolita capital do Líbano, com as ruas repletas de luzes e decorações de Natal, o país está mergulhado entre crises política, conflito entre milícias rivais no norte do país e o fluxo de refugiados sírios, que só agravou os primeiros dois problemas.

Ser correspondente no Oriente Médio, como em muitos outros lugares, é viver aventuras, conhecer culturas diversas, estabelecer belas amizades e encarar desafios. Mas também enfrentamos prisões, intimidações, espancamentos, sequestros e perigo à vida. Afinal, dividimos com a população local as mesmas alegrias e tristezas e, em parte, as mesmas consequências.

E neste final de ano, o ambiente entre os correspondentes estrangeiros em Berirute é de um pouco de tristeza – a confirmação de que um colega e amigo, igualmente baseado no líbano, foi sequestrado na Sïria, e a morte de um adolescente sírio que trabalhava como fotógrafo freelancer para uma agência de notícias internacional.

Indústria do sequestro

Na manhã do dia 11 de dezembro, recebi a triste notícia do sequestro dos jornalistas espanhóis Javier Espinosa, correspondente do jornal El Mundo em Beirute, e Ricardo Garcia Vilanova. Usando um véu islâmico, a companheira de Espinosa, a também jornalista Mônica Prieto, apareceu em frente às emissoras internacionais em uma conferência de imprensa em Beirute fazendo um apelo pela soltura dos jornalistas.

Espinosa e Vilanova foram capturados no dia 16 de setembro por militantes do grupo islamita Estado Islâmico do Iraque e Síria (Isis, em inglês) em uma estrada no norte da Sïria a 15 minutos da fronteira com a Turquia. Além dos dois espanhóis, o Isis sequestrou alguns soldados rebeldes do Exército Livre da Síria (ELS) que acompanhavam os jornalistas. Enquanto os rebeldes do ELS foram soltos após alguns dias, Espinosa e Vilanova permanecem em sua custódia.

O sequestro de jornalistas se tornou um problema a mais para os repórteres estrangeiros e locais que se arriscam dentro do território sírio para levar informação do que ocorre no país em um conflito sangrento que já deixou cerca de 125 mil mortos em três anos, segundo as Nações Unidas.

Desde o início do levante popular na Síria, em 2011, jornalistas foram forçados a usar táticas para evitar as forças hostis aos seus trabalhos. Tropas do regime do presidente Bashar al-Assad eram, no começo, a grande ameaça aos profissionais. O govenro sírio mantinha a maioria dos repórteres proibidos de entrar no país e perseguia aqueles que cruzavam as fronteiras de forma ilegal. Até então, nós jornalistas, nos sentíamos seguros viajando com rebeldes do ELS, mais seculares e simpáticos à imprensa.

Mas aos poucos, a Síria passou a ser uma terra em que sobrevivência a qualquer custo se tornou a principal lei. Primeiro, grupos criminosos travestidos de rebeldes assaltavam casas, pilhavam e até sequestravam cidadãos em troca de dinheiro. Não demorou muito para que percebessem que uma grande fonte de dinheiro estava nos jornalistas e agentes humanitários, locais e estrangeiros.

O aumento no fluxo de militantes extremistas em novembro de 2012 aumentou as divergências entre o ELS e grupos islamitas, muitos afiliados ou simpáticos à Al-Qaeda. Logo, os grupos extremistas inciaram uma onda de sequestros para financiar suas tropas e armamentos. Tido como um dos grupos mais linha-dura, o Isis mantém, além dos espanhóis, outros sete estrangeiros e um número incerto de sírios em sua custódia.

A Síria, hoje, é um recorte de vários grupos que controlam seus territórios e impõem suas vontades e leis. Logo, nós repórteres estrangeiros em Beirute passamos a trocar inúmeras informações sobre situação de segurança em algumas regiões da Síria, principalmente a região norte de Aleppo e Idlib, para onde jornalistas se dirigem vindos da fronteira da Turquia.

Repórteres encontram agora dois grandes problemas quando se aventuram dentro da Síria – as tropas do regime e os rebeldes ligados à Al Qaeda. O pesadelo de um sequestro é tão assustador quanto as bombas que aviões do govenro sírio despejam sobre cidades controladas pelos rebeldes.

Em 2007, um grupo de repórteres de diferentes nacionalidades, eu incluído, criou um clube informal de imprensa estrangeira em Beirute. Nós trocamos ideias, contatos, informações e ajudamos uns aos outros quando passamos por ameaças físicas ou psicológicas. Javier Espinosa é um de seus membros e sua ausência é imensamente sentida por aqui.

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