‘Temos um sistema prisional hipócrita’, diz procurador-chefe do MPF
No posto máximo do MPF, o de procurador-chefe, Blal Dalloul, responde perguntas polêmicas como a legalidade das escutas telefônicas, dos jogos no Brasil, e ainda, fala sobre a corrupção e as questões indígenas em MS
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No posto máximo do MPF, o de procurador-chefe, Blal Dalloul, responde perguntas polêmicas como a legalidade das escutas telefônicas, dos jogos no Brasil, e ainda, fala sobre a corrupção e as questões indígenas em MS
A mesa cheia de processos num feriado confirma que o Ministério Público Federal tem muito trabalho a ser feito. Mesmo na quinta-feira ‘Santa’, considerado ponto facultativo para funcionários públicos o procurador-chefe do Ministério Público Federal, Blal Yassine Dalloul se debruçou em cima dos vários processos que o órgão cuida. Em entrevista exclusiva ao Midiamax, Dolloul recebeu a equipe em seu gabinete para falar sobre assuntos polêmicos que passam pela responsabilidade do órgão, cujo papel é defender a coletividade.
Em pauta, a recente denúncia do uso de equipamentos audiovisuais no presídio federal de MS. “Temos um sistema prisional hipócrita”. “Temos a cultura da corrupção”.
Dalloul também respondeu perguntas sobre a Operação Xeque-Mate e a jogatina.
“O assunto deve ser trabalhado de forma muito mais profunda, pois o jogo tem ligação com tráfico, lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas(…). “Há dados que mostram que os números de policiais corruptos são alarmantes e imagine, em um País como o nosso, como vamos conseguir conter todos os fatores criminosos que estão ligados ao jogos. Sei também que alguns defendem como forma de entretenimento, mas há estudos que mostram que ele pode causar vício e com isso destruir famílias”.
“Assim como vemos famílias que são destruídas pelo vício em álcool e drogas, também vemos famílias que vivem o mesmo drama com os jogos”.
Sobre as questões indígenas, o procurador-chefe do MPF em Mato Grosso do Sul foi contundente ao dizer que o Brasil cometeu um erro histórico que deve ser reparado e tantos índios como fazendeiros terão que ceder.
Dalloul é chefe do MPF desde 1997 e ficou afastado da função somente no período de 2003 a 2004, sendo reeleito em 2005 de forma direta após ser indicado pelo procurador-geral da República Roberto Monteiro Gurgel. “Eu defendo um MPF atuante e sensível diante das questões sociais e da justiça em nosso país”.
Eis a entrevista:
Midiamax: Recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso do Sul protocolou um documento denunciando o uso de aparato de gravação de áudio e vídeo nas celas de encontro íntimo e nas celas dos parlatórios (local onde acontecem as entrevistas “reservadas” entre clientes e seus advogados) do presídio federal, em Campo Grande, como o senhor encarou essas denúncias?
Blal Dolloul: Nós do Ministério Público Federal trabalhamos em prol da sociedade e este aparato que está instalado no presídio federal realmente existe, porém só são utilizados quando é estritamente necessário e há indícios de que está ocorrendo comunicação que pode auxiliar na prática criminosa. Todo do aparato ali instalado é necessário para que possamos interceptar possíveis ações que venham a prejudicar a população.
São equipamentos utilizados com o respaldo da própria legislação brasileira, (Lei 9.034/95 e 9.296/96) e também em convenções internacionais, como a Convenção de Palermo, que é uma convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Devemos sempre frisar que o interesse coletivo impera sobre o interesse individual, ou seja, mais importante que a individualidade de um preso de alta periculosidade que mesmo de dentro das cadeias quer continuar comandando crimes, está o interesse da população.
Midiamax – Como?
Blal Dolloul – Eu vejo a denúncia da OAB como um ato de covardia, pois o MPF age de acordo com a legislação. Se há interesses conflituosos e pessoas que estão possivelmente infringindo a lei e colaborando com o crime, é preciso sim investigar. Nós temos o dever de combater o crime e de prestar contas à sociedade. E não podemos ser censurados por qualquer órgão que seja se estamos agindo de acordo com a lei. Temos exemplos de pessoas que pagaram um preço muito alto por fazer o que deve ser feito, aqui em MS podemos citar o juiz Odilon de Oliveira que vive ‘preso’ pois combateu de forma veemente a criminalidade no Estado. Um trabalho que o colocou entre os melhores e mais competentes juízes do Brasil, mas ele pagou um preço alto e por fazer o que era para ser feito, por isso, nós do MPF não podemos ter medo.
Midiamax: Qual a sua visão sobre o sistema prisional do país e sobre a instalação do presídio federal em MS?
Blal Dolloul – Mato Grosso do Sul foi o 2º estado a receber um presídio federal, e o preso que está indo para um regime disciplinar diferenciado não está recebendo um prêmio, e sim está entre os piores criminosos do país. Ou seja, temos sim que estar preparados para combater o crime organizado, pois já temos uma estrutura precária no sistema prisional brasileiro que quando é possível investigar mesmo que seja com gravação de sala de visita íntima e parlatório devemos fazer.
Devemos proteger a população e a cidade que se dispõe a receber presos como a Capital recebeu. Para mim há um aumento da criminalidade sim quando a cidade recebe presos perigosos como Fernandinho Beira-mar, pois ele não vem sozinho para a cidade e traz todo seu aparato pessoal, sejam defensores ou familiares e amigos. E vamos deixar a população à mercê disto? Não, o MPF tem o dever de atuar.
Midiamax: Então o senhor defende o uso de escutas para investigações tanto da polícia quanto do MPF em investigações?
Blal Dolloul – Claro! Temos o caso do agora ex-governador do Distrito Federal, Roberto Arruda, que é um caso onde a Justiça está em condições de atuar de forma exemplar e emblemática, pois as provas são contundentes e irrefutáveis. Aqui mesmo no MPF nós temos câmeras de filmagem. Você quando entrou hoje aqui teve que passar pelas câmeras, deixar o número do seu documento, ou seja, eu também sou filmado, também estou sujeito a ser gravado e investigado a qualquer momento, assim como qualquer outro membro do MPF.
É preciso ressaltar também que não podemos deixar a tecnologia de lado em nossos trabalhos, bem como não podemos instalar e desinstalar os equipamentos cada vez que é feita uma investigação. Se funcionasse assim, seriamos motivo de chacota para outros países e não surtiria efeito, pois o cara pensaria: “Ah, hoje eu serei filmado, então eu não vou falar nada”. Com o equipamento já instalado, volto a afirmar, só é feito o uso quando há necessidade e autorização judicial para isso.
Midiamax: Como procurador do MPF, qual a sua visão do sistema prisional instalado hoje no Brasil?
Blal Dolloul -Temos um sistema prisional hipócrita, que não recupera os presos e que acaba por gerar bandidos cada vez mais perigosos e aparamentados. Há celulares e todo tipo de comunicação dentro dos presídios e qual é o resultado? Mais crimes. Então, em um presídio como o presídio federal se podemos coibir essa prática, vamos coibir. Hoje, eu posso afirmar com 100% de certeza que não há celulares no presídio federal e isso já é um grande avanço para nós.
Midiamax: Uma questão que aflige o País é a impunidade e ações que são divulgadas com bastante alarde. Uma dessas é a operação Xeque – Mate que prendeu alguns envolvidos no esquema de jogos de azar. Por que a população não consegue ver os resultados dessas operações?
Blal Dalloul – Temos no Brasil um sistema judiciário que dá abertura para que a impunidade aconteça. Há anos esperamos a reforma judiciária que não acontece e que com isso, aquele que tem conhecimento e pode custear bons defensores, conseguem liminares, habeas corpus e tantos outros artifícios que a própria Justiça dá. Muitas pessoas morrem e não conseguem ver a justiça acontecer. É preciso atentar-se também que além de uma mudança nas leis, se tenha uma mudança na cultura popular de que sempre há um jeitinho para escapar da prisão, principalmente entre os de classe social mais elevada.
Midiamax: Depois de tantas operações de dos esquemas de jogos ilegais de azar terem ganhado a mídia, alguns políticos e personalidades públicas de MS tem defendido publicamente a liberação dos jogos. Qual a sua opinião sobre uma possível liberação?
Blal Dolloul – Eu sou contra a liberação, principalmente se ela for feita sem um estudo muito profundo em relação as ramificações que os jogos e o crime organizado possuem. Ora, é ciência da maioria dos políticos que não é questão de simplesmente liberar. O assunto deve ser trabalhado de forma muito mais profunda, pois o jogo tem ligação com tráfico, lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas. Não temos estrutura para fiscalizar como estão procedendo, aliás, somos bem desestruturados no quesito de fiscalização em todo o país e também temos uma cultura de corrupção.
Há dados que mostram que os números de policiais corruptos são alarmantes e imagine, em um País como o nosso, como vamos conseguir conter todos os fatores criminosos que estão ligados ao jogos. Sei também que alguns defendem como forma de entretenimento, mas há estudos que mostram que ele pode causar vício e com isso destruir famílias.
Assim como vemos famílias que são destruídas pelo vício em álcool e drogas, também vemos famílias que vivem o mesmo drama com os jogos. No domingo, o cidadão de bem vai para a igreja rezar ou fica com sua família, já um cidadão que tem a contaminação de um vício prefere ir para o bingo ou para uma casa clandestina de jogos.
Midiamax: E sobre as drogas, essa questão é bem debatida e a liberação é defendida, ao menos da maconha, que é considerada uma droga leve. O senhor também é contra essa discriminalização?
Blal Dalloul – Eu digo o mesmo para a liberação das drogas, mesmo que seja a maconha. Como vamos fiscalizar? Mesmo que sejam liberadas, o tráfico continuará acontecendo e não será possível controlar a venda ou arrecadação de impostos. Isso acontece com o cigarro e o álcool, pois mesmo que seja proibida a venda para menores, quem fiscaliza? Não temos logística operacional para isso.
Midiamax: Outra questão bastante discutida em nosso Estado é a questão indígena. Sabemos que há uma ampla atuação do MPF dentro das negociações entre o poder público, os índios e entidades de defesas dos fazendeiros. Qual a sua opinião sobre esta questão tão debatida em MS?
Blal Dalloul – A questão indígena deve ser tratada com muita delicadeza e o MPF trabalha hoje com uma responsabilidade muito grande, participando de diversas reuniões e mesas de debate com ambos os lados, Funai e Famasul, da disputa de terras. Aliás, o papel do MPF é sim garantir o direito dos índios e ao mesmo tempo ajudá-los no processo de entendimento que a questão precisa ser resolvida. Nós cumprimos na verdade uma função constitucional.
Acredito que para tratar a questão indígena é preciso de um conhecimento profundo não só em questões dos direitos dos índios, mas também conhecimento histórico e cultural, já que os índios possuem uma ligação direta com a terra. Enquanto nós temos outros tipos de interesses eles querem plantar, colher, até mesmo ter um certo conforto mas manterem a cultura deles. E é ai que o MPF deve agir.
Midiamax: Fala-se no Estado indenizar os fazendeiros para que as terras sejam demarcadas, qual a visão que o MPF tem sobre o assunto?
Blal Dalloul – A Constituição Federal não permite que o governo federal indenize ou pague por uma terra que teoricamente é da União, então é preciso buscar consenso. Pode até ser que as reuniões que fizemos estavam trazendo bons resultados, inclusive nas negociações, mas uma decisão da Justiça deu ganho de causa a um ruralista e fez com que a classe não quisesse mais negociar. Isso demonstrou o desinteresse deles (fazendeiros) quando acreditam que há possibilidades de ganho para eles.
Para alguns, resolver a questão é ou indenizar ou ficar com a terra, mas terra é da União. Nós não somos contra os fazendeiro, ao contrário, é uma parcela da economia, pois são pessoas que trabalham, geram renda, mas é preciso ter consciência que há conflitos sociais muito grandes.
Nunca falamos que os fazendeiros invadiram as terras, mas sim que em alguns locais a terra deve ser retomada, então se a Funai precisa demarcar uma terra, ação que é feita depois de vários estudos, o fazendeiro acha que estamos contra eles. Nós não estamos! São erros históricos que para serem resolvidos além de muita sensibilidade é preciso que ambas as partes cedam em alguns aspectos.
Mas eu afirmo, antes de se emitir qualquer opinião ou juízo de valor dentro da questão indígena eu aconselho que a pessoa vivencie ao menos um pouco o dia a dia de um índio. Claro que alguns hoje estão urbanizados, mas não podemos colocar casos pontuais como verdade absoluta. Aliás, é preciso sensibilidade e vivência em vários âmbitos, pois até mesmo no sistema prisional, nas questões da violência e da Justiça a sensibilidade e a vivências são fatores determinantes para um entendimento maior.
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