Com denúncia de exploração de trabalho indígena, terceirizados de frigorífico pedem R$ 400 mil
Categoria entrou na Justiça para defender que funcionários vivem sob condições semelhantes a trabalho escravo e empresa defende que notificou empresas terceirizadas
Nathália Rabelo –
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Nova polêmica envolvendo condições de trabalho em frigoríficos de Mato Grosso do Sul vai parar na Justiça. Dessa vez, o Sindaves (Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Carnes e Aves de Sidrolândia) moveu ação civil pública contra empresas terceirizadas contratadas pela Seara, do grupo JBS, por condições precárias de trabalho as quais são submetidos ao menos 80 trabalhadores de Sidrolândia. De falta de pagamento de horas extras até péssimas condições de alojamento, denúncia alega que situações são análogas à condição de trabalho escravo. A Seara, por sua vez, se defende e alega que todas as prestadoras de serviços terceirizados foram acionadas.
Conforme documentos a que o Jornal Midiamax teve acesso, quatro empresas foram notificadas na Justiça do Trabalho, sendo três terceirizadas e a Seara. No dia 11 de julho, o sindicato entrou com ação civil pública com pedido de tutela de urgência para que a JBS ressarcisse os funcionários terceirizados. A defesa da categoria alegou que profissionais, que trabalham na atividade de “pega” de frango, estavam em condições degradantes de subsistência e de trabalho no alojamento fornecido pelas empregadoras e nos aviários que fornecem frangos para abate e processamento da Seara.
“Busca-se, outrossim, a condenação da primeira ré (JBS S.A) ao pagamento das verbas rescisórias devidas aos ora substituídos e inadimplidas pelas demais corrés, bem assim dos valores correspondentes ao adicional de insalubridade no grau máximo (40% do salário-base); às horas extraordinárias devidas em função da supressão do intervalo interjornadas e às verbas rescisórias não adimplidas espontaneamente palas empresas terceirizadas alocadas no polo passivo da presente lide”.
Além disso, categoria pede pagamento de R$ 400 mil de indenização.
Denúncia
Conforme a ação do sindicato, a JBS opera em Sidrolândia com unidade dedicada à fabricação de produtos à base de frango, sob a bandeira da marca Seara. Assim, os aviários, de onde provém a matéria-prima utilizada empresa, são de propriedade de produtores rurais signatários de contratos de integração vertical com a JBS.
Então, para manter as atividades, a própria JBS S.A estabelece as escalas de trabalho para as equipes das empresas terceirizadas. Além disso, os trabalhadores envolvidos na ação são indígenas da etnia terena residentes nas aldeias de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti.
“Uma vez admitidos pelas empresas prestadoras de serviços ora demandadas, os trabalhadores em referência não têm os contratos de trabalho registrados em suas respectivas CTPS e frequentemente sofrem com atrasos de salários”, alega.
Denúncia alega situação de precariedade
Ainda conforme ação movida pelo sindicato, o alojamento onde ficam os trabalhadores está situado em área urbana de Sidrolândia e é ocupado por cinco equipes formadas por cerca de 10 trabalhadores que se revezam entre descanso.
No entanto, alega não existir camas ou beliches apropriados para o descanso. Assim, trabalhadores estariam dormindo em colchonetes finos diretos no chão. Além disso, denúncia aponta mofo, rachaduras, infiltrações nos dormitórios e cozinha.
Ainda conforme as alegações do Sindaves, não há locais adequados para lavar e secar roupas, guardar pertences pessoais ou instalações sanitárias para lavar pratos, copos, etc.
“Tal quadro é substancialmente agravado pelo fato de que o alojamento em referência não dispõe de espaço e de mobiliário adequado para a realização das refeições e, além disso, nem as empresas terceirizadas corrés e tampouco a primeira ré (JBS S.A) fornecem alimentação, água, utensílios e itens de higiene corporal, bem assim não se responsabilizam pela limpeza, pelo asseio e pela manutenção do imóvel onde os trabalhadores em referência foram alojados”.
Além disso, uma vez que trabalhadores exercem atividade em contato permanente com materiais orgânicos potencialmente contaminantes, empresas não estariam oferecendo equipamentos de proteção nos aviários.
Trabalhadores estariam impedidos de voltar para aldeias
Ainda conforme o documento, as empresas terceirizadas estariam impedindo o retorno dos profissionais indígenas para as aldeias durante longos períodos de tempo que variam de semanas até meses.
“As péssimas condições de alojamento e de labor impostas aos trabalhadores ora substituídos pela JBS S.A e pelas empresas de prestação de serviços por ela contratadas se enquadram nas situações conceituadas pelo ordenamento jurídico pátrio como trabalho análogo à escravidão, de modo a afrontar os princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho”, alega a defesa.
Dessa forma, o sindicato pediu na Justiça do Trabalho que as empresas terceirizadas regularizem as jornadas de trabalho com intervalos, o fornecimento de equipamentos de proteção individual, alocar os trabalhadores em alojamentos adequados e dotados de, no mínimo, sanitários, dormitórios com camas, cozinha, etc. e que parem de exigir a permanência dos funcionários no alojamento por mais de cinco dias consecutivos.
Além disso, a categoria recorreu à Justiça para tentar que empresas paguem verbas rescisórias, horas extras, além de pagamento adicional de insalubridade. Por fim, sindicato pediu indenização cumulativa a cada trabalhador ora substituído no valor de R$ 400 mil reais, sendo R$ 300 mil por danos morais e R$ 100 mil por danos existenciais, bem como o pagamento de 15% dos honorários advocatícios.
Justiça negou tutela de urgência
A ação pública foi movida com pedido de tutela de urgência e corre no Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, no entanto, a Justiça do Trabalho negou a tutela por falta de documentos que provem a situação elencada no pedido.
“Os vídeos e imagens juntados não permitem contextualização no sentido de verificar que se tratam de alojamentos das empresas acionadas ou de qual empresa acionada, bem como não há qualquer informação sobre a data em que foram capturadas as imagens”, informa.
Além disso, os extratos bancários também não foram suficientes para demonstrar a falta de pagamento de trabalhadores, bem como não houve prova de descumprimento de jornada de trabalho.
“Entendo que o Sindicato Autor não cumpriu um dos requisitos exigidos pelo artigo 300 no NCPC, eis que não logrou êxito em demonstrar a probabilidade do direito, já que nebulosa a ocorrência dos fatos constitutivos da causa de pedir”.
Além disso, Justiça alega que as questões sobre as condições de trabalho e pagamento de verbas trabalhistas somente poderão ser verificadas com a apresentação da defesa das empresas e produção de provas.
Diante disso, tutela de urgência não foi concedida e processo segue tramitando na Justiça do Trabalho.
Denúncias chegaram ao MPT
Procurado, o MPT (Ministério Público do Trabalho) informou que duas das três empresas terceirizadas foram autuadas por supostas irregularidades quanto ao descumprimento de legislação relacionada ao pagamento das férias de seus funcionários e de normas relativas à segurança do trabalho.
“Os referidos procedimentos tiveram origem em pedido de mediação formulado pelo Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Carne e Alimentação em Sidrolândia (Sindaves). No entanto, após acurada análise feita por representante do MPT-MS, concluiu-se que o instituto da mediação – atividade exercida sem poder decisório – não se mostra o mais adequado nos casos em que se noticia a existência, em tese, de afronta a direitos trabalhistas que devam ser tutelados pela instituição. Nesse sentido, como medida para uma atuação institucional mais resolutiva e eficiente, determinou-se a conversão do procedimento de mediação em notícias de fato (denúncias)”.
Assim, conforme as denúncias no MPT, as empresas estariam mantendo trabalhadores sem o devido registro em seu quadro de funcionários, além de efetuarem o pagamento das férias em desacordo com a legislação vigente.
Outra irregularidade apontada na denúncia de uma das empresas se refere ao desrespeito às normas ergonômicas de segurança de trabalho “onde a maioria das trabalhadoras era submetida ao levantamento de peso em limite superior ao que a legislação recomenda – há relatos de trabalhadoras carregando caixas que somam peso médio de 44 quilos”.
Assim, MPT ressalta que denúncia é distribuída livre e aleatoriamente entre um dos procuradores do MPT-MS que atuam na área de abrangência do município onde eventualmente os fatos ocorreram.
“A notícia de fato poderá ser arquivada quando constatado que o fato narrado não configura lesão ou ameaça de lesão aos interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público do Trabalho; o fato narrado já tiver sido objeto de investigação ou de ação judicial, ou já se encontrar solucionado; e quando for incompreensível”, conclui a nota do MPT.
Processos na Justiça do trabalho
Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, as três empresas terceirizadas possuem processos. Uma delas contém três, sendo um na 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande e dois na 6ª Vara do Trabalho de Campo Grande.
Outra empresa que trabalha com “apoio à atividade pecuária” tem um processo na 6ª Vara do Trabalho de Campo Grande. Por fim, a 3ª empresa terceirizada tem 8 processos, sendo 5 no 2º Núcleo de Justiça de Sidrolândia, dois na 6ª Vara do Trabalho de Campo Grande e um na Vara de Trabalho de São Gabriel do Oeste.
Serasa diz ter acionado empresas terceirizadas
Por sua vez, a Seara enviou nota retorno ao Jornal Midiamax.
“A Seara esclarece que, assim que tomou conhecimento do caso, imediatamente exigiu do fornecedor terceirizado o cumprimento de todas as regras trabalhistas, incluindo alojamentos”.
Além disso, empresa reforça que mantém rígidos protocolos de controles em suas operações para garantir que todos os seus fornecedores cumpram suas obrigações legais e de bem-estar de seus funcionários.
“Tais como fornecimento de EPIs, qualidade no transporte, segurança, condições de trabalho, entre outros. Adicionalmente são realizadas vistorias técnicas, para verificação de todo o processo de apanha e da regularidade das empresas prestadoras de serviços”, conclui a nota.
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