Com alta taxa de reincidência em MS, ex-presos encontraram na religião forças para sair do crime
Nesta quarta-feira (24) é celebrado o Dia do Presidiário, voltado para reflexões sobre a alta do encarceramento no Brasil
Thalya Godoy –
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Isolados do mundo por muros altos e grades de ferro. A solidão marca a vida de um detento mesmo morando em um local abarrotado de pessoas e que, em muitos casos, foi projetado para caber metade dos que estão presos. Porém, as dificuldades e condições insalubres não impedem que 45% dos presos sejam reincidentes no sistema carcerário no Estado.
Neste 24 de Maio é celebrado o Dia do Presidiário, data para reflexões sobre o encarceramento em massa e sobre as condições da população carcerária brasileira.
Dados do Geopresídios, que fazem uma radiografia do sistema prisional, apontam que Mato Grosso do Sul tem atualmente 130 estabelecimentos penais com capacidade para 9.403 presos, mas que abrigam 18.123 pessoas, o que reflete um déficit de 7.546 vagas nos presídios sul-mato-grossenses.
Além disso, de acordo com o Sispeden, o Estado apresenta a maior taxa de aprisionamento da região Centro-Oeste desde 2015.
Solange de Souza Duarte Lima, atualmente com 46 anos, foi presa várias vezes ao longo da vida. A maior pena foi de 2004 a 2010. A solidão e a desesperança marcaram a vida da mulher que, de tão rebelde, passou por várias cadeias de Mato Grosso do Sul.
Recebia a visita do pai alcoólatra uma vez por ano, o que nem sempre acontecia por ser barrado na inspeção por estar bêbado. Porém, mesmo quando conseguia ver a filha, não conseguia ajudá-la com mantimentos.
Além dele, somente a avó de um dos nove filhos levava o garoto para vê-la. Solange enfrentou seis anos de pena com quatro peças de roupa, duas camisetas e duas bermudas.
“Dentro do presídio já é muito difícil, mas para um viciado é pior porque a família não acredita mais na recuperação e eu não tinha visitas porque tinha muitos filhos e eles [os familiares] cuidavam deles”, relembra a mulher.
Sem ajuda de terceiros, a mulher que chegou ao presídio muito magra, com tuberculose e piolhos dependia da bondade de colegas e de agentes penitenciários.
“Se alguém jogava uma roupa fora eu fazia paninho para usar como absorvente, o papel higiênico eu pegava o que já tinha sido usado, eu pegava o restos dos outros, dava muito trabalho”, ela recorda.
Dados do Sispeden (Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional), referentes ao período de janeiro a junho de 2022, mostravam que Mato Grosso do Sul tinha 1.209 mulheres em presídios estaduais, o que representa 7,11% da massa carcerária na época.
Reincidência é alta em MS
Evandro Lopes da Silva, de 45 anos, foi preso em 1998, em 2011 e em 2018, o que resultou em 18 anos de reclusão. Só na Gameleira, ele “quebrou” a pena e fugiu dez vezes.
Passou quase metade da vida em estabelecimentos penais, uma experiência que foi marcada por tristezas dele e da família, que ficou desesperançosa que um dia Evandro pudesse mudar de vida.
“Foi muito doloroso, uma angústia, uma depressão, vontade de tirar a própria vida, de fazer uma cagada, mas graças a Deus tem gente da igreja que deram forças. Eu aprendi que a fé vem pelo ouvir, eu ouvi testemunhas que me inspiraram”, relembra.
Já Flávio Gonçalves Braga, atualmente com 42 anos, passou 18 anos e 11 meses entre idas e vindas de presídios. “A gente ia sobrevivendo, lá as situações eram complicadas, a ausência da família, a gente passa por essas provas”, relembra sobre a época.
O relatório “Reentradas e reiterações Infracionais — Um olhar Sobre os Sistemas Socioeducativo e Prisional Brasileiros”, de 2020, revela que 42,5% das pessoas com mais de 18 anos que tinham processos registrados em 2015 retornaram ao sistema prisional até dezembro de 2019.
Mato Grosso do Sul apareceu em sétimo lugar no ranking entre os estados, com 45,7% de reincidência.
Fé levou à mudança de vida
Solange, Evandro e Flávio são ex-presidiários que passaram quase metade da vida em estabelecimentos penais de Mato Grosso do Sul e que, em algum momento dentro do presídio ou na rua, tiveram um encontro com Deus que ressignificou a vida e o caminho dos três.
Os dois homens são pastores, enquanto Solange trabalha como diaconisa. Além do trabalho dentro da igreja evangélica, participam da Capelania Prisional da IADMS (Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Mato Grosso do Sul).
Solange se converteu à religião depois de uma fuga do regime semiaberto em Campo Grande, em 2010.
Ela foi para Piracicaba, no interior de São Paulo, e por lá começou a frequentar a igreja e se livrou do vício das drogas.
Depois de recuperada, se apresentou à polícia para terminar de cumprir a pena. “A cela forte ficava atrás do culto na quadra e dava para ouvir tudo. Acredito que aquilo me ajudava muito, eu orava muito e, às vezes, pensava que não tinha jeito para mim. Quando ouvia os louvores, as palavras, eu pensava que não tinha jeito, e eu pedia que Deus mudasse a minha história”, se recorda.
Hoje Solange congrega na IADMS junto da família no Jardim Carioca, em Campo Grande.
Já Evandro, que se converteu dentro do presídio, conta que ouvia os louvores e rezava pedindo a Deus uma mudança na vida. Hoje, se orgulha em dizer que tem esposa, uma filha, profissão e uma casa. Ele é pastor na Igreja Evangélica de Jesus Cristo para o Mundo, no Bairro Lageado.
Mesmo longe do crime, o homem recorda que teve dificuldades para recuperar a confiança dos familiares depois de tantas idas e vindas do sistema penitenciário.
“Muitas pessoas achavam que a gente se escondia atrás da bíblia, amigos, parentes e alguns da igreja. O meu pai mesmo disse que só acreditaria em mim com cinco anos que completasse bem. Minha mãe não tinha confiança, ela queria acreditar, mas era difícil, hoje ela até chora de alegria ao me ver bem, pregando”, relata.
No caso de Flávio, se converteu ao cristianismo em 2014, aos 33 anos, enquanto estava no Estabelecimento Penal “Jair Ferreira de Carvalho”, de segurança máxima. Hoje é pastor e dirige a congregação Igreja Caminho da Vida, no bairro Buriti.
A esposa, que também é pastora, já foi detida e se converteu antes dele à religião. Se conheceram enquanto Flávio ainda estava preso e, juntos, seguiram na caminhada para sair da vida do crime.
“Foi um momento de grande dificuldade familiar, a minha esposa já estava doente e eu já tava usando droga. Eu estava quase desistindo da vida e, nesse momento, ouvi uma voz que dizia que ia mudar a minha história, foi algo surreal, é difícil explicar, só quem passa sabe, mas eu sei que foi muito bom para a minha vida, desde esse dia eu não saí mais da presença de Deus”, relembra o homem.
Capelania
Conforme explica o evangelista Roberto Maciel, a capelania prisional da IADMS iniciou o trabalho na Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) em 2007, com o pastor Damião Mendes da Silva e a missionária Laudemira da Rosa Ferreira Silva.
O grupo, que é formado por 35 pessoas atualmente, se divide em visitas a todos os estabelecimentos penais de Campo Grande para fazer pregações, ler a bíblia e palavras de conforto aos detentos. Na entrada são vistoriados todos os objetos como bíblias, microfones e a piscina pequena para batizados.
“Lá dentro tem facções e quando vai para igreja até a facção tem que liberar ela, mas ela tem que provar que se converteu, como parar de beber e usar celular, e aí ela vai para a ala dos evangélicos. Se fizer coisas erradas, é expulso da igreja”, explica o evangelista.
Ele avalia que 90% dos ex-detentos continuam na igreja depois que saem da prisão e que mais de 500 pessoas foram batizadas por eles desde 2007 dentro dos presídios. Também há um grupo chamado “Resgatando almas para Jesus”, que foi criado em 2015 por ex-presos da Gameleira.
Além das visitas aos estabelecimentos penais, a capelania também ajuda as famílias com cestas básicas, passe de ônibus e até remédios.
“Nós levamos a evangelização, pregamos, a pessoa ouve e, se acreditar, ela batiza”, explica Roberto Maciel.
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