Após 50 anos, chega ao fim a era Abilio Diniz no Pão de Açúcar
Pela primeira em seis décadas, as vontades, a visão, as estratégias e os desejos de Abilio Diniz terão menos peso no Pão de Açúcar, o maior grupo varejista do País, a partir desta sexta. Por meio de um complexo acordo acionário com o grupo francês Casino, Diniz deixará de dar as cartas na empresa criada […]
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Pela primeira em seis décadas, as vontades, a visão, as estratégias e os desejos de Abilio Diniz terão menos peso no Pão de Açúcar, o maior grupo varejista do País, a partir desta sexta. Por meio de um complexo acordo acionário com o grupo francês Casino, Diniz deixará de dar as cartas na empresa criada por seu pai ainda na década de 1940 e a qual dedicou toda sua vida adulta. A princípio, a partir das 14 horas desta sexta, quem manda prender e quem manda soltar no império que faturou quase R$ 20 bilhões no ano passado é um francês baixinho, de origem argelina e que atende pelo nome de Jean-Charles Naouri.
É ele quem, às nove horas da manha dessa sexta-feira, deve assumir a presidência do Conselho de Administração da Wilkes, a holding que, de fato, dá as cartas em todo o grupo Pão de Açúcar. Ela foi criada em 2005, quando o varejista francês Casino, do qual Naouri também é presidente do Conselho, pagou US$ 900 milhões a Abilio para comprar uma fatia ainda maior do grupo varejista brasileiro – o primeiro aporte havia sido feito em 1999. Pelo acordo assinado há sete anos, a partir desta sexta Abilio tem até dois meses para vender um lote de um milhão de ações da Wilkes para o Casino. Se resistir em fazê-lo, o Casino tem o direito de comprar uma única ação, pelo preço simbólico de R$ 1,00 e, assim, se tornar o controlador da holding.
Com a nova configuração, Abilio até permanece na presidência do Conselho de Administração da Companhia Brasileira de Distribuição, a empresa que controla todos os negócios do grupo, desde os supermercados Pão de Açúcar até as operações na internet no Ponto Frio, por exemplo. Mas a composição desse Conselho muda radicalmente. Até esta quinta, Abilio tinha cinco assentos, ocupados por ele, seus três filhos e sua esposa, Geyze Marchesi Diniz. Outros cinco postos eram ocupados por integrantes do Casino, além de quatro conselheiros independentes.
Agora, Abilio terá direito a ter apenas três assentos no Conselho, enquanto o Casino passará para oito, com um conselheiro a mais do que existe hoje. No futuro, o Casino pode indicar ainda mais três e chegar a 11 conselheiros ou 18 no total. Quatro integrantes continuarão independentes, mas mesmo que decidam unir-se a Abilio, os Diniz sempre estarão em desvantagem. Como Naouri mal lhe dirige a palavra desde que, na visão do empresário francês, tentou evitar o que deve acontecer nesta sexta arquitetando uma fusão com o Carrefour – um dos principais competidores do Casino na França –, a tendência é que Abilio Diniz se transforme em um de seus maiores pesadelos: uma rainha da Inglaterra. Terá a pompa, como presidente do Conselho, mas não terá o poder. Para Abilio, no entanto, a união com o Carrefour era mais um movimento no sentido de continuar expandindo as operações do grupo.
Para transformar o Pão de Açúcar no gigante que faturou mais de R$ 56 bilhões no ano passado, Abilio Diniz não mediu esforços. Quando jovem, abandonou o sonho de uma carreira acadêmica nos Estados Unidos para abrir, com o pai, o primeiro supermercado da família, no fim dos anos 50. Nos anos 80, comprou briga com o governo José Sarney – foi acusado de conspirar contra o Plano Cruzado ao estocar quase 4 milhões de latas de óleo no auge do desabastecimento – e, como ele mesmo diz, tornou-se o “inimigo número um do Brasil”. Para assumir as rédeas do grupo, que por pouco não foi à bancarrota no início dos anos 90, entrou em uma disputa fraticida com os irmãos pelo controle da empresa. Por conta dessa briga, que o tornou o dono de fato da empresa, ficou anos sem trocar palavras com a mãe.
“A tarde da briga em que se selou o rompimento da família foi um dos meus piores momentos. Aquilo me fez questionar seriamente algumas das atitudes que tomei ao longo da vida: havia trabalhado duro para construir o Pão de Açúcar. Nunca parei para pensar na fragilidade de minha situação dentro da empresa”, escreveu ele em seu livro “Caminhos e Escolhas – O Equilíbrio para uma Vida mais Feliz”, misto de biografia e auto-ajuda que lançou em 2004, um ano antes de selar seu destino com o Casino.
Figura polêmica na década de 80, quando conseguiu que um de seus mais próximos colaboradores, Luiz Carlos Bresser-Pereira, se tornasse o substituto de Dilson Funaro – a quem tanto criticara – no Ministério da Fazenda, Abilio encerrou aquela década com um trauma. Foi sequestrado, às vésperas das primeiras eleições presidenciais diretas desde o Golpe Militar de 1964, por um grupo de guerrilheiros. Seus algozes, ao serem capturados, foram vestidos com camisas do PT e de apoio a Lula, que disputava a Presidência com Fernando Collor de Mello.
A partir dessa experiência Abílio passou por uma transformação profunda. De empresário com imagem de ganancioso passou a cultivar outra, a de um empreendedor inovador, um líder focado em resultados e um absoluto obcecado pela forma física. Em pouco mais de 10 anos, tirou o Pão de Açúcar de uma situação pré-falimentar para a liderança inconteste do varejo brasileiro, título conquistado em 2001, dois anos após o início da parceria com o Casino. Ganhou, assim, uma vaga no panteão dos maiores empresários da história do país.
Ao longo da última década expandiu de forma vigorosa o negócio criado por seu pai. Viu o valor de mercado da companhia sair dos R$ 5,5 bilhões para mais de R$ 23 bilhões – valor atingido em maio desse ano. Hoje são quase 150 mil empregados espalhados pelo País. Mas, ao cabo desse impressionante crescimento, acabou perdendo o controle sobre o império que criou. Ninguém ousa arriscar qual será o próximo passo de Abilio. Mas ao menos em um ponto não há divergência: não há quem acredite que ele ficará parado.
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