Presidente da entidade que em julho assumiu a junta administrativa da Santa Casa de Campo Grande, afirma que a entidade revê contratos que dão prejuízo, como o das ressonâncias magnéticas. “Recebíamos R$ 97 por uma tomografia e pagávamos à empresa R$ 149”, diz Martins.

Por lidar diariamente com a saúde pública e a vida de milhares de pessoas, a Santa Casa de Campo Grande tem o telhado de vidro. As denúncias e críticas dirigidas ao maior hospital público do Estado repercutem com mais força e ocupam espaço predominante nas manchetes dos jornais.

A última polêmica envolveu a classe da enfermagem, que entrou em greve no dia 23 de agosto. Cerca de 960 profissionais querem aumento de 15% nos salários, mas enquanto os grevistas e a direção da entidade negociam na justiça do trabalho, sobra para a população o transtorno e o caos no atendimento. Outro problema que afeta o hospital é a paralisação dos médicos residentes, que também exigem aumento na bolsa-salário paga pela União.

Há mais de cinco anos o poder público intervém sobre a entidade, em conseqüência de uma dívida de R$ 37 milhões contraída com bancos, fornecedores e concessionárias de serviços básicos. Recentemente a direção do hospital foi assumida pelo administrador Jorge Oliveira Martins, 66 anos e com extensa ficha corrida na gestão pública.

Embora não possua experiência específica na área de saúde, Martins já assumiu cargos na prefeitura de Campo Grande e no governo do Estado, além de ter sido vereador na Capital entre 2001 e 2008. Pela frente, terá o desafio de modernizar a administração da Santa Casa.

Em entrevista ao Midiamax, Martins traçou um panorama geral da situação do hospital, falou sobre a atual greve da categoria da enfermagem e rebateu denúncias de que a terceirização de serviços prejudica as finanças da entidade. Confira:

Midiamax – O senhor assumiu a direção da Santa Casa há pouco tempo. Já é possível fazer uma avaliação dos principais problemas da instituição?

Jorge Martins – Estamos ainda no diagnóstico, verificando como encontramos todos os setores do hospital. Estamos em intervenção desde 14 de janeiro de 2005, quando as três esferas de governo intervieram na Santa Casa. Fui designado como presidente da Junta Administrativa no dia 2 de julho, e num curto espaço de tempo teremos esse diagnóstico consolidado. Só vou me manifestar a respeito de um plano de ação estratégico depois de ter esse diagnóstico consolidado.

Midiamax – E qual sua impressão pessoal sobre as condições da Santa Casa?

Jorge Martins – Você pode até estranhar de a gente dizer isso, mas o hospital vai bem. Dias atrás fiz uma reunião para me apresentar ao pessoal, e perguntei aos funcionários quem tinha mais de 20 anos de casa, mais de 15, mais de 10, mais de cinco. Entre os que tinham menos de um mês, não levantou ninguém. Só eu ergui meu braço. E disse: quero dar os parabéns a vocês que estão há mais de 20 anos carregando este hospital. A Santa Casa funciona normalmente, por incrível que pareça. Ela funciona porque tem uma engrenagem que permite que isso aconteça. Se não fosse por isso, nós teríamos um caos na rede hospitalar do Estado, inclusive nos países vizinhos que buscam tratamento aqui.

Midiamax – Em que medida as gestões anteriores contribuíram para o quadro atual da entidade?

Jorge Martins – Não temos como fazer nada sem lembrar do passado. Só não gosto muito de criticar os antecessores. A partir do momento que nós assumimos a entidade, a responsabilidade passa a ser minha e da diretoria constituída por um administrador geral e pelas diretorias administrativa, financeira, técnica e clínica. Essa é a composição da junta.

Midiamax – A imagem da Santa Casa perante a sociedade é constantemente arranhada por acusações, denúncias e greves. O que o senhor pensa disso?

Jorge Martins – A Santa Casa é um hospital que deve ser tratado com dignidade e com respeito. No dia da minha posse, eu pedi: “não falem mal do hospital”. Tem muitas coisas que falam porque a Santa Casa não mostra o que ela faz. Por isso eu conclamei a mídia para que nos ajudasse a administrar e mostrar o que a Santa Casa faz. Não só que a enfermagem entrou em greve, que aconteceu um negócio aqui, outro ali.

Midiamax – E o que a Santa Casa faz?

Jorge Martins – Aqui trabalham 2,8 mil profissionais. Temos 598 leitos, e destes, 508 são ocupados para atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Temos 800 médicos que prestam serviços à Santa Casa. Tem problemas? Tem. Muitos? Muitos. Há condições de serem resolvidos de imediato? Uns sim, alguns não. Mas o que nós temos que fazer é atacar esses problemas e começar a resolvê-los.

Midiamax – Qual a primeira ação que o senhor tomou à frente da direção do hospital?

Jorge Martins – Primeiro, montamos uma estrutura ideal para gerir o destino da Santa Casa. Temos um organograma novo que apontará responsabilidades e autoridades para se trabalhar. O problema da Santa Casa, ao meu modo de entender, é a gestão. Proponho um novo modelo. A estrutura já está pronta para ser publicada no Diário Oficial. Não podemos ter uma estrutura onde só se tem responsabilidade e não tem autoridade, ou onde só se tem autoridade e não tem responsabilidade. É impossível tocar um hospital desse tamanho, com todos seus problemas, sem uma estrutura ideal.

Midiamax – Como o senhor está enfrentando a greve da categoria de enfermagem, que cruzou os braços por melhores salários?

Jorge Martins – Ninguém entra enganado para trabalhar. Todos entraram sabendo quanto seria seu salário, seu horário de serviço e o que tinha de fazer. Por que a enfermagem está em greve? Tem que perguntar para eles, mas não de forma mentirosa. Por exemplo: “estamos em greve porque não tivemos diálogo”. O diálogo eles tiveram como nunca dentro do hospital. Mais de 10 reuniões realizadas aqui na nossa sala de reunião, com a diretoria administrativa e financeira, onde nós demos acesso a eles a todas as informações necessárias. Isso para mostrar se o hospital tinha ou não tinha condições de atender aquilo que eles estavam reivindicando.

Midiamax – Mas a classe segue alegando falta de diálogo…

Jorge Martins – Estão faltando com a verdade. Inclusive estamparam em faixas: “estamos em greve por falta de diálogo”. Não é verdade. Está constatado em todas as atas, e o próprio Ministério do Trabalho é conhecedor disso. Temos o dissídio coletivo da enfermagem em maio. Em julho, do administrativo. Depois temos os outros. Não podemos dar um tratamento desigual. Todos nós temos de ser responsáveis principalmente por aquilo que falamos. Não podemos conceder alguma coisa a alguém e depois não ter condições de cumprir. Muito pior seria se a categoria de enfermagem entrasse em greve por não receber o salário.

Midiamax – Isso seria um abuso do direito de greve?

Jorge Martins – Direito é direito, dever é dever. A justiça é que vai dizer. Só sei que isso causa um transtorno ao atendimento e à saúde do cidadão. Você pode muito bem entrar em greve, pode reivindicar seus direitos, fazer tudo. Mas também pode fazer isso trabalhando. Você só entra em greve quando exauriu a capacidade de conversa. Acho que uma ação deste tipo não é salutar. Você só pode entrar em greve quando seus direitos não estão sendo pagos, ou não recebe seu salário em dia. Se você entrar em greve porque pleiteou aumento e o empregador não concedeu, acho que não é motivo para entrar em greve. Todos os anos é a mesma coisa. Por quê? Falta uma política salarial dentro do hospital.

Midiamax – Então, o primeiro passo é implantar uma política salarial na Santa Casa?

Jorge Martins – Dentro desse novo modelo de gestão, vamos preparar um plano de cargos, salário e remuneração. Vamos fazer ainda um diagnóstico da folha de pagamento. O novo modelo vai justamente disciplinar essas coisas, dentro do padrão da isonomia. Nós temos cinco dissídios coletivos por ano: administrativo, radiologia, psicologia, tem os médicos e a enfermagem. Por que uma categoria tem mais reajuste que a outra? O tratamento tem de ser igual.

Midiamax – O senhor alega que o hospital não pode atender à demanda salarial da classe da enfermagem. Por quê?

Jorge Martins – Eles reivindicam 15% de aumento e mais diversos benefícios, o que contribuiria, somando tudo, com aumento de 40,21% na folha salarial. Impossível de conceder isto. Foi mostrado para eles as dificuldades do hospital, que hoje tem um déficit de mais de R$ 1 milhão por mês. Temos de ter responsabilidade naquilo que nós fazemos, tanto o empregador como o empregado. O empregado tem que conhecer a realidade da empresa onde ele trabalha. No caso do hospital, eles conhecem. E se não conheciam, passaram a conhecer, porque eu pedi que liberasse toda a transparência possível. E a nossa realidade é uma só. Qualquer índice que nós dermos diferente de zero já seria comprometedor.

Midiamax – Os trabalhadores já recusaram a proposta feita pela direção da Santa Casa. Quais eram as condições?

Jorge Martins – Nós estamos oferecendo 100% do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) para reajustar seus salários, e mais três outros benefícios, que somados, daria quase 9% de aumento na folha, e não no salário-base. Oferecemos 5,49% de aumento no salário.

Midiamax – A pressão da categoria fará a direção ceder?

Jorge Martins – Isso não ajuda em nada, não vai inibir ninguém. Não vai ser um método indutivo para colocar a faca no pescoço de alguém e obter determinada coisa que não tem condição de pagar. Isso não vai me inibir nunca. A obrigação do empregador é pagar o salário e os direitos do funcionário em dia. A obrigação do empregado? Trabalhar.

Midiamax – Muito se fala que a Santa Casa perde dinheiro com a terceirização de serviços. Qual sua opinião a respeito?

Jorge Martins – Antes de eu entrar na Santa Casa, já ouvia isso aí. Há muitos anos tem essa cultura impregnada, de que na Santa Casa todo mundo ganha dinheiro menos o hospital. Quando assumi, todos os contratos terceirizados foram reavaliados por uma empresa de consultoria. Alguns já foram rescindidos, como o caso da Unic. Recebíamos R$ 97 por uma tomografia e pagávamos à empresa R$ 149. Outros foram repactuados. Por exemplo, o estacionamento pagava R$ 2 mil e hoje paga R$ 8 mil, além de ser responsável pelo pagamento da água e da energia. A Santa Casa é um hospital referência no país pela estrutura que ela tem, e isso se deve aos terceirizados. Se não tivéssemos essas empresas terceirizadas, a Santa Casa não seria o hospital que é. Isso de falar que estão “roubando”, vamos verificar. Não adianta só falar. Quem está roubando? Qual empresa? Aqui nós somos fiscalizados por todo lado, como a junta interventora e o Ministério Público.

Midiamax – Como o hospital se sustenta hoje?

Jorge Martins – A Santa Casa é um hospital que presta serviços e recebe por isso. Prestamos serviços ao SUS e temos prejuízo, porque a tabela é defasada e não atende aos valores dos procedimentos que temos de pagar. Temos os convênios, mas essa receita diminuiu, gira em torno de 8%. Aqui, 92% da nossa receita é proveniente do SUS. A remuneração dos empregados cobre 80% da nossa receita.

Midiamax – Em números, qual a dimensão da Santa Casa?

Jorge Martins – Por mês, nós realizamos 18 mil atendimentos. Só de consultas ambulatoriais são 5,6 mil. O pronto-socorro faz 6 mil atendimentos. No Prontomed, 3,7 mil atendimentos/mês. Internações: 2,2 mil por mês. Laboratório: 41 mil exames realizados. Exames de radiologia são 9 mil. Ressonância magnética são 372. Tomografias são 660. Cirurgias são 1,9 mil. Transplantes, nós fazemos em média cinco por mês. Média de 200 partos por mês, entre tantos outros.

Midiamax – Existe algum projeto de expansão?

Jorge Martins – Teremos o Hospital do Trauma com mais 120 leitos. A obra já está em execução, e deve ficar pronta e equipada em no máximo dois anos.

Midiamax – Que mensagem o senhor gostaria de deixar para a população que se utiliza dos serviços da Santa Casa?

Jorge Martins – Quero pedir a todos: ajudem a administrar a Santa Casa. A população precisa entender que o hospital conta com profissionais da saúde, e que todos nós devemos respeito a eles. É um hospital de grande porte que atende a alta complexidade, média, baixa… e que todo o Estado vem para cá, inclusive países vizinhos. Situações que surgem esporadicamente têm que ser vistas à luz da verdade. Se há uma denúncia e se for verdade eu falo que é verdade. Se for mentira eu vou dizer que é mentira. Tem uma cultura da imagem negativa do hospital que sobrepôs aquilo de positivo que ela faz para a saúde do cidadão.