Sem máscaras à vista nem frascos de álcool em gel na entrada das lojas, quatro anos após o primeiro caso de Covid-19, caminhar pelas ruas de Campo Grande é como um retorno a 2019, quando nem se imaginava o que estaria por vir. Contudo, em meio a aparente normalidade, um observador atento percebe que, a cada esquina, ainda ecoam resquícios da pandemia.

Na mesma velocidade com que se disseminou, o medo se dissipou. Embora tenham se passado apenas quatro anos desde o início da pandemia, na memória da população é quase como se ela nunca tivesse ocorrido, pelo menos essa é a percepção quando questionados sobre o assunto.

Procedimentos que antes eram comuns, como a verificação da temperatura ao entrar em um supermercado, caíram em desuso e agora são lembranças de quando todos acreditavam que esse seria o ‘novo normal’.

Do surto à descrença

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Jovens começaram a vasculhar as redes atrás de evidências (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

O ‘novo normal’ iniciou em 14 de março de 2020, quando Mato Grosso do Sul confirmou o primeiro caso de Covid-19. No dia anterior, em 13 de março de 2020, a suspeita de uma pessoa infectada em uma conhecida balada na Avenida Afonso Pena já havia desencadeado um ‘surto’ entre os jovens de Campo Grande.

No dia seguinte ao ‘surto’, a SES (Secretaria de Estado de Saúde) confirmou que a jovem de 23 anos estava contaminada pelo Coronavírus. Dias antes de chegar a Campo Grande, ela havia tido contato com o namorado, que testou positivo para a doença em São Paulo e compartilhou a informação nas redes sociais.

Apesar do frenesi inicial em torno do primeiro caso positivo, com o passar dos dias, a chegada da Covid-19 foi encarada com descrença por grande parte da população. O aumento exponencial dos casos positivos alimentou ainda mais a desconfiança entre os sul-mato-grossenses.

Menos de um mês após o primeiro caso, Mato Grosso do Sul confirmou a primeira morte por Covid-19. Eleuzi Nascimento, de 64 anos. A notícia de Dourados, onde a paciente estava internada, intensificou o alerta e provocou pânico no Estado, que há duas semanas convivia com a doença.

Apesar do choque, a cada novo caso ou morte noticiada, uma onda de comentários surgiam, expressando incredulidade quanto a pandemia e questionando a credibilidade da imprensa.

O negacionismo de parte da população perdurou até o início de 2021, quando o número de mortes ultrapassou 7 mil. A partir desse ponto, o sentimento de descrença deu lugar ao medo, mas ainda hoje há quem duvide da gravidade do vírus e eficacia das vacinas.

Chegada da vacina gerou nova onda negacionista

Entre março a dezembro de 2020, Mato Grosso do Sul contabilizou 2.397 óbitos em decorrência da Covid-19. No ano seguinte, em 2021, a pandemia atingiu seu auge, com o registro de 7.358 mortes.

Os números só começaram a reduzir com a chegada da vacina, passando para 1.206 em 2022 e 220 no ano passado.

Mesmo com a eficácia comprovada, o negacionismo em torno das vacinas ainda persistem em 2024. Em todo o Estado mais de 300 mil pessoas não tomou a primeira dose da vacina. De lá para cá, o que ecoou foi o silêncio das 11.223 vidas perdidas nesses quatro anos.

Cícero Firmino

Cícero Firmino
Cícero Firmino (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Embora a aparente normalidade dê a impressão de que tudo ‘voltou aos eixos’, basta ouvir o que as ruas têm a dizer para os impactos da pandemia serem expostos. Após quatro anos, a pergunta que fica é: o que a população aprendeu?

Na esquina da Rua 14 de Julho, o resquício que ecoa é a dualidade de ter vivido momentos bons e ruins durante a pandemia.

Há 35 anos no centro de Campo Grande, o ambulante Cícero Firmino, de 60 anos, já vendeu de tudo um pouco, mas nunca faturou tanto quanto na época em que vendia máscaras de proteção nas ruas do centro.

“Vender máscaras foi muito bom para nós ambulantes. O uso era obrigatório então todo mundo precisava comprar, vendia muito, assim sobrevivi durante a pandemia”, relata.

Com o fim da pandemia, o ambulante voltou a vender itens de inverno como toucas, meias e luvas. No entanto, em uma cidade que faz mais calor que frio, Cícero precisou se reinventar, partiu para os guarda-chuvas, mas não durou muito tempo.

Sabe aquela velha história que é só garoar que aparece um vendedor de guarda-chuvas? Bom, segundo Cicero, hoje o cenário é diferente. O ambulante relata que agora, em dias de chuva, as pessoas optam por chamar um carro de aplicativo ao invés de comprar o guarda-chuva.

“Não compensa mais, se começa a chover a pessoa já chama um Uber. Quem vai querer gastar R$ 30,00 com guarda-chuvas quando pode pagar R$ 15,00 para ir embora no conforto do carro?”, questiona.

Pandemia e reinvenção

Cícero Firmino
Cícero Firmino (Alicce Rodrigues, Midiamax)

No pós-pandemia, novos comércios surgiram no centro de Campo Grande. Diante de tanta concorrência, encontrar um diferencial foi a única forma de sobreviver. Assim, há dois meses, a fonte de renda de Cícero se tornou a venda de travesseiros.

“Meu faturamento caiu uns 60% depois da pandemia, não tinha o que vender. Se não fosse o travesseiro já tinha desistido, temos que estar inovando sempre. A venda não é tão boa, mas garante o sustento”.

Questionado sobre o que aprendeu com a pandemia, Cícero é enfático: para ele, nada mudou em relação ao vírus, e os cuidados continuam sendo imprescindíveis. Contudo, ele percebe que, para a maioria da população, a Covid-19 é algo que ficou no passado.

“A memória do brasileiro é muito curta, esquecem rápido. Poucos ainda seguem os cuidados, geralmente só quem é grupo de risco e às vezes nem esses”, diz.

Deise Campos

Deise Campos
(Alicce Rodrigues, Midiamax)

“É isso aí, têm que usar máscara mesmo”, ecoa a voz de Deise Campos, de 70 anos, que por iniciativa própria se tornou uma personagem dessa história ao elogiar a máscara usada por nossa equipe.

Assim como Cícero, Deise tem a percepção de que, quatro anos após a pandemia, as pessoas se esqueceram de tudo o que passaram.

“As pessoas em geral perderam a consciência da importância de usar a máscara. Hoje em dia, não estão mais ligando, mas eu sei que é bom para mim, para os meus familiares e para a sociedade, por isso também já tomei seis vacinas contra a Covid”, diz ela.

Por estar em um ambiente aberto, Deise não usava máscara no momento da entrevista, mas fez questão de mostrar que sempre carrega uma na bolsa.

Nos comércios, reflexos da pandemia ainda são sentidos

Beco Acessórios
Beco Acessórios (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Entre as inúmeras lojas que compõem a Rua 14 de Julho, uma se destaca não apenas pela decoração que parece tirada de um ‘conto de fadas’, mas pelo álcool em gel à vista, logo na porta de entrada. Djalma Santos, proprietário da Beco Acessórios, ressalta que os bons hábitos adquiridos durante a pandemia acabaram se perdendo com o passar do tempo, mas ele ainda os mantém em sua loja.

“Na época, pensei que a pandemia provocaria uma transformação na população, mas não foi isso que aconteceu. As pessoas não estão mais se cuidando, nem mesmo quando apresentam sintomas”.

Assim como a maioria dos estabelecimentos comerciais em Campo Grande, a loja de Djalma foi fortemente impactada pela pandemia. Com a proibição das festas, o comércio voltado à venda de acessórios perdeu toda a clientela.

“Minha loja é de acessórios e, durante a pandemia, todos os eventos sociais foram cancelados, o que resultou em uma queda significativa nas vendas. O pós-pandemia anda em passos lentos, mas seguimos esperançosos”, diz.

Centrode Campo Grande em 2020
Centro de Campo Grande em 2020 (Arquivo, Midiamax)

Em outra esquina da Rua 14 de Julho, no cruzamento com a Rua Marechal Rondon, os impactos econômicos da pandemia ainda ecoam. Na loja de instrumentos musicais ‘A Primorosa’, o movimento também está longe de ser como era há quatro anos.

“Faz pouco tempo que estou aqui, então não vivenciei como era antes. Mas o que vejo nesse pós-pandemia é que as vendas ainda estão mais fracas e tudo ficou muito caro”, relata o vendedor Melqui Luz, de 26 anos.

Para Melqui ainda é cedo para falar em normalidade, contudo, ele mesmo admite que já deixou os cuidados de lado.

“É óbvio que as pessoas não estão mais preocupadas com a Covid. Vejo que os idosos, como a minha mãe, ainda se preocupam, mas hoje o medo é algo mais psicológico. Pessoas da minha idade não ligam mais, e eu mesmo estou incluso nisso.”

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