De norte a sul de , os mototaxistas rodam a cidade, desafiando os perigos do trânsito para levar o passageiro em segurança ao seu destino. No entanto, neste Dia Nacional do (24), há pouco a se comemorar para quem vivencia os desafios diários da profissão.

Em meio ao calor de 35°C registrado em Campo Grande, Valdevino dos Santos aguarda pelo próximo passageiro e torce para que ele não desista ao ver o preço da corrida e opte por um aplicativo.

“Nossa corrida é feita pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), muitas vezes a pessoa chega, vê o preço e fala na minha cara que vai chamar um aplicativo porque está muito caro. O que eles não entendem é que não sou eu que coloca o preço”, lamenta. 

Em Campo Grande, desde 2017 o uso do mototaxímetro é obrigatório. O aparelho, homologado pelo Inmetro, calcula o custo do serviço com base em quilômetros percorridos e tempo de percurso, permitindo ao usuário maior confiança no valor cobrado.

Impacto com a chegada dos aplicativos

Ponto de mototaxi
Profissionais dizem ter sentido queda abrupta na renda após chegada do serviço por aplicativo (Marcos Ermínio/Midiamax)

Em 2021, os campo-grandenses se depararam com uma novidade inclusa nos aplicativos de caronas pagas: as viagens com motos. A nova opção tornou a viagem de um ponto para outro da cidade ainda mais barata e rápida, mas trouxe dor de cabeça aos mototaxistas regulamentados pela (Agência Municipal de Transporte e Trânsito).

Mototaxista há mais de dez anos, Valdevino ressalta que a maior dificuldade em relação aos aplicativos é a discrepância em que os mototaxistas regularizados são tratados se comparado aos motoristas de aplicativo. Segundo ele, enquanto precisam arcar com impostos e investir na segurança do passageiro, os aplicativos são isentos de qualquer responsabilidade.

“Os aplicativos rodam sem qualquer equipamento de segurança, se eu tiver com pneu careca a fiscalização de trânsito já emite uma multa, até guincha minha moto”, ressalta.

Mototaxista
Adalberto Lima (Henrique Arakaki, Midiamax)

Há mais de 26 anos, no mesmo ponto de táxi, localizado na esquina da Afonso Pena com Rui Barbosa, o mototaxista Adalberto Lima, 56, passou por todos os desafios da profissão. Para ele, os aplicativos são, sem dúvida, um dos pontos que mais dificultam a permanência na profissão.

“Meu maior desafio é enfrentar os ‘clandestinos' que são os aplicativos, eles não recolhem impostos, não contribuem com nada, enquanto nós que somos regularizados pagamos até o estacionamento da moto”, ressalta.

Em uma jornada exaustiva de 10 horas diárias, José Nunes Santos, 35, trabalha há 14 anos como mototaxista e reforça a opinião dos colegas sobre a chegada dos aplicativos.

“Os aplicativos tomam muito de nossos clientes, quando chegou o Uber moto ficou ainda mais difícil. As pessoas também não valorizam, andamos com tudo regularizado, mas não querem pagar o preço”, desabafa.

Diante das inúmeras reivindicações dos mototaxistas, a Uber emitiu uma nota onde alega que suas atividades não se enquadram aos requisitos de autorizações exigidas de empresas de transporte. “A Uber desenvolve um aplicativo que conecta parceiros que dirigem os próprios veículos a usuários que desejam se movimentar pelas cidades, em acordo aos Termos de Uso da plataforma”.

“Na modalidade Uber Moto, parceiros contratam o aplicativo para realizar transporte privado individual em motocicletas, atividade prevista na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012) e distinta de categorias de transporte público individual em motocicletas, como o mototáxi, regidas por legislação específica”, complementou a empresa através de sua assessoria.

Desrespeito aos motociclistas é problema recorrente

Diante dos inúmeros desafios enfrentados diariamente, os mototaxistas relatam que o maior deles é ter que lidar com a insegurança gerada pelo desrespeito no trânsito. 

Há cerca de um ano, em outubro de 2022, Valdevino seguia pela Rua 13 de maio quando no cruzamento com a 26 de agosto foi atingido por um carro em alta velocidade. Para a motorista, o acidente rendeu apenas danos materiais, já Valdevino quebrou a perna e precisou ficar quatro meses sem trabalhar.

“Estava seguindo pela Rua 13 de maio quando fui atingido por uma mulher que dirigia um HRV e acabei com a perna quebrada. Hoje preciso usar uma placa e tenho dez parafusos na perna, o que de certa forma atrapalha minha mobilidade”, relembra.

Mototáxi no centro de Campo Grande (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Insegurança constante 

No dia a dia da profissão, os mototaxistas enfrentam não apenas os riscos do trânsito, mas também estão sujeitos a assaltos e episódios de violência, o que torna a profissão ainda mais desafiadora e perigosa.

O relato de Adalberto, que foi vítima de um assalto e teve sua moto roubada, ilustra bem a vulnerabilidade desses profissionais.

“Uma vez roubaram minha moto, recuperei só depois de uma semana. Nessa vida de mototáxi a gente acaba pegando muitos passageiros desconhecidos, não tem como saber a índole da pessoa”.

O mototaxista lembra que antigamente amanhecia pelas ruas da Capital, no entanto, hoje em dia não se sente seguro para trabalhar após as 18h.

Em maio deste ano, um mototaxista de 43 anos, foi assaltado e teve a moto, uma Honda CG Fan (REY1D26) roubada por dois assaltantes no bairro Nova Campo Grande.

Segundo a vítima, ele havia acabado de deixar uma passageira, momento em que foi abordado pelos dois autores que estavam em uma moto Honda Fan.

“Coloca no pezinho e não tira nada não”, disse um dos autores. Com uma arma, o garupa então subiu na motocicleta e fugiu com seu comparsa. 

Desafios da pandemia 

(Henrique Arakaki, Midiamax)

A pandemia de -19 trouxe desafios significativos para os mototaxistas, assim como para muitos outros trabalhadores em todo o Brasil. José Nunes, por exemplo, enfrentou a decisão de continuar trabalhando mesmo sob o risco de ser contaminado pelo vírus. Em meio às incertezas do período, ele conseguiu manter uma pausa de poucos dias, logo a necessidade de renda o obrigou a retornar ao trabalho.

“Fiquei só duas semanas parado porque não tinha como ficar sem renda, mas sempre seguia as recomendações como máscara e álcool em gel”, destaca o mototaxista.

Para Adalberto, a situação foi ainda mais crítica, com uma avó doente e sendo considerado grupo de risco devido à idade, ele precisou ficar oito meses longe do trabalho.

“Eu cuidava da minha avó doente, por isso tinha medo de levar a covid para casa e contaminar minha família. Na moto é diferente do carro, se tem mais contato com a pessoa. Durante esse tempo tive que recorrer a ajuda de familiares para me manter”, conclui.