No Camelódromo, vendedores desafiam a crise e segredo é seduzir o cliente

  No comércio mais popular da cidade, trabalhadores sobrevivem da criatividade

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No comércio mais popular da cidade, trabalhadores sobrevivem da criatividade

 

Ao atravessar a região central pela Avenida Afonso Pena é praticamente impossível não notar um grande galpão, bem em frente à Morada dos Baís, onde funciona o Camelódromo de Campo Grande, ou melhor, o Centro Comercial Popular Marcelo Barbosa da Fonseca, criado em 1998 para abrigar toda sorte de camelôs que se espalhava pela cidade.

No Camelódromo, vendedores desafiam a crise e segredo é seduzir o clienteTrata-se de um dos locais mais populares de Campo Grande e, talvez, o ponto de maior concentração de pessoas por metro quadrado na capital, e diariamente atrai milhares de pessoas, feito um imã: todo campo-grandense sabe bem que o Camelódromo é um lugar de se fazer ‘negócios da China’ – literalmente.

Por conta da crise, claro, o consumo diminuiu. Não que os clientes sejam raros, mas é que com tanta concorrência e boxes que vendem os mesmíssimos produtos, é preciso ter diferencial. É exatamente aí que eles entram. Eles, no caso, são os vendedores, os trabalhadores que fazem de um tudo para conquistar quem passa pelos corredores estreitos do local.

– Capinha, película, cartão de memória, senhor?

O número de profissionais de vendas varia de um a dois, em cada um dos quase 500 boxes que vendem roupas, eletrônicos, acessórios de celulares, calçados e uma infinidade de produtos importados do país vizinho. Em alguns casos, chega-se a ter até quatro vendedores em lojas conjugadas. Lá, o trabalho é pesado e todos sabem que para garantir o pão de amanhã, é preciso conquistar o cliente hoje.

 

Jovanna, a vendedora de capinhas de celular / Guilherme Cavalcante

 

A estratégia mais clara é assediar os transeuntes, o clássico ‘canto da sereia’, do qual é bem difícil escapar. E por mais que o produto esteja escancarado para o cliente, cada vendedor tem a responsabilidade de chamar atenção para o box. A cada passo, o consumidor é assediado. É quando a venda começa, mesmo que, muitas vezes, jamais se concretize.

Enquanto passava por uma das ‘ruelas’, fui chamado por uma jovem que vende acessórios para telefones celulares, Jovanna Andrade, de 15 anos. Ela conclui o ensino médio pela manhã e pela tarde ajuda a tia na loja. Fora do box, ela é responsável pela captação de clientes, sempre anunciando os produtos que vende a quem passa. “50? Não, atendo muito mais que isso por dia”, revela.

A estratégia de Jovanna para conquistar o freguês é abusar da simpatia, isso logo após o assédio descarado. “Tem que chamar o cliente, mesmo. Não tem jeito. Se não chamar dizendo o que a gente vende, ele não para. E tem que atender bem, porque se não comprar aqui, compra mais na frente. Então a gente oferece desconto, valoriza o produto, trata com respeito”, explica.

Existe uma geografia interessante no Camelódromo, que faz com quem o local funcione como um formigueiro, apesar da ausência de uma figura real a quem todos servem. Cada área se comporta de uma maneira diferente fazendo da instalação algum tipo de organismo vivo e a experiência de compra é baseada exatamente neste aspecto. Explico: as lojas próximas às várias entradas do galpão são obviamente mais chamativas. Mas, quem se aventura a explorar o interior pode encontrar grande oportunidades, como descontos mais interessantes.

 

Katiane e Rose não perdem clientes / Guilherme Cavalcante

 

– Tênis, várias marcas, amigo. Vem dar uma olhada.

“A gente conquista o cliente com a simpatia, com atenção. Tem que envolver a pessoa. Eu faço umas brincadeiras e muita gente para. Posso até não vender na hora, mas entrego um cartão e quando ele precisar do produto, é aqui que ele vem”, conta Cláudio Otávio Pereira, 26 anos, que atua há um ano e meio no local vendendo calçados.

“A gente negocia o preço, dá um desconto bom. Cliente aqui tem sempre razão”, acrescenta Juninho Lima, 17, parceiro de Cláudio.

Fisgada feito peixe ao anzol

Entre a infinidade de pontos de venda de vestuário infantil, Helaine Zadi, 42, designer de interiores, procurava roupas de frio para a filha de 10 anos. Depois de várias voltas, ela retornou ao box onde foi atendida por Katiane Fernandes, 28, e Josany Galhardo, 19. “Ela me tratou bem, o produto é bom, ela me mostrou mais coisas. Eu gosto de receber atenção. Por que não voltar?”, diz a cliente, que parece ter sigo fisgada pelo anzol da vendedora.

Enquanto entregava a mercadoria, Katiane revelava sua estratégia. “O que não falta aqui é gente grossa, acredita? Por isso, quem trata bem o cliente logo de cara vai se dar melhor. Não tem distinção e não pode ter preguiça de mostrar mercadoria. Atendimento é tudo”, pontuou. “Vender aqui é um leão que se mata todo dia”.

Uma outra cliente passou procurando calça de montaria. “Tô sem, mas tenho essa legging aqui, não serve?”, arrisca Katiana. Não deu. Um senhor é assediado e decide parar. Procurava pacotes de cuecas. “Não tenho, mas minha amiga ali tem”, disse, apontando para a direção da esquerda, onde outra vendedora, de outro box, assistia atenta a solidariedade de Katiana.

 

Claudio e Juninho, dupla imbatível na venda de calçados / Guilherme Cavalcante

 

Solidariedade é uma palavra-chave no Camelódromo. Não é difícil que concorrentes dividam uma parede, mas o normal é que haja uma intercalação entre os produtos à venda. Eletrônicos, perfumaria, roupas, celulares, brinquedos, meio que nessa sequência. “Nosso grupo aqui é unido e a gente está sempre se ajudando. Se o cliente para pra uma, de outra loja, e não para pra mim, às vezes o cliente retorna por conta de uma indicação”, explica Rose de Sousa, 28, proprietária de uma das vendas.

– Pendrive 8gb, já vem com sertanejo ‘top’ gravada.

Jhony Amaral, de 25 anos, trabalha há três anos num box de manutenção de smartphones, que também vende acessórios. Além da simpatia, ele aposta no reconhecimento de necessidades que o cliente, a primeira vista, não enxerga. “Quando vem alguém consertar, a gente tenta valorizar o que ele tá fazendo. Se ele quer consertar, é porque ele dá valor ao aparelho. Daí ofereço capinha, película de vidro, para conservar mais o celular. Muito difícil o cliente não levar”, conta.

São dezenas de lojas de acessórios de celular, que conquistaram cada vez mais espaço no Camelódromo, após o ‘boom’ dos smartphones, lá pelos idos de 2011 ou 2012. Em 2009, por exemplo, capas para iPhone eram raridade. Hoje, existem variedades para todos os modelos do aparelho, além de uma infinidade de acessórios de outros smartphones. Essa mudança aconteceu porque no Camelódromo a lei da oferta e da procura é prontamente respeitada. Não existe produto que não desperte o interesse dos clientes. Seria pura perda de tempo. E de dinheiro.

Bendita maquininha

A poucos metros, uma cliente é ‘conquistada’ por uma vendedora de cremes e perfumes. “Nossa, esse é uma delícia, quanto tá?”, escuto dizer. “Passamos no cartão, aqui tem maquininha”, respondeu a vendedora. A maquininha, outra grande conquista do galpão. “Hoje quem não tem a maquininha se dá mal, porque o pessoal anda sem dinheiro ou às vezes nem tem, mas passa no crédito. O importante é vender, mas se for à vista o desconto é maior, né?”, revela a vendedora Rosane Benites, 33.

 

Josivan não quis mostrar o rosto, mas conta dos 12 pendrives que vendeu por R$ 30, cada / GC

 

– Bolsas, mochilas, carteiras. Quer dar uma olhada, jovem?

Quem não consegue um ponto fixo também tenta faturar, mas, do lado de fora do galpão. Como Josivan Jales, 34, que traz no pescoço dezenas de pendrives com músicas já gravadas, que vão do sertanejo ao ‘flashback’ e saem por R$ 30. “Só hoje já vendi 12”, conta. Há 19 anos no ramo, ele foi até mascate. Em Campo Grande desde 2012, o ambulante desempenha uma rotina diária de vendas que vai das 7h às 18h, quando o Camelódromo finalmente fecha as portas. “Fico por aqui sempre. Isso quando a fiscalização não tá aqui. Quando tá eu saio correndo”, afirma.

Inebriado pelas ofertas incríveis de tantos vendedores, decido encerrar a apuração, e achando a ideia de vender músicas em pendrive simplesmente genial. Atravesso a rua e, do outro lado, já no Mercado Municipal sofro meu último assédio, desta vez, por um senhor de seus 70 anos que vende redes de dormir. “Gostou dessa? Xadrez está na moda. Sai por R$ 70 pra você. Tô vendendo barato porque preciso de dinheiro hoje, é fim de mês. Se você vier amanhã já é R$ 150”, diz, objetivo.

Educadamente, recusei. Mas, confesso, o desconto de mais de 50% me pareceu mais que sedutor. Se para mim também não fosse fim de mês, teria comprado. E nem tenho onde armar redes em casa.

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