‘Roberto Carlos é censor nato e hereditário’, diz Ruy Castro em festival de biografias

Enquanto revelava seus segredos e métodos de biógrafo consagrado, Ruy Castro criticou Roberto Carlos, Chico Buarque e Caetano Veloso durante debate na tarde/noite desta sexta (15/11), durante o 1º FIB (Festival Internacional de Biografias), em Fortaleza. O colunista da Folha chamou Roberto de “censor nato e hereditário”, disse que Chico é “uma péssima fonte de […]

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Enquanto revelava seus segredos e métodos de biógrafo consagrado, Ruy Castro criticou Roberto Carlos, Chico Buarque e Caetano Veloso durante debate na tarde/noite desta sexta (15/11), durante o 1º FIB (Festival Internacional de Biografias), em Fortaleza.

O colunista da Folha chamou Roberto de “censor nato e hereditário”, disse que Chico é “uma péssima fonte de informação sobre si mesmo” e lembrou que Caetano, defensor com os colegas do direito à privacidade, já apareceu nu ao lado da mulher e do filho na capa de um disco (“Jóia”).

Ruy é um dos pontas de lança do movimento de biógrafos, editores e intelectuais para a alteração dos artigos do Código Civil que abrem a biografados e seus herdeiros a possibilidade de barrar na Justiça a publicação de biografias que não tenham sido previamente autorizadas.

O grupo tenta, no Supremo Tribunal Federal e no Congresso, alterar a legislação, mas enfrenta a resistência de artistas de peso da MPB, como Chico, Caetano, Roberto e Gilberto Gil, para quem a liberdade de expressão deve ser conciliada com o direito à privacidade.

O autor de “O Anjo Pornográfico” (biografia de Nelson Rodrigues), “Estrela Solitária” (biografia de Garrincha) e “Carmen: Uma Biografia” (Carmen Miranda), entre outras obras, conversou sobre o tema “Ciência e arte da biografia” com o jornalista Mário Magalhães, autor de “Marighella – O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo” e curador da programação literária do FIB.

ATAQUE A ROBERTO

Quando Magalhães recordou que Roberto Carlos já havia processado o colega de mesa por causa de um perfil publicado nos anos 1980 na revista “Status”, ação na qual Ruy acabaria condenado, o escritor atacou o cantor.

“Roberto Carlos é um censor nato e hereditário, ele censura até a si próprio. Censurou o primeiro LP que ele gravou, censurou o “inferno” [em “Quero que Vá Tudo pro Inferno”]. Na Nova República, quando o governo Sarney proibiu o filme “Je vous Salue, Marie”, de Godard, Roberto Carlos disse que tinham feito muito bem.”

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende Roberto Carlos, disse à Folha que não responderia a Ruy.

“Pregamos o direito à liberdade de expressão e à intimidade. Ele [Ruy] tem todo o direito de se expressar. Não vou entrar em debate com ele”, afirmou Kakay.

Ruy criticou o artigo publicado por Chico no jornal “O Globo” em defesa do direito de preservação da privacidade dos artistas e que continha erros (ele disse que não deu uma entrevista que havia dado e confundiu episódios históricos).

“Do Roberto Carlos espera-se qualquer coisa, mas nunca imaginei que Chico Buarque fosse fazer o que fez. O artigo dele é lamentável, cheio de erros. Chico Buarque é uma péssima fonte de informação sobre si mesmo.”

Ruy criticou Caetano quando Magalhães perguntou qual era o limite de invasão de privacidade do colega.

“Eu não tiro foto pelado com minha mulher e meu filho e ponho na capa de disco. Caetano fez isso.”

Em seguida, fez menção a uma reportagem da revista “Caras” com Caetano e sua então mulher Paula Lavigne.

“Estão nos confundindo com revistas de fofocas, revistas essas para as quais eles já abriram inúmeras vezes as portas das suas casas para serem fotografadas, deixaram à mostra sua intimidade, descreveram os tratamentos físicos de suas mulheres para se tornarem as sereias que elas são. Durante várias ocasiões, não tiveram nada contra essas revistas, talvez não tenham, porque essas revistas lhes ajudam a vender discos, fazerem shows etc. Agora, uma biografia que leva três, cinco anos para ser feita, não pode.”

DESAFIO A DJAVAN

Questionado como Chico, Caetano e Gil adotaram tal posição, Ruy afirmou:

“Eles foram vítimas de um acordo entre Paula Lavigne e Roberto Carlos: se Roberto Carlos os apoiasse na questão do Ecad [na criação de um lei para o controle externo da arrecadação de direitos autorais], eles o apoiariam na questão das biografias não autorizadas.”

“Mas eles não contavam que pudéssemos ser eficientes no uso da única arma que temos, que é a palavra. Eles não contavam que a opinião pública, que eles dominam e manipulam há décadas, se voltaria contra eles pela primeira vez.”

O biógrafo ainda fez um desafio a Djavan, outro integrante da causa dos artistas, que disse que biógrafos ganham “fortunas”: “Eu trocaria os direitos autorais de todos os meus livros pelos de uma música de sucesso do Djavan”.

CIÊNCIA E ARTE

Segundo Ruy, ciência e arte são duas palavras que resumem bem o fazer biográfico.

“Uma pessoa pode se tornar um biógrafo aprendendo a parte mecânica da coisa. Mas só essa ciência não basta. Não é qualquer pessoa que tem fixação pela informação e não desiste enquanto não localiza uma fonte. Ou você nasce com isso ou não poderá ser um biógrafo.”

Disse que, se houvesse curso de biografia na universidade brasileira, o aspirante a biógrafo teria de ter aulas nas faculdades de jornalismo, de história e de letras.

Indagado se um biógrafo pode imaginar cenas e flertar com a ficção, respondeu: “Sou absolutamente radical nesse ponto. Se tiver um pingo de imaginação, já fecho o livro. Biógrafo tem de trabalhar com informação. Sem informação não há biografia. Não há necessidade de inventar. A graça para o biógrafo é descobrir a informação.”

CAUSA GANHA

Antes do início do debate, Ruy Castro afirmou que a disputa para modificar a lei que permite censura prévia a biografias no Brasil está resolvida em favor da liberdade de expressão.

“A tese da liberdade de expressão, da biografia independente, está ganha. A opinião pública já se manifestou favorável [à tese]. O que falta definir agora são as filigranas jurídicas”, disse o escritor.

Tanto o Supremo quanto o Congresso analisam a alteração da lei.

Embora afirme que poderá assinar uma carta-manifesto endereçada aos ministros do Supremo, ao Congresso e à sociedade –sugerida por Fernando Morais e por ele batizada de “Carta de Fortaleza”–, Ruy diverge do colega sobre a necessidade do documento, justamente por considerar que o principal da disputa está resolvido.

“Não sei se precisa de mais carta, mais manifesto [já houve alguns de intelectuais e acadêmicos desde o início da controvérsia].”

“Mas se tiver uma carta, você assina?”

“Assino.”

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