Gabrielle de Souza Montalvão, de 23 anos, registrou boletim de ocorrência nesta terça-feira (16) contra a Santa Casa de Campo Grande. No documento policial, a mulher alega omissão do hospital e demora em atendimento especializado por falta de cardiologista pediátrico, o que teria culminado na morte de seu filho de três meses, Caleb Montalvão Milano, falecido no dia 9 de maio.

Conforme a defesa da jovem, Caleb nasceu na Santa Casa – hospital referência em cardiologia pediátrica em Mato Grosso do Sul – no dia 26 de janeiro de 2023 com cardiopatia congênita. Por ser portador de doença, bebê precisava de intervenções cirúrgicas aos 6 meses de idade, de acordo com a necessidade de evolução do quadro clínico.

Além disso, a mãe alega que criança necessitava de consulta mensal com médico especialista em cardiologia pediátrica. Os problemas teriam começado no último domingo, 7 de maio, quando Caleb teria apresentado sinais de descompensação.

“A criança apresentava esforço respiratório, gemendo, com queda brusca na saturação, cianose (roxo) e hipoativo. Na ambulância do Samu, a médica colocou a criança no oxigênio para estabilizar o quadro de hipoxemia”, informou a advogada de Gabrielle, Janice Andrade.

Bebê foi internado na Santa Casa

Ainda conforme a denúncia, o bebê chegou na Santa Casa por volta de 9h do último domingo com saturação em 45% e outros sintomas, o que representava alto risco à sua saúde. No entanto, a primeira medicação e suporte médico só teriam sido oferecidos ao paciente após quatro horas desde a sua entrada na unidade de saúde. “Após implorar muito a equipe médica plantonista, pois a cianose piorou muito, a criança estava toda roxa”.

Mas foi às 13h do mesmo dia que o bebê foi para a área vermelha do hospital e a Santa Casa teria solicitado a presença imediata da médica cardiologista pediátrica. No entanto, nenhum médico especialista teria avaliado o paciente.

“As 22:00 do dia 07/05/2023, o quadro foi se agravando, e a criança foi encaminhada para a UTI, sem qualquer avaliação de cardiologista pediatra. Tampouco, realizaram o exame de ecocardiograma, ou seja, o básico nesses casos mesmo com inúmeras ligações e tentativas de acionar o SAC, inclusive foi informando que não havia cardiologista pediátrica no hospital”, alega a defesa da mãe de Caleb.

Criança estava na UTI

Ainda conforme a denúncia, a criança estava internada na UTI mediante convênio e, até então, estava consciente e estabilizada na segunda-feira (8). No dia, a médica só teria atendido Caleb às 18h para avaliação e realização de ecocardiograma, depois de mais de 8 ligações para o SAC do hospital, exigindo uma posição, inclusive com a justificativa de que a profissional estaria em seu consultório atendendo os seus pacientes do particular.

Após ecocardiograma, Caleb teria sido diagnosticado com insuficiência cardiorrespiratória, descompensação cardíaca e a possibilidade de obstrução nas veias pulmonares.

Além disso, criança estava prevista para fazer cirurgia de urgência mediante exame, que seria realizado somente no dia seguinte, terça-feira. Porém, a profissional pelo caso não teria solicitado o exame necessário ou feito o lançamento para autorização do plano de saúde.

“A médica estava com muita pressa para ir embora”, alega a advogada da família.

Caleb faleceu no dia 9

O óbito de Caleb foi registrado no dia 9 de maio à noite. Pela manhã, criança ficou instável e precisou ser entubada, aponta a denúncia.

“Sendo que quaisquer procedimentos que poderiam salvá-lo e estabilizar seu quadro cardíaco foram suspensos, inclusive, não havia novamente cardiologista pediátrico no hospital, após muitas ligações ao SAC e ao consultório da cardiologista”.

Assim, a médica só teria avaliado o bebê por volta de 19h do mesmo dia, momento em que bebê teria vindo a óbito.

“Importante informar que, ao longo do dia 09/05/2013, a criança teve várias paradas cardiorrespiratórias e foi ressuscitada por diversas vezes, porém, sem qualquer socorro de um especialista em cardiologista pediatria. Quando a especialista chegou para realizar o ecocardiograma, o coração já tinha parado”, conclui a denúncia contra o hospital.

Mães reclamam de falta de cardiologistas pediátricos

Outras mães entraram em contato com o Jornal Midiamax e, igualmente, reclamaram da falta de cardiologistas pediátricos para atender na Santa Casa, especialmente aos fins de semana sob escala de plantão.

Uma mulher, que preferiu não se identificar, tem um filho também diagnosticado com cardiopatia congênita – anormalidade na estrutura ou função do coração que surge nas primeiras oito semanas de gestação, quando órgão é formado.

“O que acontece é que a demanda é muito grande. A cada 100 crianças nascidas, uma é cardiopata congênita. Com uma grande demanda e a Santa Casa sendo um hospital de referência, deveria se comportar como tal. Os cardiopediatras querem ir no hospital apenas de segunda a sexta-feira. Essa demora no atendimento simplesmente é a diferença entre a vida e a morte da criança”, diz.

Situação observada também por outra mulher, de 40 anos, que tem filho de sete anos com comprometimento cardíaco, e, no último fim de semana, alega ter tido dificuldade em receber atendimento para a criança por falta de especialista.

Onde estão os cardiologistas pediátricos do SUS?

A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) informou à equipe de reportagem que as consultas com cardiologistas pediátricos são ofertadas no HU, Santa Casa, HRMS, CEM e Cemed.

“Por mês, são 383 vagas disponibilizadas pelo SUS para consulta. Hoje, na fila, há apenas 84 pacientes aguardando consulta, sendo que destes, 90% são para retorno. Desta forma, a demanda atual está sendo absorvida não havendo, portanto, falta de acesso”, informa.

Em relação aos horários, a secretaria afirma que cada unidade hospitalar ou prestador é responsável por organizar as agendas, mas reforça que há atendimento sendo realizado durante a semana e fim de semana. “Ao município, cabe fazer a gestão da fila e a contratualização do serviço”, diz, por meio de nota.

O que diz a Santa Casa?

A Santa Casa foi notificada a se manifestar pelo Jornal Midiamax. Inicialmente, a unidade de saúde informa que a solicitação precisa ser analisada com a área envolvida e que está trabalhando no pedido de retorno. Assim que possível, hospital deve se manifestar e espaço segue aberto.