Livro diz que ilhas Falkland são uruguaias

Um livro que afirma que as ilhas Falkland (chamadas de Malvinas na Argentina) podem pertencer ao Uruguai adicionou mais um capítulo à polêmica sobre o arquipélago. A ideia, entretanto, é refutada por historiadores. A tese partiu do arquiteto uruguaio John Ackermann e do engenheiro agrônomo argentino-uruguaio Alfredo Villegas e é baseada em um tratado de […]

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

Um livro que afirma que as ilhas Falkland (chamadas de Malvinas na Argentina) podem pertencer ao Uruguai adicionou mais um capítulo à polêmica sobre o arquipélago. A ideia, entretanto, é refutada por historiadores. A tese partiu do arquiteto uruguaio John Ackermann e do engenheiro agrônomo argentino-uruguaio Alfredo Villegas e é baseada em um tratado de 1841 mencionado pelos dois autores em seu livro “Las Malvinas ¿son uruguayas?” (“As Malvinas são uruguaias”, em tradução livre).

Segundo eles, o acordo, assinado pela Espanha e pelo Uruguai, teria cedido ao país sul-americano os poderes que o porto militar de Montevidéu tinha sobre o arquipélago do Atlântico Sul. Para Ackermann e Villegas, o tratado não perdeu a validade. “Queremos divulgar os documentos que envolvem tal acordo e a história que se sucedeu a partir daí. E, ao analisá-los, chega-se à conclusão de que as Malvinas são uruguaias”, disse Ackermann. “Estamos fazendo uma reivindicação histórica”, acrescentou.

Assunto esquecido

Ackermann lembrou que, 17 anos após esse tratado, a Espanha assinou um acordo similar com a Argentina, mas na ocasião informou que o país não poderia “ceder o que já cedido para o Uruguai”. Villegas acrescentou que o mesmo pacto hispânico-uruguaio se baseou em um tratado antártico validado pelo Senado argentino mais de um século depois, em 1974, um “documento que ninguém nunca menciona.”

“A pergunta que me faço é o que os senadores argentinos estavam fazendo quando assinaram um documento baseado em um tratado que invalidava o controle do país sobre as Malvinas.” Villegas negou que o livro contenha um ineditismo histórico e afirmou que intelectuais uruguaios, como Eugene Petit Muñoz (1896-1977), já havia feito menção sobre tal possibilidade há um século. “O que acontece é que nunca ninguém se aprofundou no assunto”, disse ele. “Nós simplesmente levantamos uma questão que estava esquecida.”

Contradição

O livro, que foi publicado em 2012 sem levantar polêmica, reacendeu as discussões sobre o assunto durante uma palestra ocorrida na semana passada no balneário uruguaio de Punta del Este. A possibilidade de o Uruguai ser o verdadeiro dono das Malvinas ocorre em meio a um reaquecimento da longa disputa diplomática entre Argentina e Reino Unido sobre o arquipélago, três décadas após a guerra que opôs os dois países. A polêmica entre argentinos e britânicos também leva em conta aspectos históricos sobre quem descobriu as ilhas e como elas foram habitadas. Em março deste ano, os habitantes do arquipélago devem votar em um referendo sobre se querem continuar ligados ao Reino Unido.

O Uruguai, por outro lado, nunca alegou direitos sobre as ilhas, embora Ackermann disse que poderia reivindicá-los enquanto que Villegas afirmou que o país poderia aproveitar para negociar com a Argentina questões comerciais e bilaterais. O presidente do Uruguai, José Mujica, fez um comentário sobre a reivindicação argentina das ilhas durante uma cerimônia realizada em maio, que contou com a presença do embaixador argentino em Montevidéu, Dante Dovena. “Não somos indiferentes em relação à possibilidade das Malvinas serem uruguaias. Mas isso é uma questão para depois”, disse Mujica na ocasião, segundo publicou o jornal uruguaio El Observador.

Ceticismo

Questionada sobre o livro, a historiadora uruguaia Ana Ribeiro, uma das mais conhecidas do país e especializada em pesquisa histórica, disse: “Trata-se de um tema que, sem dúvida, que incentiva e provoca certa polêmica”. Para Ribeiro, entretanto, o Uruguai não tem um argumento de peso para reclamar o controle das ilhas. “As Malvinas, na verdade, pertenciam ao Vice-Reino do Rio da Prata e foram administradas a partir da estação naval em Montevidéu. Porém, naquela época, tal território pertencia à Coroa espanhola e o Uruguai que conhecemos hoje ainda não existia”, explicou ela. “Um historiador nunca pode olhar para apenas um detalhe. A História é muito mais complicada”, acrescentou.

Na avaliação da historiadora, pela mesma linha de raciocínio, o Uruguai também poderia reivindicar o controle dos Sete Povos das Missões (aldeamentos indígenas fundados por jesuítas espanhóis no atual território do Estado do Rio Grande do Sul), que foram ocupados pelos portugueses no início do século 19.

A BBC Mundo tentou contatar o Ministério das Relações Exteriores uruguaio sobre o assunto, mas não recebeu uma resposta até o fechamento desta reportagem.

Conteúdos relacionados