Em comunidade de palafitas, subida do Rio Paraguai é lembrança que há 13 anos não se vê

Com nível do Rio Paraguai recuando, moradores que sobrevivem da pesca enfrentam dificuldades para se manter

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No Porto da Manga, casas foram construídas no alto como prevenção ao período de enchentes. (Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Em meados de 2005, quando começou a construir a casa onde mora com a mulher e dois filhos, o pescador Guanel Espinosa, de 60 anos, sabia que o imóvel não poderia ser erguido diretamente do chão. Por causa do período de cheias do Paraguai, de tempos em tempos o nível do rio subia e fazia a água avançar sobre todo o Porto da Manga, comunidade ribeirinha a 60 quilômetros da área urbana de Corumbá.

A particularidade das cheias, inclusive, é o que dá característica à arquitetura das casas e pequenos comércios do vilarejo, todo erguido em palafitas. Usado em áreas alagadas, o tipo de construção protege imóveis de serem arrastados pela correnteza. “A casa fica no alto, protegida quando o rio sobe. Daí a água passa por baixo e não alaga a parte de dentro”, conta.

Na época em que construiu a casa, Guanel nunca imaginou que anos mais tarde as palafitas perderiam a função. Com o nível do rio mais baixo a cada ano, ver a água avançar quintal adentro é lembrança que não se repete há mais de uma década. 

“Desde 2011 a água não chega perto das casas, quando tem enchente fica só perto da margem do rio mesmo, nem precisa mais das palafitas. Antes a gente tinha que usar barco para tudo, até para levar as crianças na escola, agora dá para fazer tudo a pé porque não tem mais o alagado do jeito que era”, afirma. 

Guanel mostra marca deixada pela água em um poste de energia, sinal da última cheia em 2011. (Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Em meio ao processo de recuo do Paraguai, cerca de 50 ribeirinhos que vivem no Porto da Manga sentem os impactos da degradação ambiental que avança e é confirmada por órgãos ambientais. Segundo especialistas, em 2024 o Rio Paraguai caminha para a pior seca histórica, com níveis abaixo dos registrados em 1964.

Entre os moradores, os efeitos das mudanças climáticas são sentidos com maior intensidade a cada ano. “Se continuar assim é perigoso porque a vida já não tem sido muito boa. Está ficando fraco de peixe e o movimento de turistas caiu. Aqui somos pescadores e catadores de isca, a gente depende do rio, mas ultimamente o que a gente ganha é só para comer e olhe lá”, detalha. 

À medida que enfrentam dificuldades para acessar itens básicos de sobrevivência, no Porto da Manga, a preocupação da vez é com o que ainda está por vir.

Rio baixo, dificuldades altas

Morador veterano da região, Adão Arruda da Silva, de 65 anos, também viu as possibilidades diminuírem ao longo de 40 anos vivendo às margens do Rio Paraguai. Segundo ele, com o nível do Rio Paraguai baixo, trabalhar e viver na região tem sido desafiador.

“Antigamente a gente conseguia pegar mais de mil iscas em uma única noite, hoje tem que se contentar com 200, 300. Além do rio que baixou muito, quando o fogo pega no Pantanal, destrói as lagoas e corixos onde a gente pega as iscas, isso complica nosso trabalho e nossa sobrevivência”, relata.

Com iscas mais difíceis de achar, o preço também subiu para o turista, no entanto, na negociação entre quem compra e quem vende, são os ribeirinhos que saem na desvantagem. “Antes a isca custava média de R$ 0,70 e agora chega até a R$ 8. O turista não quer pagar, diz que não compensa pagar R$ 250, R$ 300 em isca sendo que o rio só tem dado piranha”, afirma.

“Os mais novos já não querem viver aqui, vão embora para Corumbá ou Campo Grande atrás de trabalho. Aqui no Pantanal só têm ficado os mais velhos, que já não se acostumam mais a viver na cidade”, finaliza o pantaneiro.

Pedido de ajuda

Na semana passada, durante visita das ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, a Mato Grosso do Sul, coordenadora da Cufa (Central Única das Favelas) de Corumbá, Amanda de Paula, expôs as dificuldades de subsistência das famílias ribeirinhas enquanto o fogo se alastra pela região pantaneira.

Visão aérea do Porto Geral de Corumbá mostra nível baixo do Rio Paraguai. (Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Segundo ela, centenas de famílias ribeirinhas no curso do Rio Paraguai estão passando por dificuldades e sem poder trabalhar porque foram rodeadas pelos focos de incêndio. “Há famílias pedindo resgate, pois têm medo de passar pelo fogo, estão em área de difícil acesso e dependem da pesca e comércio de isca para sobrevivência, mas tudo está parado”, revelou.

“São poucas as doações, eles estão precisando de água potável e cestas básicas, mesmo pescadores profissionais que recebem salário estão com dificuldades”, disse.

Pantanal em escassez hídrica

A bacia do Rio Paraguai está oficialmente em situação de escassez hídrica. A resolução da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) foi publicada em Diário Oficial no dia 14 de maio e considera a baixa quantidade de recursos hídricos. O Rio Paraguai caminha para a pior seca histórica, com níveis abaixo dos registrados em 1964.

A declaração é válida até 31 de outubro de 2024, podendo ser prorrogada caso as condições persistam. Essa é a terceira vez que a ANA declara escassez hídrica em rios brasileiros. A agência tem competência para tal declaração desde 2020 e o decreto ocorre após a recomendação feita na primeira reunião da Sala de Crise da BAP (Bacia do Alto Paraguai).

Foto de 2009 mostra área alagada do Porto da Manga, em Corumbá. (Foto: ONG Ecoa)

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