Ivo Pitanguy: cirurgião plástico é o psicólogo com bisturi na mão
O mineiro Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy, ou apenas Ivo Pitanguy, como é mundialmente conhecido, esteve em Campo Grande para o lançamento da exposição de telas de seu filho, Bernardo Pitanguy. A reportagem do Midiamax conversou com o cirurgião sobre as mudanças da cirurgia plástica e da banalização das cirurgias corretivas. Pitanguy falou ainda […]
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O mineiro Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy, ou apenas Ivo Pitanguy, como é mundialmente conhecido, esteve em Campo Grande para o lançamento da exposição de telas de seu filho, Bernardo Pitanguy. A reportagem do Midiamax conversou com o cirurgião sobre as mudanças da cirurgia plástica e da banalização das cirurgias corretivas. Pitanguy falou ainda da grande procura por pessoas que não necessitam de operações e dos avanços obtidos nos últimos tempos.
Midiamax – A cirurgia plástica tem como princípio reparar ou melhorar o corpo humano. Partindo desse princípio, os pacientes são para os cirurgiões suas obras de arte?
Pitanguy – Num corpo existem as leis da anatomia, o que não impede nossa criatividade. Mas a nossa criatividade maior é o bem-estar do outro. De modo que é uma complexidade diferente e não quer dizer que não exista arte, porque a própria medicina, numa definição aristotélica-tomista significa arte aplicada. Nós não somos ciências dogmáticas como a engenharia.
Midiamax – O bom senso na hora de decidir a cirurgia também é fundamental?
Pitanguy – É muito importante, alem da técnica cirúrgica, em quem você aplica, porque também tem suas limitações. Muitas vezes as pessoas tem um precedente de uma resolução mágica em relação a cirurgia plástica, de que quer encontrar a juventude.
Midiamax – No começo, a cirurgia plástica era direcionada apenas para cirurgias reparadoras?
Pitanguy – No meu ponto de vista não. Como eu dou curso para cirurgiões, a formação é a mesma, porque na cirurgia plástica reparadora, a estética também está incluída.
Midiamax – Hoje mudou muito?
Pitanguy – Não. A cirurgia plástica evoluiu muito no princípio deste século. Aqui no Brasil, a introdução do ensino da cirurgia plástica estética, na realidade foi eu quem fiz, na minha enfermaria da Santa Casa. Geralmente o doente procura o serviço pago pelo Estado, que é só de cirurgias reparadoras. Mas quando a mulher tem vários filhos, por exemplo, ela tem um abdômen aberto e isso não é considerado reparadora, é considerada estética, mas a reparadora é parte do nosso serviço. Quando a pessoa está descontente e é uma pessoa normal que muitas vezes não sabe envelhecer, nos devolvemos a ela a alegria de viver, e isso é muito importante. Você não mede pela dimensão do sofrimento da aparência, pela dimensão do trauma, um sofrimento ou outro.
Midiamax – Mas o Sr. acredita que existe uma banalização das cirurgias plásticas?
Pitanguy – Esse sentido de considerar banal, a cirurgia estética, é um sentido errado. Algumas pessoas que fazem isso causam um grande dano. A própria cirurgia em questão (reparadora) foi criada na minha escola, como a de mãos, e outras. O que aconteceu é que cada uma dessas especialidades foi desenvolvendo muito, ao ponto que, se um indivíduo quiser fazer, não pode mais fazer todas. Hoje existe um que conhece muito bem mãos, outro maxilo-facial, outro oftalmoplástica, e assim por diante.
Midiamax – Mas o Sr. é bastante conhecido também pelas cirurgias estéticas?
Pitanguy – Eu na minha parte privada tenho até hoje e com muita satisfação, muitas cirurgias reparadoras e estéticas, faço uma coisa e outra da mesma forma. Esse preconceito contra a estética é errado, mas a banalização da estética é errada também.
Midiamax – O Sr. acredita que as pessoas estão muito mais escravas da imagem nos últimos tempos, querendo os mesmo narizes, mesmos peitos, de uma forma quase que industrializada?
Pitanguy – Primeiro que não devem ter os mesmo narizes, nem os mesmos seios. Cada ser humano tem características da diversidade. Quando vai se fazer uma cirurgia, em uma determinada pessoa, tem que ver se a alteração faz parte das características daquela pessoa. Você não vai transformar raças negras em raças brancas, nem índias ou outras, porque existe beleza em todas elas. Agora é muito importante levar em conta a naturalidade. Não se deve corrigir demais. Esses seios que são muito grandes, por exemplo, eu acho feio, tem que ser proporcional ao tamanho, mas também a vontade da pessoa.
Midiamax – Mas das pessoas que procuram a cirurgia plástica, existem aquelas que não precisariam passar pelo procedimento?
Pitanguy – A pessoa que se vê e não sabe se orientar, cabe ao médico orientá-la. Se ela quer ficar com a cara sem nenhuma ruga, não vai operar, tem que explicar que vai perder aquele equilíbrio. Portanto, o mais importante é que a pessoa esteja bem com ela, com a sua imagem e não para o outro que a vê.
Midiamax – É muito frequente essa procura desnecessária?
Pitanguy – É muito frequente moças bonitas me procurarem para fazer uma coisa ou outra. Nesse caso você sente que ela não esta se vendo. Mas primeiro eu tenho que ouvi-la, porque antes de eu ser cirurgião eu sou médico e se ela me procurou é porque quer uma opinião minha. Eu examino, sempre com uma médica que prepara os doentes para que eles não fiquem constrangidos. Se neste momento eu vejo a pessoa perfeita e não tenho o que fazer, não digo isso logo pra pessoa. Mas digo que a vendo não encontrei nada que tenha necessidade de operar. Agora se ela insistir que tem isso e isso, na verdade é porque essa pessoa não está se vendo como eu as vejo. Então, se eu as operasse elas seriam sempre infelizes.
Midiamax – E o que deve ser feito pelo médico nesses casos?
Pitanguy – Essas pessoas tem que ser conduzidas a um psicoterapeuta, alguém que possa ajudá-las. E eu sou o elemento que não vou operá-la, vou conduzi-la. Quando é no hospital geral é mais fácil, porque lá nós temos todas as especialidades, psicóloga, nutróloga – porque em muitos casos se esta acima do peso tem que perder peso. Já numa clínica privada eu posso conduzi-la a outro médico, mas esse é o cliente infeliz e que nunca vai ficar feliz, porque não esta mentalmente preparado. Isso é muito importante nessa avaliação. Por isso muitas vezes, você sai do consultório com cansaço mental, porque a conversa é difícil, tem que fazer o outro compreender.
Midiamax – O Sr. se lembra de algum caso inusitado em que se recusou a operar?
Pitanguy – Eu tive um cliente, uma vez, um rapaz espanhol, não tinha nada muito que operar. Eu já tenho pela vivência, uma certa experiência de sentir a pessoa. Mas em todo caso, você tem que ouvi-lo e muito, porque essa conversa pra ela é importante. Acabou que ele foi encaminhado por mim e fez três sessões com uma psicóloga. Depois ele voltou pra me agradecer, por não tê-lo operado. Ele descobriu que o que ele tinha realmente é que não gostava muito do pai e ele era a cara do pai dele.
Midiamax – Então além de cirurgião, o Sr. acaba atuando como psicólogo também?
Pitanguy- Sim. Psicólogo com bisturi na mão.
Midiamax – Atualmente o Sr ainda faz cirurgias, ou apenas supervisiona?
Pitanguy – Bom, eu ainda faço consultas clínicas, mas limitei o atendimento sendo apenas nas quartas-feiras, de 10 até 15 pessoas no máximo. O fato de continuar fazendo o que se gosta é o maior incentivo para continuar. Paralelo a isso tenho uma evolução própria com a minha orientação, e dentro dessa orientação tenho três cirurgiões excelentes, com experiência de mais de 15, 20 anos, que executam aquelas cirurgias mais frequentes. Quando é um caso que requer minha presença, eu vou então a sala verificar as partes mais importantes da cirurgia, em casos de orientação direta.
Midiamax – A história de vida do Sr. sempre foi pautada, em grande parte, por serviços voluntários. Hoje o Sr. ainda presta esse auxílio?
Pitanguy – Faço serviço voluntário permanente. Tenho um trabalho há 50 anos na Santa Casa, voltado para a população carente, no Rio. Quem dirige esse serviço sou eu. Fora do Brasil eu já fiz vários serviços, mas nunca fui viajando como médico itinerante. Agora, recebo gente de todo o mundo na própria Santa Casa. Essas coisas todas a gente tem que atender. E na minha clínica particular também eu opero gente de todo o mundo.
Midiamax – Durante sua trajetória médica o Sr. passou por muitas realidades diferentes, em relação a vivência em outros países?
Pitanguy – Sim. Minha trajetória médica é longa. Primeiro eu passei dois anos nos EUA aprendendo, já como médico formado em cirurgia geral. Depois passei na França e na Inglaterra, ai voltei para o Brasil. Trabalhei na Alemanha, na Suíça e na Itália, mas há muitos anos trás. Já fui dar conferência em vários lugares, em Harvard inclusive. Fui professor visitante no mundo todo, desde Cingapura e toda parte. Sempre fui muito ativo na minha produção acadêmica, mas agora, devido ao passar dos anos, estou limitando isso, por não ter mais a mesma resistência física.
Midiamax – Mas continua a receber prêmios e homenagens?
Pitanguy – Sim. Agora em Montpellier, na França, tenho uma homenagem que querem me conceder. La é a primeira escola de medicina do mundo e eles querem me conceder título de Doutor Honoris Causa, que é um titulo atribuído à personalidade que se tenham distinguido pelo saber ou pela atuação em sua área. Então me convidam para me dar esse titulo, que é um reconhecimento muito importante. Quando tem um convite desses você fica um pouco tentado a ir, porque essa parte acadêmica, quem a faz, vive-a com intensidade.
Midiamax – Qual foi o trabalho que o Sr, considera o mais importante de toda a sua trajetória?
Pitanguy – A melhor coisa é ter uma vida dedicada a alguma coisa e se fizer bem as pessoas melhor. Para mim, uma das coisas mais importantes que eu fiz foi transmitir o meu conhecimento.
Midiamax – E o maior avanço da cirurgia plástica?
Pitanguy – O maior avanço é a compreensão do que não podemos e do que podemos fazer. Em todos os sentidos são muito importante as diversas funções dentro da cirurgia, que eu não chamo só de estética, mas de estética reparadora. Os grandes problemas nossos vieram com a evolução da medicina. Hoje em dia você ter um intensivista, um especialista pra ajudar, porque antigamente era o cirurgião que tinha que fazer tudo. Essa divisão é um dos maiores avanços para mim. Hoje se opera com mais segurança para o paciente. Contudo, nossa especialidade exige menos profissionais que em outras especialidades como oftalmologia, neurocirurgia, porque nosso procedimento ainda é muito artesanal. Não precisa tanto de novidade e aparelho, temos fios cirúrgicos e algumas são por videoscopia, mas são poucas. Existe esse avanço de pessoal e outro muito importante que é o imunológico, porque já se começa com uma equipe bem formada, principalmente em casos de transposições de tecido e outros órgãos, que são feitos nas reparatórias e em casos muito selecionados.
Midiamax – Dentro de todo o seu trabalho na medicina o Sr ainda tem assento na Academia Brasileira de Letras?
Pitanguy – É verdade. A academia foi formada dentro do espírito da academia francesa, que é o Instituto da França, e esse instituto no sentido de academia tem uma maneira mais ampla de ver a cultura. Não considera só a cultura do romancista. Eu já escrevi muitos livros, mas grande parte da minha produção é de livros técnicos, científicos e três ou quatro brincadeiras, inclusive um livro pra crianças. Na realidade a academia escolhe sempre um ou dois membros que não sejam puramente literários e isso, para mim, cria uma harmonia.
Midiamax – Dos filhos e netos quantos seguiram a medicina?
Pitanguy – Tenho três filhos e uma filha, e cinco netos todos homens, mas nenhum casado. O Bernardo é o único artista, minha filha é da medicina psiquiatrica. E meu neto que também esta se formando em medicina. Meu pai era médico. Mas o que é bonito deixar cada um seguir seu caminho. Tem um provérbio árabe que diz que nós somos arcos e os filhos as flechas, Gibran (Gibran Khalil Gibran), que diz que tem que estender o arco e deixar eles partirem, respeitar o outro.
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