Normalizado por gerações, bater em crianças é crime e deixa consequências para sempre

Psicóloga explica as consequências de bater em crianças causam na vida dos pequenos

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
infância
Projeto deve ser votado em sessão na Câmara. (Foto: Freepik)

Nesta semana, a morte de uma menina de 2 anos, com marcas de agressão e estupro, gerou grande comoção e revolta. Mas, além da omissão das instituições sobre o caso, o que mais chama a atenção é a normalização da violência sofrida pela criança, como forma de educar.

Em depoimento à polícia, a mãe e o padrasto disseram que tinham o hábito de bater na criança, com socos e tapas, como forma de “correção”. Os dois estão presos suspeitos dos crimes de homicídio qualificado por motivo fútil e estupro de vulnerável.

As agressões sofridas pela criança e possivelmente os irmãos também, foram normalizadas pelos vizinhos que relataram ouvir choro constante. Também foram os vizinhos que denunciaram a mãe da menina por maus-tratos a um cachorro, mas silenciaram sobre o choro recorrente das agressões.

Ainda que cultural por gerações, bater em crianças é crime. Ameaças físicas ou psicológicas são consideradas atos de tortura, que qualificam o crime. Além disso, as agressões deixam marcas emocionais, neurológicas e físicas nas crianças.

Da palmada  à agressão, bater deixa marcas nas crianças

A psicóloga com certificação neurocompatível e formação continuada em neurociência, Emília Luna, explica que do ponto de vista emocional, os impactos deixados na criança por uma palmada ou uma surra são praticamente os mesmos. E é por esse e outros motivos que ela defende a prática de zero violência contra crianças.

Especialista no assunto e com vasto tempo de trabalho com crianças que sofreram algum tipo de maus-tratos, a psicóloga explica que a criança que sofre agressões dos próprios pais, ainda que não entenda quando pequena, cresce com as marcas.

“Ela pode não entender de fato o que está acontecendo, mas ela vai ser impactada, vai ter sentimentos e vivenciar aquela dor. Há muita incidência de crianças que se tornam adultos ansiosos, inseguros e com medo”, explica.

Ainda sob a ótica emocional, bater em crianças com a justificativa de amor ou educação ensina uma total inversão de valores. “Os atos de violência na verdade ensinam que a criança não é amada, que é uma forma de amor deturpada, além de sentimentos de raiva, medo, e outros”, destaca a psicóloga Emília Luna.

Consequências neurológicas e físicas na criança

A psicóloga Emília Luna destaca que bater em crianças se tornou um ato cultural ao longo dos anos, mas começou com a sociedade agrícola. “Antes disso não existia esse método de correção para crianças. Mas apesar de cultural, precisamos repensar se queremos continuar ensinando para as crianças que violência é amor”.

No aspecto da neurociência, há comprovação científica de que as violências causam transtornos neurológicos. Para se desenvolver o cérebro precisa de apego, de vínculo, sem isso, o cérebro não se desenvolve bem, sobretudo na primeira infância, como explica Emília.

“Quanto menor a criança, maior o impacto. A primeira infância, até os três anos, é um período crucial. O impacto existe, mas a gente pode tratar os impactos causados, como a questão da auto estima, ansiedade (muito comum e grave), mas as situações de violência precisam acabar. A  gente trata os efeitos, mas se não parar eles continuam”, diz a especialista no assunto.

Em situações de violência, quanto mais agressões, mais hormônio, estresse são injetados no corpo dos pequenos. Tais questões também podem impactar no organismo, além do emocional e neurológico. 

Omissão pode matar, esteja atento aos sinais

A violência é marcante em momentos trágicos da história da humanidade, entre elas a lei de talião (que pregava olho por olho e dente por dente) e a escravidão. A violência segue vista com maus olhos quando é aplicada em grupos de pessoas ou animais. Então porque a violência contra crianças é normal?

No caso da menina de pouco mais de dois anos morta na semana passada, a omissão de toda a cadeia ao redor dela foi crucial para o desfecho da história. Na escola, nos atendimentos médicos, os vizinhos ou familiares próximos, poderiam ter contribuído de maneira mais efetiva para mudar o final da vida da criança.

“Essa normalização da sociedade só incentiva mais e quando um profissional dá aval para a violência, quando não denuncia, é mais um combustível para acontecer tragédias”, explica a psicóloga que trabalhou anos convivendo de perto com as consequências da violência.

Ela afirma que as crianças demonstram quando estão passando por situações adversas, desde o medo, dificuldade na aprendizagem, alteração do comportamento. Tudo é indício de que a criança pode estar sofrendo violência ou maus-tratos.

“Sei que é extremamente frustrante denunciar e não ter retorno, mas é o único meio. Denuncie quantas vezes forem necessárias, até que algo aconteça. Porque não denunciar é omissão e é a vida de uma criança que está em risco”, finaliza Emília Luna.

Bater é crime e pode ser considerado tortura

Entre 2016 e 2020, foram identificadas pelo menos 1.070 mortes violentas de crianças de até 9 anos de idade. Em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, foram 213 crianças dessa faixa etária mortas de forma violenta.

O advogado Diego Matos especialista em direito civil e processual, explica que bater em crianças vai na contramão do que prevê o Estatuto da Criança e o Adolescente. Além disso, pode ser enquadrado no código penal como maus-tratos, agressão e tortura.

“Não há mais espaço na sociedade para justificar as agressões. Ainda que seja uma criança mais difícil, o sistema de saúde está disponível para ajudar a identificar as dificuldades. Os pais podem investigar se há questões por trás de um mal comportamento, mas agredir não é mais uma alternativa aceitavel”, explica.

O Disque 100 é um serviço gratuito para denúncias de violações de direitos humanos. Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia pelos serviços, que funcionam 24h por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. 

Além deste recurso, polícia civil e Conselho tutelar recebem denúncias do tipo e que podem ser anônimas.

Últimas Notícias

Conteúdos relacionados

chuva de meteoros
dengue