Sem liberdade e salário há 20 anos, idoso vivia em situação análoga à escravidão em fazenda de MS
Pecuarista recusou acordo de R$ 1 milhão de danos morais coletivos; caso deve ser judicializado
Mariane Chianezi, Thalya Godoy –
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Nove trabalhadores foram resgatados em condições análogas à de trabalho escravo em três propriedades rurais, localizadas nos municípios de Corumbá e Porto Murtinho na região do Pantanal de Mato Grosso do Sul. O caso que chamou atenção durante a operação, foi um idoso, de 62 anos, que vivia sem liberdade e salário há 20 anos.
Durante balanço da operação nesta sexta-feira (22), foi divulgado a ação conjunta conduzida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Trabalho e Previdência, por meio da Auditoria-fiscal do Trabalho, foi realizada entre os dias 11 e 22 de julho. Além das duas cidades, também foram fiscalizadas propriedades da zona rural do município de Aquidauana.
Na Fazenda Matão, localizada em Porto Murtinho, um idoso, de nacionalidade paraguaia, foi encontrado em condições de extrema vulnerabilidade. Embora diversos outros trabalhadores atuassem ali sem os devidos registros em carteira e outros direitos, como FGTS e férias, o trabalhador estrangeiro era o único mantido pelo empregador em situações de extrema precariedade.
Conforme o MPT, ele dividia espaço com animais e com agrotóxicos. Em depoimento, ele relatou estar nestas condições há mais de 20 anos, e antes da Fazenda Matão, trabalhou na Fazenda São Francisco, do mesmo proprietário.
O idoso e parte dos trabalhadores bebiam água com resíduos sólidos e precisavam custear a própria alimentação. Caso comessem carne fornecida pela fazenda – cuja principal atividade é criação de bovinos – um valor era descontado da remuneração mensal, de R$ 1,5 mil. O grupo tinha acesso à cidade mais próxima, Bonito (MS), apenas uma vez ao mês, e era conduzido na carroceria de um caminhão da fazenda em uma estrada de chão, por mais de 130 quilômetros, com visibilidade severamente prejudicada pela poeira.
A exposição do idoso, por mais de duas décadas, a essas condições degradantes, o isolamento geográfico e a exploração irregular de sua força de trabalho, sem que tivesse acesso a diversos direitos trabalhistas, ou a oportunidade de promover sua regularização migratória de volta ao Paraguai, levaram a Auditoria-fiscal do Trabalho a caracterizar a situação como análoga a de escravidão, com o agravante do caráter discriminatório em relação aos demais trabalhadores da fazenda, conclusão corroborada pelo procurador do Trabalho Paulo Douglas de Moraes e pelo defensor público federal Rodrigo Esteves Rezende, que participaram da operação.
Após o flagrante, o MPT e a DPU convocaram o empregador, proprietário da Fazenda da Matão, e seus representantes jurídicos, para uma audiência administrativa, realizada na sede da Promotoria de Justiça de Bonito.
Os advogados do fazendeiro recusaram o acordo proposto pelas instituições, no valor de R$ 1 milhão, prevendo o pagamento das verbas rescisórias ao trabalhador, calculadas pela Auditoria-fiscal do Trabalho – valores relacionados à FGTS, férias e que não foram pagos pelo empregador durante todo o vínculo – ou seja, que ele recebesse pouco mais de R$ 84 mil pelos serviços prestados na propriedade ao longo de duas décadas, além de uma indenização, no valor de R$ 75 mil, equivalente a 50 vezes o salário do trabalhador, a título de danos morais individuais, e a fim de reparar a grave lesão à sua dignidade.
Na ocasião, foi identificado que a fazenda recebeu recursos do FCO (Fundo Constitucional do Centro Oeste), e cuja finalidade é a aquisição de bovinos. O recurso não poderá ser devolvido, mas a fazenda poderá deixar de recebê-lo.
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