Para salvar serviço péssimo, corredores de ônibus espalham caos por Campo Grande
Com R$ 110 milhões do PAC Mobilidade, corredores foram iniciados na gestão de Marquinhos Trad e seguem inacabados
Thalya Godoy, Aliny Mary Dias –
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Ônibus lotados, frota velha, terminais em más condições e tarifa cara são só alguns dos problemas enfrentados diariamente por quem depende do transporte coletivo de Campo Grande. Em uma tentativa de salvar o péssimo serviço prestado pelas empresas que detêm a concessão do transporte na cidade, a Prefeitura de Campo Grande iniciou em 2014 projeto para implantação de corredores de ônibus em várias regiões.
Nesta terça-feira (20), mais um corredor com ‘pontão’ que gera reclamação de motoristas, passageiros e comerciantes começa a operar em Campo Grande, bem no Centro, na Rui Barbosa.
Responsável pela concessão de ônibus da Capital desde 2012 e com mais 10 anos de contrato pela frente, o Consórcio Guaicurus é alvo de reclamações dos usuários do transporte e cobrado na Justiça por não cumprir pelo menos 13 termos do contrato. Termo de Ajustamento de Gestão chegou a ser assinado entre o consórcio e a prefeitura, mediado pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), mas por enquanto não houve desfecho e o tribunal segue acompanhando o cumprimento do que foi acordado.
Com R$ 110 milhões aprovados no PAC (Projeto de Aceleração do Crescimento) Mobilidade Urbana, a Capital iniciou as obras em 2017, na gestão de Marquinhos Trad (PSD).
Praticamente cinco anos depois, a cidade permanece um canteiro de obras inacabadas que revoltam passageiros, motoristas, pedestres e comerciantes que enfrentam diariamente o caos trazido pelo reordenamento no trânsito e construções de estruturas bem no meio das avenidas e ruas, os chamados ‘pontões’, as estações de pré-embarque.
As ruas que já receberam a estrutura e seguem em obras são Brilhante, Bandeirantes, Rui Barbosa e Gunter Hans. A rua Bahia, que também integra o projeto dos corredores, por enquanto só recebeu recapeamento e sinalização. Outra que deve passar por obras em breve é a Cônsul Assaf Trad, prolongamento da Coronel Antonino.
O prazo final para a conclusão dos corredores de ônibus é 2024 e, até lá, os campo-grandenses lidam com os problemas causados pelas obras.
Para quem circula por corredores, sobram reclamações
A implantação dos ‘pontões’ nas ruas Brilhante e Rui Barbosa, por exemplo, divide opiniões entre os motoristas, comerciantes e usuários do transporte coletivo de Campo Grande.
Por um lado, para alguns que dependem de ônibus uma certa agilidade em algumas linhas de ônibus proporcionada pelos pontões e corredores é positiva, mas para quem dirige pela cidade e também comerciantes, que acumulam prejuízos com o fim dos estacionamentos e dificuldade no acesso a seus estabelecimentos, sobram críticas.
Alair Apolinário, de 63 anos, conta que tem medo de atravessar a Rua Brilhante, mesmo na faixa de pedestre. “É muito carro que vem e volta. Para a gente passar para pegar ônibus é perigoso”, reclama.
O motociclista André Anderson, de 37 anos, reforça a visão que o trânsito ficou complicado após a implantação do “Pontão”.
“Eu acho que tinha que deixar do mesmo jeito e sinalizar, do jeito antigo estava bom, porque isso aqui está perigoso”, opina o motociclista que até já testemunhou acidente em que um homem quebrou a perna ao bater na estrutura do ponto de ônibus.
Obras inacabadas reduziram alguns minutos no trajeto
Para usuários que diariamente usam algumas linhas específicas, os pontões e corredores representaram melhoria no transporte, mas a situação não é a realidade de todos os locais onde as estruturas foram construídas.
“Quando não tinha esse ponto, era uma eternidade para chegar em casa por causa do fluxo, agora é uma maravilha, rapidão chega”, afirma Helza Pereira, de 62 anos, moradora do bairro Lageado, que usa os ônibus que passam pela Rua Brilhante. O trajeto de casa até o serviço que levava mais de 1 hora, hoje em dia fica até 10 minutos mais rápido.
A dona de casa Cícera dos Santos, de 55 anos, conta que não percebeu diferença sobre o tempo que leva para chegar em casa, mas afirma que gostou dos “pontões” devido à segurança.
“Não mudou muito a velocidade [dos ônibus], mas me deixou mais segura. Antes era mais perigoso atravessar a rua, os carros respeitam mais agora com os sinaleiros”, afirma a mulher.
Rui Barbosa terá pontão após meses de obras
As estações de pré-embarque começam a funcionar nesta terça (20) na Rua Rui Barbosa, mas antes mesmo do início da operação, o Midiamax conversou com moradores que criticaram a instalação do corredor. As estruturas estão espalhadas desde a altura da Avenida Eduardo Elias Zahran até próximo à Avenida Mato Grosso, já no Centro da cidade.
Maria Gotardo, de 74 anos, conta que não gostou da experiência que já teve com a estrutura em outro local da cidade. “É um problema para descer do ônibus porque os carros não param no sinaleiro fechado, quase fui pega por um carro na Brilhante. Se Deus não existisse, eu teria ido”, afirma a mulher, que vê o mesmo pontão sendo construído na Rui Barbosa.
Alberto Ledesma, que é comerciante há 20 anos na Rui Barbosa, afirma que escuta muitas reclamações dos clientes, sobre estacionamento e também sobre quando será o fim definitivo das obras que já duram 1 ano.
“Tem dois estacionamentos aqui que já fecharam por causa das obras. As pessoas reclamam demais porque iniciaram a obra e retiraram todo estacionamento, igual na Rua 14 de Julho. O comércio literalmente perdeu com isso porque as pessoas não querem vir pro Centro porque não tem onde deixar o carro”, reclama o empresário.
Outro motivo de críticas é a escolha do local para a implantação dos terminais de pré-embarque, já que a rua é estreita e pode facilitar acidentes.
“As pessoas dizem que não tem sentido porque a rua é muito estreita. Do outro lado o ônibus já bateu em poste, os carros passam muito perto um do outro. O trânsito ficou uma bagunça”, acrescenta Alberto.
Trânsito confuso
Além disso, há motorista que classificou como confusa a sinalização no local e ficam em dúvida sobre a ativação dos pontões, ninguém sabe se as estruturas já funcionam.
Raimundo Gomes, de 65 anos, relembra que achou estranha a movimentação de um ônibus de transporte coletivo que passou para o lado esquerdo e depois retornou para a faixa da direita na Rui Barbosa. “Realmente, não consegui entender o que o motorista quis fazer”, relembra.
“Fizeram isso e não deram nenhuma explicação para saber o motivo. Para mim era um corredor, mas não vejo nem os ônibus de passageiros parando aí. Não acho que seja viável. Agora, se fosse um corredor exclusivo para ônibus, como existe em outras cidades para que as pessoas pudessem chegar mais rápido, eu concordava, mas essa parada não consegui entender”, expõe Raimundo.
As faixas exclusivas para ônibus estão em implantação em algumas ruas da cidade, como é o caso da Rui Barbosa. Por enquanto, a faixa ainda não funciona e conta apenas com a sinalização no solo e placas em alguns pontos da via.
Troca-troca de paradas de ônibus
Enquanto as novas estações não são ativadas, os usuários de transporte coletivo aguardam o ônibus desprotegidos do sol e da chuva na Rui Barbosa, em paradas sinalizadas apenas por um pedaço de madeira pintado na cor laranja.
Ana Beatriz Batista, de 20 anos, recorda que, antigamente, pegava o ônibus 080 e 087 na Praça Ary Coelho. Com o início das obras na Rua 14 de Julho, o ponto foi transferido para a Rui Barbosa, a algumas quadras de distância, e foi quando iniciaram os transtornos.
“Eu sempre peguei ônibus lá [na Praça Ary Coelho], era mais prático, mas seria melhor se já funcionasse aqui. Estão há um tempão prometendo e a gente fica só num ponto amontoado, sem nenhuma informação. Eles trocam o ponto de lugar, o que é uma coisa muito chata. Além deles trocarem a rua, trocam o ônibus que passa no lugar, a gente nunca sabe onde que vai parar”, reclama a jovem.
Gunter Hans tem obras paradas há quase um ano
Na Avenida Gunter Hans há vários pontos com obras inacabadas, que seriam os terminais de pré-embarque. O projeto iniciou-se em março de 2021 e, de acordo com os moradores e comerciantes, as máquinas pararam de trabalhar há quase um ano, antes das festas de fim de ano de 2021.
Em fevereiro de 2022, o Midiamax noticiou que a expectativa da Prefeitura de Campo Grande era que as obras fossem retomadas em março, porém em setembro o serviço continuava parado devido à renegociação do Município com a empresa responsável pela obra e revisão de alguns itens da planilha de custos.
“Em função dos aumentos de preços do óleo diesel e dos produtos asfálticos, a empresa alega desequilíbrio econômico-financeiro do contrato”, informou na época a nota da Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos).
A Prefeitura também não informou quando as negociações devem ser finalizadas.
Corredor virou canteiro de obras e moradores vivem abandono
O Jornal Midiamax voltou à Gunter Hans e constatou que as obras continuam paradas. Os moradores e comerciantes reclamam do abandono das obras e o perigo da via com o estreitamento das faixas e falta de sinalização.
“Como a gente trabalha aqui, sempre vemos acidente na esquina toda semana. Até com ônibus mesmo. O povo corre demais e, como o espaçamento das pistas está menor, ficou bem ruim”, afirma Laís Brites, de 25 anos, que trabalha em um Pet Shop na Gunter Hans.
A mulher comenta que falta sinalização no local para frear as imprudências dos condutores e aponta para esquina para mostrar os motoristas que seguem sentido Centro fazendo uma conversão errada para a esquerda. Laís afirma que por um tempo, o trecho ficou fechado, mas foi reaberto meses depois.
Confira abaixo o registro em vídeo da confusão no trânsito da Gunter Hans
Falta sinalização, sobra indignação
“O pessoal não consegue estacionar perto da loja porque a rua ficou menor, ficaram duas pistas, o que diminuiu o número de clientes. O pessoal buzina e passa muito ônibus também, não tem espaço”, afirma a mulher.
O fluxo de carros e motos na avenida é intenso, o que dificulta a travessia de pedestres, especialmente para os idosos que precisam pegar ônibus, afirma o professor José Santos, de 53 anos, morador do Jardim Leblon. Ele fez questão de parar o carro para dar seu depoimento quando viu a equipe de reportagem no local das obras inacabadas.
“As pessoas idosas têm medo de atravessar a rua, de onde o ponto se situa no meio da rua para pegar o ônibus. É uma situação conflitante, não é legal”, assegura o homem.
Além disso, ele conta que no local das obras foram colocados cavaletes e cones. “Faltam agentes de trânsito para fiscalizar”, pede.
Outro problema também é em dias chuvosos, com os materiais parados nas obras. “Com a chuva, aumenta a lama por aqui”, descreve José.
O que diz a prefeitura?
O Midiamax entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande para perguntar sobre as reclamações da população, especialmente sobre os terminais de pré-embarque e corredores de ônibus. A diretora adjunta da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Andréa Figueiredo, foi a indicada para atender a reportagem em entrevista.
De acordo com a arquiteta e urbanista, os corredores de transporte coletivo devem trazer mais agilidade no trânsito e tentar assegurar a pontualidade do transporte coletivo nos embarques e desembarques.
Além disso, os “pontões” oferecem mais segurança aos usuários de ônibus porque são obrigados a entrar e sair dos locais pela faixa de pedestre, sem acesso direto pela rua.
“Os pontos de parada de transporte coletivo [atuais] são realizados em meio de quadra, então há menos segurança do que hoje com os corredores de transporte. Todas as estações ao longo dos corredores estão posicionadas nas esquinas, dotados de sinalização horizontal e vertical, faixa de pedestre, rampas de acessibilidade e botoeiras para pedestres. Os semáforos vêm também para dar maior agilidade para esse transporte coletivo”, afirma a diretora.
Bahia e Bandeirantes dependem de nova licitação
As ruas Bahia e Bandeirantes já estão com as obras de infraestrutura e semaforização prontas e o que falta para entrar em operação é a implementação das estações de embarque, das ilhas de concreto e as estações físicas.
“Esses [locais] estão em processo de conclusão da atualização das planilhas orçamentárias e da abertura de novo processo licitatório. Aí na sequência vem as Avenidas Coronel Antonino e a Cônsul Assaf Trad”, ela afirma.
Os únicos trechos com as estações de pré-embarque e corredores de ônibus em atividade são os das ruas Guia Lopes e Brilhante. A diretora da Agetran pontua que os condutores de veículos têm a opção de procurar rotas alternativas para chegar até o destino final por ruas paralelas ou perpendiculares, diferente do transporte coletivo que tem um itinerário fixo.
Assim, os ônibus possuem prioridade de circulação nas vias definidas no Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana. “Mesmo fazendo, às vezes, uma rota um pouquinho mais longa, a gente chega mais rápido no nosso destino”, orienta.
As ruas Rui Barbosa, Guia Lopes e Brilhante, Bandeirantes, a Bahia, 25 de dezembro, Alegrete, Gury Marques e Cônsul Assaf Trad são corredores de transporte previamente estabelecidos no Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana aprovado em 2009.
Rebaixamento de guia é ‘consolação’ para comerciantes
Questionada sobre a retirada dos estacionamentos, Andréa explica que foram retirados da via pública, mas que os comerciantes com empreendimentos com recuo frontal de, no mínimo, 4,80m, que antes podiam rebaixar somente 60% para acessar os imóveis, hoje podem rebaixar 100% para ampliar o estacionamento.
“Nós retiramos essas vagas da via pública para implementar um transporte coletivo que leva milhares de pessoas ali por dia. Quantas vezes ele passa ali em detrimento de um carro que fica estacionado um dia inteiro que levou uma pessoa?”, ela compara.
Sobre a Gunter Hans, a diretora da Agetran afirma que a paralisação das obras deve ser tratada com a Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos), pois possui os contratos e fiscais de obras. O Midiamax solicitou à Prefeitura uma entrevista com o titular da pasta, Rudi Fiorese, mas o município informou que apenas a Agetran responderia sobre os corredores de ônibus.
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