A fama que Campo Grande atingiu, ao longo dos anos, é de que é possível tomar água direto da torneira. Será que é viável mesmo? E qual o motivo do privilégio? Outra segurança hídrica que temos é o fato de Mato Grosso do Sul estar sobre uma das maiores reservas aquíferas de água doce do mundo, mas, como será o futuro diante de tantas mudanças climáticas?
No Dia Mundial da Água, celebrado neste sábado (22), a reportagem especial mostra o prognóstico da Capital e do Estado, além do quanto estamos – ou não – preparados para vivenciar o aquecimento global.
Água – tesouro incalculável
E o que pouco se comenta é o fato da falta de água ser uma realidade cada vez mais próxima – mesmo sendo em outras localidades – podendo, inclusive, causar transtornos no dia a dia, tornando-se necessário ensinar crianças e adultos a terem uma relação mais sustentável com o meio ambiente, preservando este tesouro incalculável que é a água.

“Aqui em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, podemos sim dizer que somos resilientes em termos de segurança hídrica. Primeiro porque temos várias fontes de captação. Temos as superficiais, como é o caso do Córrego Lajeado e o Córrego Guariroba, além de mais de 150 poços espalhados pela cidade”, afirmou ao Jornal Midiamax o engenheiro ambiental e gerente de Meio Ambiente e Qualidade da Águas Guariroba, Fernando Garayo.
Segundo Fernando, a cidade é bem favorável com relação a aquíferos – temos três – o que nos proporciona uma disponibilidade hídrica que muitas cidades não possuem. “Fora tudo isso, temos um setor de resiliência hídrica dentro da concessionária. Hoje nós temos alguns programas, principalmente de monitoramento ambiental, na bacia do Guariroba e na bacia do Lajeado”, comentou.
Capital faz análise da qualidade e das bacias
O engenheiro argumenta que o monitoramento vai muito além da análise da qualidade da água. “Os colaboradores atuam de uma maneira muito ampla, olhando a porta de sedimentos, ou seja, o quanto de solo aquela bacia está perdendo e como isso afeta as nascentes e a produção de água. A gente faz análise de bioindicadores, análise de vazões, da quantidade de água em todos os córregos que estão nessa bacia, para verificarmos a evolução, se está aumentando ou diminuindo e como as mudanças climáticas estão impactando nisto. Este programa, no caso, se chama Bacia Monitorada e é um dos nossos alicerces”, disse.

Outro ponto importante é um viveiro de mudas, que produz 80 mil mudas nativas do cerrado, anualmente, e é disponibilizado, gratuitamente, para todos aqueles que possuem interesse em recuperar nascentes ou fazer plantio ou replantio. Sendo assim, existe um formulário a ser preenchido e o pedido é avaliado.
“É um projeto que tem mais de 15 anos. E esse viveiro de mudas visa justamente ajudar aquele proprietário rural, que tem um déficit ou precisa recuperar uma reserva legal, prioritariamente nessas bacias de captação, onde a concessionária realiza a total doação dessas mudas, além do apoio técnico para o plantio e a restauração ambiental”, explicou.
Conforme o gerente, estas ações fazem parte da visão de futuro, com projetos a longo prazo. “É algo que garante para a população como um todo, e consumidores da água, uma segurança hídrica. No caso das mudas, auxiliam muito na preservação da bacia. E, por outro lado, temos estas ações de gestão dentro da concessionária, que fazem com que a gente se previna das mudanças climáticas”, ressaltou.
Alterações climáticas são cada vez mais frequentes

As alterações climáticas estão afetando todas as regiões do mundo. Por aqui, não poderia ser diferente. Aliás, poderia, não fosse o excesso de consumo, o uso de fertilizantes e a emissão de gases de efeito estufa, entre outros motivos, ser incomum ver “ondas de calor”, desequilíbrio na natureza e demais riscos para o ser humano e outros seres que habitam na terra.
“Estas alterações que estamos vendo ocorrer, com cada vez mais frequência, seja de alto índice de chuva num curto espaço de tempo ou secas prolongadas, por exemplo, são motivos que nos fizeram criar um centro de controle operacional, o qual monitora todo o sistema 24 horas por dia. E, desde 2022, estamos em uma parceria com a UFMS [Universidade Federal de Mato Grosso do Sul], desenvolvendo uma ferramenta preditiva de vazões dentro do sistema“, afirmou Garayo.
Neste sentido, aliando dados da equipe de resiliência hídrica, com o modelo implementado pela universidade, é possível prever, em uma margem de seis meses, como é que vai se comportar a vazão. “Não digo nem chuva, mas, a vazão efetiva no corpo hídrico. E com isso a gente consegue se planejar, em readequar o sistema, em ampliar, inclusive, se necessário, a produção de água para perfuração de novos poços, visualizar novas fontes, então, tudo isso são antecipações, com base nestas ferramentas de gestão interna também”, argumentou.
Cobertura da rede de esgoto coloca Campo Grande em posição privilegiada

Outro dado importante é em relação à rede de esgoto, já que o investimento em infraestrutura, de saneamento básico, é o que garante água potável para a população, garantindo saúde e menos desigualdade social. “Nos últimos dois anos, houve uma expansão muito significativa na rede de esgotamento sanitário de Campo Grande. Foram 500 quilômetros de redes construídas em toda cidade, sistemas também de abastecimento de água ampliado, então a gente saltou e, hoje, temos em torno de 95% de cobertura de rede de esgoto”, ponderou o gerente.
Analisando outras capitais brasileiras, fica evidente que Campo Grande está em uma posição privilegiada. “São pouquíssimas as capitais brasileiras, cidades do porte de Campo Grande, que possuem uma cobertura de saneamento tão significativa, tão avançada, como temos aqui. A gente vê em outras concessionárias, que inclusive nos visitam para terem ideias. Nós somos muito procurados para falar de nossos projetos, como o da inteligência artificial, que é pioneiro”, disse Garayo.
Dessa forma, o engenheiro ambiental ressalta a cultura de inovação existente em Campo Grande e em todo o Mato Grosso do Sul. “Temos o nosso Controle Operacional, as equipes de desenvolvedores, pessoas que desenvolvem e aprimoram nossos sistemas. É uma busca incessante pela eficiência e automatização de processos, para garantir mais segurança e regularidade na prestação de serviços. Posso dizer também que, ao longo do tempo, a Águas Guariroba conseguiu desenvolver tecnologias próprias, internas, dentro da empresa, e atingir níveis de excelência em saneamento, atraindo, inclusive, outras concessionárias e nos tornando referência em saneamento”, avaliou.
Mesmo com todo o trabalho e inovação, Garayo faz uma ressalva. “A água de Campo Grande é possível tomar direto da torneira, porque temos um rigoroso controle de qualidade e monitoramentos, só que é necessário limpar a caixa d’água, a cada seis meses, senão, de nada adianta o nosso trabalho, de deixar a água totalmente potável, se o usuário não cuida da higienização. Mas, sim, temos uma água de ótima qualidade e devemos nos orgulhar disto”, encerrou.
Novo espaço mostra o ciclo completo da água

A educação ambiental também faz parte do processo de preservação da água, podendo ser feita em escolas, empresas e na comunidade, com a discussão sobre o consumo consciente, impacto que causa no meio ambiente, desperdício, crimes ambientais e plantios de árvores, entre outras medidas.
Sendo assim, nasceu a Estação Fonte do Saber, inaugurada nessa sexta-feira (21), na ETA (Estação de Tratamento de Água) Guariroba, na rodovia BR-262, altura do km 7, saída para Três Lagoas.
Quem chegar ao local terá a experiência de uma visita totalmente diferente, com elementos interativos, incluindo um globo terrestre para ilustrar a quantidade de água no mundo, um vortéx que representa a água em movimento, uma maquete interativa do local, bicicletas geradoras de energia e diversas outras atividades.
Segundo o diretor-presidente da Águas Guariroba, Gabriel Buim, é responsabilidade da concessionária não só fornecer a melhor água do país e os serviços de esgoto, mas também contribuir com a educação da população sobre saneamento. Ele ainda disse que a intenção da Estação Fonte do Saber é ser um ambiente similar ao de um laboratório de ciências, com atividades lúdicas e interativas e ensinando sobre o ciclo completo da água e a preservação desse recurso essencial para a vida.
Centenas de crianças impactadas e aprendendo que a vida depende da água
O Dia Mundial da Água também é momento para impactar crianças e adolescentes e aprender que a vida depende da água. Em Campo Grande, por exemplo, escola que atende estudantes do fundamental ao médio realizou atividades por três dias consecutivos, em alusão à semana da água.
“Tivemos palestras, assistimos documentários e os alunos ainda fizeram um tour dentro da área do Hospital São Julião, para conhecer as nascentes, represa, estação de tratamento de esgoto e poço artesiano. E depois ainda fizeram um quiz com perguntas e respostas sobre as atividades. Neste ano, centenas de alunos participaram“, ressaltou a diretora da Escola Estadual Padre Franco Delpiano, Denise Ferreira Nascimento, de 57 anos.

Nas empresas, ações sustentáveis garantem uso consciente da água
O exemplo do uso consciente e sustentabilidade também deve vir por parte das empresas. O Jornal Midiamax teve acesso ao balanço de uma empresa sul-mato-grossense, a qual ressaltou a reutilização de 2 milhões de litros de água, no ano de 2024. A divulgação ocorreu neste sábado (22), em alusão ao Dia Mundial da Água.
Nesta iniciativa ambiental, águas das chuvas e dos sistemas de ar-condicionado são tratadas e reutilizadas. Segundo Júlio Morais, coordenador de Sustentabilidade e ESG do Grupo Real, a água foi reutilizada na área industrial da companhia, além da limpeza, irrigação de áreas internas e no sistema de combate a incêndios.
Ainda conforme o coordenador, no último levantamento, foi identificado que 33% da água utilizada na indústria provém de fontes alternativas, sem necessidade de captação direta do poço. É uma economia significativa e um ganho ambiental ainda maior”, destacou o coordenador.
Para alcançar esse resultado, a empresa afirma que implementou “rigoroso mapeamento hídrico“, com a instalação de hidrômetros em pontos estratégicos. O objetivo foi identificar os maiores focos de consumo e prevenir perdas por vazamentos. A água captada das chuvas passa por um processo de tratamento, com carvão ativado e cloro, até retornar em plenas condições de uso.

Outras ações pontuais do programa Ciclos, que norteia as ações de sustentabilidade da empresa, ocorrem com sistemas de ar-condicionado, cuja água proveniente dos aparelhos é captada e armazenada para uso em lavagem de calçadas ou para regar plantas. Agora, o próximo objetivo é chegar a 50% de utilização de água da chuva ou de reuso, ainda conforme o coordenador.
Em MS, preocupação é com a contaminação da água por poluentes
De acordo com a analista ambiental Joanice Lube Battilani, doutora em ecologia e conservação e atual superintendente estadual do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), entre as diversas atribuições do Órgão, em relação aos recursos hídricos, a maior preocupação é a contaminação da água por poluentes, como agrotóxicos através da pulverização aérea e terrestre, ocasionada pela deriva e escoamento superficial.
Além disso, Joanice fala que a demanda atual é apurar a situação das aldeias, no sul do Estado, das etnias Guarani Kaiowá, que sofrem pela falta de água e os pequenos cursos d’água nas terras indígenas, os quais estão contaminados por agrotóxicos.
Outra atribuição do órgão é, na região do bioma Pantanal, apurar a escassez hídrica resultante das mudanças climáticas. “Com a redução das chuvas, nas regiões das cabeceiras dos rios, que drenam para a bacia do Rio Paraguai, houve uma redução das áreas inundáveis na planície pantaneira, aumentando o risco de incêndios florestais”, lamentou a superintendente.

Sendo assim, Joanice comenta que temos uma legislação ambiental que considera áreas de preservação permanente as matas e a vegetação, associada às nascentes e cursos d água.
“É um limite mínimo para preservação dos cursos hídricos, de assoreamento e contaminação por poluentes, manutenção da perenidade das nascentes, mas, não é respeitada em muitas regiões causando sérios problemas como a falta de água potável nas áreas rurais e urbanas“, disse.
Sobre as políticas públicas, cada vez mais, a superintendente argumenta que é necessário focar na preservação e restauração ambiental das matas ciliares, além da conscientização da população.
“Todos nós somos responsáveis pela conservação do ambiente que vivemos, e água potável é direito de todos. O problema não são apenas as mudanças climáticas com falta de chuvas em alguns lugares, e enchentes em outros, mas sim a antropização da vegetação, nas áreas associadas a nascentes e cursos d’água levando a secar nascentes e aumentando a poluição da água”, finalizou.

Pantanal entra em alerta para seca severa e pode superar recorde de incêndios, aponta SGB
O SGB (Serviço Geológico do Brasil), que opera o sistema de alerta hidrológico no Rio Paraguai, desde 1994, emitiu boletim, neste mês, com alerta para uma seca severa, a qual pode, inclusive, superar o recorde de fogo no bioma. Nos últimos meses, houve registro de chuvas abaixo da média e o cenário mais provável é de incêndios devastadores, com diversos animais carbonizados.
Conforme o Serviço Geológico, a situação crítica do Rio Paraguai ocorre desde 2019, com registros subsequentes de chuva abaixo da média. Até o mês de fevereiro, por exemplo, o déficit acumulado foi de 135 milímetros. Sendo assim, a previsão é dos piores incêndios, assim como ocorreu em 2021 e 2024.

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