Estudo no exterior reserva armadilhas para universitários brasileiros

Apesar das dicas de preparação de feiras de estudos no exterior, agências e palestras de universidades, estudantes brasileiros que se candidatam a programas de mestrado e doutorado na Europa ainda encontram algumas surpresas desagradáveis. Um custo de vida mais alto do que o esperado, exigências das instituições e dos países e a burocracia para a […]

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Apesar das dicas de preparação de feiras de estudos no exterior, agências e palestras de universidades, estudantes brasileiros que se candidatam a programas de mestrado e doutorado na Europa ainda encontram algumas surpresas desagradáveis.

Um custo de vida mais alto do que o esperado, exigências das instituições e dos países e a burocracia para a revalidação do diploma no Brasil são algumas das queixas mais frequentes, mas o conselho dos que já passaram pelo processo é quase sempre o mesmo: planejamento redobrado.

Entenda quais são os principais problemas e saiba como se adiantar a eles:

O preço da moradia

Estudantes de programas governamentais como o Ciência sem Fronteiras chegam à Europa sem a preocupação de conseguirem um lugar para morar, já que o programa inclui a acomodação. Mas a maior parte dos pós-graduandos brasileiros na Europa aprende que, ao contrário do que se imagina, as residências estudantis das universidades não são a opção mais em conta.

“Muitas vezes, a residência é mais cara do que alugar um apartamento pequeno ou dividir um apartamento com colegas ou amigos. E nem sempre se tem facilidades como uma pessoa contratada para fazer a limpeza”, disse à BBC Brasil Diego Scardone, diretor da Associação de Estudantes de Pós-graduação e Pesquisadores Brasileiros no Reino Unido (Abep).

Em capitais como Londres e Paris os preços podem chegar a ser equivalentes, por conta do valor alto dos alugueis, mas em cidades menores que abrigam universidades consagradas, como Oxford e Cambridge, na Grã-Bretanha, as residências são consideradas mais caras e preferidas somente por quem quer ter a experiência de morar no campus.

“Na Grã-Bretanha, as residências estudantis são privadas e o dinheiro ganho com elas é usado para subsidiar as universidades. Mas agora com todos esses cortes no ensino superior, eles estão aumentando os preços para cobrir os buracos, ao invés de favorecerem aos estudantes”, afirma Scardone.

De um modo geral, é possível encontrar apartamentos e quartos para alugar em regiões mais baratas através de sites e anúncios nos murais das próprias universidades. No entanto, o processo de aluguel também costuma criar outras preocupações – e um gasto inicial maior.

Em muitas cidades, agências e proprietários exigem que o estudante tenha um fiador local ou que pague um ou dois meses de aluguel adiantados, além de algum tipo de caução. “Geralmente, universidade não pode ajudar em nada, a não ser fornecendo um carta que confirme a matrícula do aluno.”

A estudante brasiliense Renata Moreira, mestranda em Indústrias criativas na Universidade Paris 8, diz que uma boa alternativa é se preparar para gastar um pouco mais do que o planejado inicialmente.

“Eu saí do Brasil pensando que gastaria pelo menos 500 euros por mês de aluguel, depois de pesquisar preços pela internet. Vendi meu carro e me organizei, mas isso nunca aconteceu. Fiquei um mês e meio no sofá dos amigos procurando lugares e tive muita dificuldade. Acabei indo morar com uma amiga de amigos em um estúdio de 30 metros quadrados, pagando 600 euros por mês”, disse à BBC Brasil.

Depois de três mudanças em um ano, Renata conseguiu um apartamento através de uma agência que alugava para estrangeiros que moram na capital parisiense. “Se você é estudante e, portanto, não tem renda fixa, está no fim da fila das agências comuns de aluguel”, diz ela.

A desorganização nas universidades

Informações incompletas e até perda de documentos dos estudantes são algumas das histórias contadas por brasileiros que estudaram na Inglaterra, na França e na Espanha.

A estudante baiana Camila Alvarez, que chegou a sofrer a ameaça de deportação depois que a London Metropolitan University (LMU) perdeu a licença para pedir a emissão de vistos para alunos estrangeiros, diz que ficou sem informações durante a confusão causada pela decisão polêmica do governo britânico. “Eles diziam para nós que também não sabiam o que estava acontecendo, mas já deviam estar cientes daquele processo.”

Depois que a decisão foi revogada, a LMU disse ao grupo de 60 brasileiros que eles não teriam o reembolso total do pagamento, caso quisessem deixar a instituição, já que poderiam se manter no país por um ano com o visto de estudante. “Não sei se quero ficar aqui, porque não me sinto segura de que nada mais irá acontecer. Mas sem esse reembolso, fica difícil pagar um curso em outro lugar”, disse Camila à BBC Brasil.

Falhas na organização de universidades parisienses também prejudicaram o jornalista Diego Damasceno, que acaba de completar o mestrado em Estudos cinematográficos e audiovisuais na universidade Paris 3.

“Eu fui aceito primeiro pela (universidade) Paris 8. Normalmente os aceites saem em julho ou agosto e o semestre começa em outubro, mas o meu saiu somente em novembro. Essa demora me custou metade do semestre.”

“Minha namorada, que estudava na Paris 3, para onde eu também tinha me candidatado, passou na secretaria para saber se eu havia sido aceito lá também, porque até novembro eu não tinha recebido nem sim, nem não. Ela descobriu que sim, eu havia sido aceito, mas eles não tinham me comunicado porque meu dossiê tinha sido perdido”, contou à BBC Brasil.

Segundo Damasceno, o que resolve é insistir. “Perguntar é muito importante. Nem tudo está claro ou visível e há coisas burocráticas que só descobri lá. Não diria que os funcionários foram solícitos, mas a insistência dá frutos.”

Segundo Diego Scardone, na Grã-Bretanha também é importante procurar os departamentos específicos nas universidades que ajudam os estudantes estrangeiros, mas nem sempre o melhor é aceitar como final tudo o que os funcionários dizem. “Esses profissionais estão lá para ajudar, mas muitas vezes eles dão informações erradas ou incompletas, é preciso ficar no pé e questionar”, aconselha.

Ter que comprovar a renda antes da viagem

A maior parte das universidades e dos consulados europeus exige algum tipo de comprovação de renda conceder o visto ao estudante. No entanto, muitos pós-graduandos são pegos de surpresa pela exigência de ter todo o dinheiro para o curso e para se manter no país meses antes da viagem.

“Foi difícil juntar o dinheiro, eu não tinha na mão. Se você já trabalha e não depende nem pode depender dos pais, é difícil, porque de repente você tem que ter, digamos, 5 mil euros, para comprovar que pode se sustentar na cidade”, disse Diego Damasceno.

“Planejamento é uma dica óbvia, mas é importante. Acho que vale a pena até adiar por um ano a ida, para juntar mais dinheiro. Outra possibilidade é tentar programas que incluam trabalho ou estágio, embora isso não se aplique a todas as áreas ou cursos.”

O designer Daniel Cabral, que está em Londres para um mestrado na Chelsea College of Art and Design, teve que comprovar uma quantia ainda maior para conseguir o visto.

“Comecei a me planejar para o mestrado em 2010 e, calculei o dinheiro com o câmbio da época – cerca de R$ 35 mil para o curso e R$ 24 mil para viver em Londres. Dei início a todo o processo e quando finalmente fui aprovado, em março de 2012, vi que o câmbio tinha piorado e que precisava de mais dinheiro”, conta.

“Ao me informar sobre o visto, descobri que precisava ter todo o dinheiro – o pagamento do curso e mais o equivalente a nove meses de estadia em Londres, considerando mil libras por mês – 30 dias antes de entrar com o pedido. O dinheiro também teria que ficar parado na minha conta durante aquele mês, sem que fosse usado para outra coisa.”

Com o aumento do valor da libra e também do valor do curso neste meio tempo, ele teve que juntar cerca de R$ 10 mil a mais. “Acho que uma coisa importante é se planejar para levantar pelo menos 10% além do valor calculado inicialmente, por causa das flutuações do câmbio. É ruim perder um curso para o qual você se preparou por tanto tempo porque, na hora, não tinha dinheiro a mais para dar.”

A revalidação do diploma

Um dos processos mais custosos e complicados para os estudantes de pós-graduação no exterior é a revalidação dos diplomas obtidos no Brasil. Apesar do incentivo para que estudantes brasileiros façam cursos na Europa e em outros países, torná-los oficiais no país pode custar até R$ 5 mil e demorar entre seis meses e dois anos ou mais.

A burocracia também pode dificultar a inscrição em universidade europeias que não reconheçam os diplomas de graduação brasileiros. “Pra mim a complicação já começou no Brasil, porque a quantidade de papéis que a universidade espanhola pediu para reconhecer o meu título era muito grande, tive que traduzir todo o meu currículo escolar da graduação”, diz o jornalista catarinense Ricardo Viel, que faz mestrado em estudos latino-americanos na Universidade de Salamanca, na Espanha.

“Eu tive que comprovar para eles que tinha um título superior no Brasil com a quantidade de créditos que equivaleria a um daqui. Demorei pelo menos quatro ou cinco meses e gastei muito dinheiro, porque só existe uma tradutora juramentada para o espanhol em São Paulo, onde moro.”

A dificuldade acontece porque o Brasil não é signatário da Convenção de Haia, de 1961, que eliminar os atos de legalização de documentos nos consulados entre os países signatários. Dessa forma, os diplomas brasileiros nem sempre são aceitos no exterior como documentos oficiais e vice-versa.

Na primeira etapa da revalidação, o estudante precisa pagar para que o consulado brasileiro no país autentique o seu diploma. Mas desde o ano passado, é preciso também levar o diploma a um cartório local, que verificará sua autenticidade. “Isso é uma redundância, que não era necessária”, explica o Michael Freitas Mohallem, doutorando em direito público na University College of London.

“Essa primeira etapa é uma etapa burocrática, que seria evitada se o Brasil fosse signatário da Convenção de Haia. Mas até aí, o estudante ainda nem começou a entrar na discussão acadêmica.”

Já no Brasil, o estudante pode procurar tanto uma universidade pública quanto uma privada para o processo de revalidação. O critério de escolha deve ser encontrar um curso de pós-graduação que tenha disciplinas, carga horária ou linhas de pesquisa equivalentes ao curso europeu.

No entanto, cada universidade tem suas regras, seus critérios de avaliação e seu preço. O custo do processo de revalidação – sem contar com a tradução dos documentos exigidos pela instituição – varia entre cerca de R$ 200 e R$ 2 mil reais. E isso ainda não garante o reconhecimento do diploma.

“O que poucos estudantes sabem é que quando não obtém a revalidação, eles podem levar o caso para o Ministério da Educação, que tem uma visão mais favorável ao processo”, explica Mohallem.

O engenheiro gaúcho Diego Boesel foi bolsista do programa de pós-graduação europeu Erasmus Mundus e cursou, em 2009, um mestrado em automação espacial e robótica em universidades na Alemanha, Suécia e Finlândia. Seu diploma, no entanto, só foi revalidado em agosto de 2012, após despesas de R$ 5 mil.

“O que me complicou foi que eu só comecei a me preocupar em saber os documentos necessários depois de ter retornado para o Brasil. Aí a primeira coisa que aparece, para quase todas as universidades, é ter o diploma, histórico ou outro documento autenticados pela embaixada do Brasil no país”, disse à BBC Brasil.

“Eu não podia ir para a Europa e não queria enviar isso pelo correio para que alguém fizesse para mim, para não arriscar perder meus documentos. Então deixei isso parado até que voltei à Europa pra trabalhar e resolvi fazê-lo.”

Boesel também teve mais um contratempo, depois de reunir os documentos exigidos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde fez o curso de graduação, descobriu que a instituição tinha deixado de fazer revalidações de diplomas estrangeiros. “Eu fui buscar outra universidade e acabei tendo que juntar mais documentos ainda, porque cada uma delas requer documentos diferentes. Me pediram coisas que eu nem imaginava, como um comprovante de que o curso era presencial.”

O engenheiro, que hoje trabalha em uma empresa de suíça de microtecnologia, calcula que levou cerca de um ano para coletar todos os papeis e traduções. Ele também levou algum tempo para encontrar um curso equivalente ao seu nas instituições brasileiras.

“Vale a pena ver primeiro quais são os requisitos de cada universidade onde se poderia fazer a revalidação e tentar ir juntando os documentos à medida em que estiver fazendo o mestrado”, aconselha. “Mas é muito importante que isso seja feito antes de voltar para o Brasil, porque alguns documentos levam tempo para que a universidade consiga emitir.”

De acordo com Michael Mohallem, a exigência de semelhança entre os cursos de fora e os brasileiros é uma das maiores contradições do processo. “O governo financia a ida do estudante como bolsista para estudar fora, por exemplo, e depois não reconhece o diploma que ele mesmo havia considerado válido na candidatura das bolsas. Isso diminuiu, mas ainda existe. Especialmente quando o estudante vai fazer cursos interdisciplinares que são novos e é difícil encontrar equivalentes no país.”

Ele diz que o ideal é consultar sobre os cursos brasileiros equivalentes ao desejado antes mesmo da candidatura no mestrado europeu. “É um passo que quase ninguém dá, mas começa a ser uma vantagem.”

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