Crédito rotativo e fim do parcelamento de compras: entenda como medida pode afetar consumidores
Mês passado, o Banco Central anunciou o fim do crédito rotativo como medida para reduzir o endividamento da população
Lethycia Anjos –
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O fim do crédito rotativo, anunciado pelo Banco Central no último dia 10 de agosto, causou turbilhão no mercado econômico. Contudo, o assunto tem mais a ver com você do que imagina. É que, de forma geral, o crédito rotativo é uma das engrenagens que permitem consumidores parcelarem compras no cartão de crédito. Sem o dispositivo, as compras divididas em 10 parcelas podem ficar ameaçadas.
O argumento do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para o fim da modalidade foi que principal problema do endividamento dos brasileiros são as altas taxas de juros, aplicadas principalmente ao crédito rotativo do cartão de crédito.
E o que isso teria a ver com os parcelamentos de compras? Para Campo Neto, entende-se que esse cenário decorre do parcelamento sem juros. O problema é que essa modalidade de compra é um dos mecanismos que permite uma certa manutenção dos níveis de consumo, o que despertou nos representantes do setor varejista prejuízo nas finanças.
O Jornal Midiamax vai detalhar, nesta matéria, como o fim do crédito rotativo poderá afetar a vida dos consumidores sul-mato-grossenses. Antes disso, é preciso entender os argumentos nessa discussão.
Juros e parcelamentos longos
Vamos por partes: imagine que você tem apenas R$ 100 por mês sobrando do salário. Porém, quer adquirir um televisor que custa R$ 1 mil. No Brasil, a dinâmica do varejo permite a realização dessa compra, já que aquisições parceladas são culturalmente comuns no país.
Dessa forma, a TV sai a R$ 100 por mês, durante um prazo de dez meses. Nesse período, contudo, o consumidor não terá dinheiro sobrando, por assim dizer.
Há, ainda, o risco de inadimplência. Se nesse período o consumidor, por exemplo, tiver um imprevisto – uma emergência de saúde, desemprego ou qualquer outra prioridade financeira – é esperado que a continuidade de quitação da dívida seja comprometida. O consumidor pode ficar com o nome negativado e o estabelecimento comercial, amargando prejuízo. É onde entram os juros do crédito rotativo.
Como funciona o crédito rotativo?
O crédito rotativo consiste em uma modalidade de crédito oferecida por instituições financeiras, na qual o titular do cartão de crédito pode escolher pagar o valor mínimo da fatura e financiar o saldo restante para o próximo mês, sujeito a juros elevados.
Apesar de parecer uma opção facilitada, o rotativo é uma das modalidades de crédito mais caras do mercado, com juros que chegaram a 437,3% ao ano em junho. Além disso, essa prática pode levar a dívidas acumuladas e a taxas de juros excessivas.
Parte da engrenagem
Nesse sentido, Campos Neto defendeu que as altas taxas de juros estão relacionadas à ampla utilização do parcelamento de compras em prazos mais longos. Segundo ele, essa modalidade, embora ajude o comércio, induz o consumidor a gastar mais e aumenta o risco de crédito para as instituições financeiras. Portanto, uma possível solução seria restringir ou eliminar esse tipo de parcelamento.
Após o comunicado, o setor varejista expressou preocupações quanto ao possível fim do parcelamento sem juros. Em Campo Grande, presidente da CDL-CG (Câmara de Dirigentes Lojistas), Adelaido Vila, destaca que o possível fim do parcelado sem juros traria inúmeros prejuízos a consumidores e comerciantes.
“Essa medida vai impactar demais o setor varejista, nós temos hoje uma grande dificuldade de crédito, os juros estão extremamente altos. Quantas pessoas usam o parcelado para viabilizar a compra de um produto?”, argumentou.
Vila ressalta que, no atual cenário econômico do país, o parcelamento de compras é utilizado até mesmo para a aquisição de alimentos.
“Essa medida não é razoável, para tentar diminuir o endividamento você vai lá e corta o crédito da pessoa? Não faz sentido”, enfatiza. Para ele, a melhor solução para livrar os consumidores do endividamento seria os bancos reduzirem as taxas de juros.
“A melhor forma para facilitar a vida dos consumidores é baixar os juros. É um absurdo esses juros tão altos do cartão de crédito. Se o governo está realmente preocupado com o consumidor, basta determinar que os bancos reduzam os juros”.
Vale lembrar, contudo, que lei federal sancionada em fevereiro de 2021 concedeu autonomia ao Banco Central (BC) na determinação dessas taxas. São as reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), do BC, que definem a redução da Selic, considerada a taxa de juros básicos e que influencia nas demais. A manutenção da Taxa Selic em dois dígitos – atualmente, 13,25% – é prevista por economistas ao menos até o fim do ano, apesar de protestos do Governo Federal pela redução.
Impacto negativo no comércio
A medida também tem gerado preocupação na ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande). Em comunicado, a entidade expressou que não apoia movimentos restritivos que possam prejudicar o setor empresarial.
“Diante das declarações do presidente do Banco Central, que mencionou a possibilidade de desincentivar parcelamentos sem juros muito longos, a entidade defende a autonomia das empresas em continuar oferecendo parcelamentos sem juros”, afirmou.
ACICG também destacou que acredita que até mesmo a redução no número de parcelas pode impactar negativamente no desempenho do comércio, além de afetar o poder de compra dos consumidores, especialmente aqueles com menor capacidade financeira.
“O cartão de crédito é o principal meio de pagamento e uma ferramenta que facilita o consumo. A possibilidade de oferecer um maior número de parcelamentos sem juros favorece a compra de produtos de maior valor agregado, com condições de pagamento mais favoráveis ao consumidor”, ressaltou a associação.
Em nota, o Sebrae-MS informou que aguarda a medida ser concretizada para avaliar os possíveis impactos nos pequenos negócios. Apesar das preocupações, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) também afirmou que não há intenção de acabar com o pagamento parcelado.
Projeto segue em discussão
Segundo o Banco Central, em até 90 dias deve ser apresentada uma solução para o “grande problema” que é o cartão de crédito. A medida prevê que, se o crédito rotativo fosse eliminado, o crédito migraria diretamente para a modalidade de parcelamento, com uma taxa em torno de 9% ao mês. Ou seja, as parcelas ficariam mais caras.
Na tarde do dia 1º de setembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo está discutindo o fim do crédito rotativo em colaboração com agentes do setor privado e o Congresso Nacional.
Segundo ele, a resolução desse debate deve ocorrer por meio de emendas à medida provisória do programa de renegociação de dívidas do governo federal, o “Desenrola”.
“Estamos trabalhando em conjunto com o Congresso”, disse ele a jornalistas na sede do Ministério, localizada na Capital paulista.
O texto atual da medida provisória sugere a substituição do crédito rotativo, que é uma linha de crédito destinada a clientes que não pagam a fatura do cartão de crédito, pelo parcelamento da fatura com juros. Além disso, outra mudança proposta é a limitação dos juros dessa modalidade a 100% do valor da dívida, um modelo semelhante ao adotado no Reino Unido.
Em resumo, embora haja debates sobre a eliminação do crédito rotativo, isso não implica necessariamente o fim das compras parceladas.
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