FMI e Banco Mundial divergem sobre fortalezas do Brasil
É consenso entre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) que a forte entrada de capital estrangeiro para o Brasil é ao mesmo tempo benéfica e perigosa. Como apontaram as duas instituições durante sua reunião anual, em Washington, o mesmo capital que injeta recursos nas economias dos países emergentes cria pressões inflacionárias, distorce […]
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É consenso entre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) que a forte entrada de capital estrangeiro para o Brasil é ao mesmo tempo benéfica e perigosa.
Como apontaram as duas instituições durante sua reunião anual, em Washington, o mesmo capital que injeta recursos nas economias dos países emergentes cria pressões inflacionárias, distorce a taxa de câmbio e causa danos ao bater em retirada às pressas.
Nesta quarta-feira, ambas divergiram em suas avaliações sobre o espaço de manobra do governo brasileiro para lidar com uma hipotética fuga de recursos causada por um deterioro da economia global – como aconteceu após a quebra do banco Lehman Brothers, em 2008.
O relatório anual de Estabilidade Financeira do FMI (Global Financial Stability Report) sustenta que a saída abrupta de capitais teria um impacto “considerável” no crédito e no Produto Interno Bruto (PIB) dos mercados emergentes.
“Se os fluxos líquidos de capital recebidos pelos mercados emergentes entre 2009 e 2011 fossem revertidos ao longo de um trimestre – como aconteceu durante a crise do Lehman – o crédito cairia entre 2% e 4% e o crescimento do PIB desaceleraria entre 1,5 e 2 pontos percentuais em média”, avalia o relatório.
“Para um país como o Brasil, que recebeu uma grande quantidade de capital estrangeiro durante o período, o impacto no crescimento poderia chegar a 2 pontos percentuais”.
Capital volátil
Desde o aplacamento da crise na zona do euro, no fim do ano passado, os países emergentes voltaram a receber recursos de investidores com apetite para o risco.
De acordo com o Banco Mundial, só as sete maiores economias latino-americanas receberam juntas, em janeiro e fevereiro deste ano, uma média de US$ 4,4 bilhões por mês em recursos provenientes de fundos de investimento.
O valor, apenas uma amostra da carteira de fundos mútuos de investimento, representa quase oito vezes mais que a média registrada nos dois primeiros meses de 2011, de US$ 555 milhões.
“O problema é que esse tipo de capital de mercado, diferente do capital dos bancos, não contribui para a estabilidade”, disse a jornalistas nesta quarta-feira o economista-chefe do Banco Mundial para América Latina e Caribe, Augusto de la Torre.
“Ao contrário, as carteiras que entram e saem dos mercados emergentes tendem a reagir mais a fatores globais que a fatores específicos dos países.”
Como a retomada econômica nos EUA e na Europa ainda é “frágil” – para utilizar uma palavra de consenso em todos os documentos divulgados nesta semana -, a avaliação é que o menor sinal de crise nos países desenvolvidos poderia voltar a desestabilizar os fluxos de capital financeiro.
Mas De la Torre crê que o Brasil estaria em uma posição privilegiada, pelo menos na América Latina, para tal choque.
“Alguns fatores tornam o Brasil um caso especial. Primeiro, uma economia doméstica imensa, que pode gerar atividade econômica com base na sua demanda interna. Segundo, um sistema monetário robusto. Terceiro, uma flexibilidade cambial com um nível de reservas muito alto”, enumerou o economista.
“Se o Brasil enfrentar um choque externo, pode baixar os juros (se o choque externo for muito forte), pode deixar sua moeda se desvalorizar (se a queda no preço das commodities for muito agudo) e pode usar as reservas internacionais para amortizar o efeito da saída dos fluxos financeiros.”
Riscos
Já para o FMI, nem o estoque brasileiro de reservas (mais de US$ 365 bilhões), hoje capazes de cobrir as necessidades de financiamento de curto e médio prazo, seriam suficientes para compensar os impactos causados por uma saída apressada de capitais.
Nas atuais condições, avalia o Fundo, o sistema bancário europeu deverá passar por um significante processo de se desfazer de seus ativos – a chamada desalavancagem – causando impacto em outras regiões do mundo.
Uma simulação feita pelos economistas da entidade prevê que 58 grande bancos europeus cortem até 7% de seus ativos – algo como US$ 2,6 trilhões de dólares – até o fim de 2013, seja através da redução dos empréstimos ou de suas operações no exterior.
Para a América Latina e o Brasil, o impacto seria pequeno, já que – como lembrou o diretor do Departamento Monetário e de Mercados de Capitais do FMI, José Viñals – apenas alguns grandes bancos planejam reduções de suas operações na região, e esses vazios têm sido prontamente preenchidos pelos bancos locais.
Mas no pior cenário, ele lembrou, a amostra de bancos poderia cortar US$ 3,8 trilhões ou 10% de seus ativos. Isto reduziria o crédito na zona do euro em 4,4% e o PIB médio dos países seria afetado em 1,4 ponto percentual.
“Fora da zona do euro, a região mais afetada pelo processo de desalavancagem seria a Europa emergente, mas outros emergentes provavelmente não ficariam imunes”, afirmou Viñals. “Um choque externo como este combinaria vulnerabilidades domésticas e comprometeria ainda mais a estabilidade global.”
Limitações
É neste cenário de deterioração que o FMI levanta dúvidas sobre a eficiência dos mecanismos brasileiros de contenção de novas crises. O vice-diretor do Departamento Monetário e de Capitais do FMI, Jan Brockmeijer, notou que “há certas limitações em termos de políticas que um país como o Brasil pode adotar”.
“Quando você tem uma expansão do crédito como houve no Brasil isso limita a sua capacidade de continuar emprestando mais (para estimular a economia)”, disse o economista a jornalistas em Washington.
Segundo dados do relatório, o crédito no Brasil experimentou saltos de 20% em média no período de 2008 a 2011, alcançando uma proporção equivalente a quase a metade do PIB nacional no início deste ano.
Além disso, o país contou com investimentos generosos do Banco de Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que ajudaram a conter os efeitos da primeira fuga de divisas, em 2008.
“Porém, a expansão continuada das carteiras dos bancos públicos e privados já levou ao aumento da inadimplência. Sob essas circunstâncias, o escopo para usar o canal do crédito a fim de conter choques negativos é limitado.”
Em um cenário de fragilidade econômica e volatilidade nos mercados, os especialistas preferem recomendar cautela e fazer alertas aos países. “A única coisa de que temos certeza”, diz Augusto de la Torre, “é a incerteza”.
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