Com notas diferentes na OAB e Enade, cursos de direito criticam prova do MEC

O ensino jurídico no Brasil – criticado com frequência pelo alto índice de reprovação na prova necessária para que o bacharel em direito possa atuar como advogado –, quando avaliado tanto pelo governo quanto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revela diferenças significativas nos conceitos dos cursos de direito. A comparação do índice de […]

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O ensino jurídico no Brasil – criticado com frequência pelo alto índice de reprovação na prova necessária para que o bacharel em direito possa atuar como advogado –, quando avaliado tanto pelo governo quanto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revela diferenças significativas nos conceitos dos cursos de direito. A comparação do índice de aprovação das melhores e piores universidades no exame da OAB com o conceito recebido no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) 2012 mostra que uma instituição pode aprovar apenas 3,33% dos inscritos no Exame de Ordem e, ainda assim, receber conceito satisfatório na avaliação do Ministério da Educação (MEC).

Em outro extremo, a universidade que teve o melhor desempenho do País em uma das provas da OAB recebeu um conceito ruim do MEC – e, se repetir a nota baixa no Enade, corre o risco de ter o vestibular suspenso. Esses são alguns dos exemplos encontrados em uma pesquisa que levou em consideração as notas dos cursos de direito testados no final de 2012 com o 8º exame a OAB, aplicado no mesmo período. Apesar de destacarem que os métodos de avaliação têm objetivo diferentes, professores ouvidos pelo Terra criticam o Enade por considerar que a nota tem apenas o intuito de conceituar uma instituição, e não examinar também o aluno.

Quase um terço das faculdades de direito analisadas no final do ano passado recebeu notas diferentes em dois dos principais exames de avaliação do ensino superior no Brasil, conforme dados oficiais da OAB, do MEC e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Instituições que receberam conceitos discrepantes atribuem a incongruência revelada nos exames à falta de motivação dos formandos ou a uma deliberada vontade de receber notas baixas como forma de punição à universidade onde estudam. Isoladamente, avaliam, nenhum dos dois avaliadores é eficaz.

“Os estudantes não têm nenhum interesse pelo Enade. Ao contrário, muitas vezes usam o exame como forma de punição às instituições e seus dirigentes”, afirma Adriana Henrichs Sheremetieff, professora da Universidade Católica de Petrópolis que estudou o Enade e o Exame de Ordem como estratégias de avaliação dos estudantes e dos cursos jurídicos em seu mestrado. “O Enade tem caráter de avaliador institucional e o Exame de Ordem tem se refletido como avaliador de competência do futuro advogado”, compara Adriana.

Bem na OAB, mal no Enade

Ela acredita que, “como a prova não produz um resultado objetivo, prático e imediato na vida do universitário, ele não se empenha para ter um desempenho excelente nessa avaliação”. Assim, “o impacto imediato é sentido pela faculdade, e não pelos universitários”, que não raro decidem boicotar o Enade como forma de criticar a avaliação – algo que não se repete na prova da OAB, porque dela depende a licença para um bacharel em direito trabalhar como advogado.

Especialistas apontam essa diferença como fundamental para explicar um bom índice de aprovação no Exame de Ordem aliado a um conceito insatisfatório no Enade. Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), o professor Carlos André Huning Birnfeld argumenta que a motivação dos estudantes é diferente em ambas as avaliações. “O Exame de Ordem o aluno disputa valendo alguma coisa; no Enade o aluno não disputa nada. É um indicador que tem essa debilidade, que não muda a vida do aluno: ele pode rodar, tirar zero, e nada muda para ele. Uma coisa é fazer uma prova de que depende sua carteira; outra, passar em um teste que não vale nada”, afirma Carlos André.

Mal na OAB, bem no Enade

Se por um lado a falta de interesse pode explicar uma nota ruim no Enade, o que leva os estudantes de uma universidade com conceito satisfatório a receber uma baixa taxa de aprovação no exame da OAB? Coordenadora do curso de direito da Faculdade Aldete Maria Alves (FAMA), de Minas Gerais, a professora Janaina dos Reis Guimarães crê que muitos alunos não se motivam a participar da prova porque não precisam da licença para as vagas que almejam em suas carreiras, mas participam da avaliação para testar seus conhecimentos. “Muitos alunos já estão empregados e não têm interesse em prestar o Exame da Ordem”, garante Janaina.

A FAMA recebeu conceito “bom” na avaliação do MEC (nota 4, em uma escala que vai de 1 a 5), mas teve apenas 3,33% de aprovação no 8º Exame de Ordem: dos 60 participantes, somente dois receberam licença para trabalhar como advogados. Com esse resultado, ficou entre as 15 faculdades com pior desempenho na prova da OAB, realizada em 2012. “Mesmo com essa discrepância, o índice (de aprovação) melhorou muito nos últimos anos”, afirma a coordenadora do curso de direito. “Não são todos os inscritos que querem exercer a advocacia: muitos acabam fazendo a prova mesmo sem querer ser advogados”, avalia Janaina.

“No Exame de Ordem, eles estão filtrando muito. Os alunos brincam que é mais fácil passar em um concurso do que no exame da OAB. Também por isso há muito desinteresse do aluno.” Para ela, a diferença nas notas também ocorre porque a faculdade fica em uma cidade pequena (Iturama é um município de aproximadamente 35 mil habitantes), que tem um papel social na região diferente de universidades maiores. “Iturama é uma regão muito carente de faculdades em volta. O MEC às vezes não tem a visão da função social de uma instituição, e a OAB menos ainda. Precisaria haver uma parceria, e não nos colocar em lados opostos da trincheira.”

Para que servem os exames?

Os especialistas ouvidos pelo Terra acreditam que, enquanto o Exame de Ordem se transformou na porta de entrada para o mercado de trabalho – uma vez que não basta aos estudantes dos cursos de direito terminar a graduação para se iniciar na carreira jurídica –, o Enade funciona mais como um método de avaliar o nível de ensino das faculdades.

“No momento, o Enade vem se colocando como imposição do Estado, realizado por agentes externos e assumindo uma função claramente regulatória e ranqueadora. Também a OAB, embora afirme não considerar o Exame de Ordem como um avaliador da qualidade dos cursos, se utiliza de seus resultados para conferir aos cursos distinção de qualidade por intermédio da concessão de selo de recomendação”, defende a professora Adriana Henrichs Sheremetieff.

Importância dos métodos de avaliação

A especialista explica que “a expansão desordenada dos cursos jurídicos, nas últimas décadas, trouxe a preocupação com a qualidade do ensino oferecido, que se concretizou com a necessária implantação de mecanismos de avaliação”. Adriana, porém, faz um alerta: “infelizmente tais formas de avaliação podem transformar os cursos jurídicos em meros cursos preparatórios. Embora os resultados de tais exames estejam sendo usados como parâmetros de qualidade, considero que a qualidade de um curso jurídico está no cumprimento das diretrizes estabelecidas pelo CNE, no fortalecimento do tripé ensino, pesquisa e extensão e em um corpo docente qualificado e valorizado.”

O diretor do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca, concorda que as avaliações são necessária, mas defende que o Enade, principalmente, precisa passar por modificações. “Avaliar o ensino de graduação, em particular de direito, é fundamental. (O exame) é positivo, mas acho que o Enade é um teste que precisa de muitas ajustes em vários níveis. Ele avalia a educação jurídica de forma parcial, e a educação jurídica vai muito além daquilo que o Enade faz”, diz o professor, cuja faculdade boicotou a última edição do Enade.

Faculdade não explica discrepância

O caso peculiar de uma universidade que ficou entre as melhores colocadas no Exame de Ordem e recebeu conceito insatisfatório na avaliação do MEC não foi explicado pela administração. A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) teve 20 aprovados entre os 28 presentes no 8º exame da OAB, mas recebeu conceito 2 (insatisfatório) no Enade 2012. Se repetir o mau desempenho na avaliação do MEC, a Uesb pode ter suspenso o ingresso de novos alunos.

A reitoria da universidade não quis se pronunciar sobre o caso. Ao Terra, o assessor de comunicação da Uesb Alvino Brito Filho afirmou que reitor e pró-reitora não estavam disponíveis para comentar os resultados, e que não seria divulgada uma nota sobre o assunto.

A reportagem também tentou conversar com representantes da OAB para comentar a diferença nos resultados, porém não obteve retorno. O presidente da Comissão Nacional de Educação Jurídica da OAB, Eid Badr, foi procurado ao longo de uma semana para comentar o assunto, mas não atendeu às ligações da reportagem.

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