Seja pilotando uma moto, executando a lei ou aplicando as regras de segurança na construção civil, as mulheres de têm exercido um papel fundamental em áreas onde os homens são maioria entre os profissionais. Mesmo recebendo olhares ‘tortos' ou preconceito explícito, elas se tornaram protagonistas do seu meio, aprendendo a superar barreiras socioestruturais com muita dedicação e maestria em cada segmento.

A paixão pelas duas rodas e a liberdade da estrada fez com que a cabeleireira Ilse Mara de Albuquerque, de 48 anos, fundasse com a filha o Maravilhas do Asfalto Moto Grupo. “Sou apaixonada por moto desde criança. Eu fui com a minha filha em um evento do Calangos-MC aqui em Miranda-MS. Brinco que quando chegamos lá foi como aceitar Jesus. Falei, quero isso pra min. Saí de lá com a cabeça de fundar um só de mulheres. No outro dia, eu falei pra minha filha vamos fundar um MC? E ela falou vamos”, explicou a fundadora.

Desde 2016, elas seguem os mandamentos da velha escola do motociclismo. Além de apoiar mulheres a sair da inércia e serem protagonistas da sua história. “Algumas mulheres falam pra gente que têm o sonho de pegar a moto e sair, e nós as incentivamos pra que isso aconteça. A mulher hoje em dia pode fazer tudo o que ela quiser. Se ele deixar alguém diminuí-la, ela nunca vai fazer nada. Nós queremos simplesmente ter o nosso lugar na sociedade”, explicou.

Integrantes do Moto Grupo Maravilhas do Asfalto. Da esquerda para a direita, Ilse Mara é a 4ª mulher na foto (Foto: Ilse Mara de Albuquerque / Arquivo Pessoal)

 

Rodando pelas ruas de Miranda-MS, ela explica que nem sempre as opiniões são positivas, mas nada que afete o espírito livre dessas guerreiras do século XXI. “Somos em cinco integrantes. Alguns homens falam que a mulher tem que ir na garupa, existe muito preconceito. Mas também existem homens que nos apoiam e falam que queriam ter essa coragem”, explicou.

Seja na estrada ou acampando, elas fomentam esse espírito por onde passam, inspirando outras mulheres através das suas atitudes e símbolos. Não é só andar de moto, é fortalecer as mulheres e mostrar que elas podem tudo. Ser mais que uma mãe, uma dona de casa ou esposa. Nosso emblema tem a mulher maravilha, pois ela é empoderada e guerreira, e acreditamos que todas as mulheres são uma maravilha, porque elas geram a vida”, finalizou.

Aplicando a lei

A investigadora da Polícia Civil, Jaqueline Romera, de 40 anos, é uma das grandes mulheres do Estado que arriscam a vida para tornar uma cidade mais segura.  “Eu sempre me preocupei com as pessoas. Percebi que podia ajudar através da polícia e comecei a me dedicar no estudo. Hoje minha profissão me dá a oportunidade de cuidar delas através da segurança pública”.

Contribuindo para uma Capital mais segura desde 2014, ela aprendeu cedo a lidar com as adversidades da profissão e a contornar os olhares mais inseguros. “No início é desafiador porque é uma novidade, mas eu me senti capaz para superar cada desafio e a cobrança do treinamento. A princípio você percebe que alguns homens se perguntam se a gente vai dar conta, mas com o tempo nós mostramos que somos capazes e temos condições de estar ali, eles vão apreendendo a confiar na gente. Hoje damos a vida um pelo outro”, explicou.

Jaqueline durante o treinamento em um estande de tiro (Foto: Jaqueline Romera / Arquivo Pessoal)

 

Com anos na corporação, o sentimento de ajudar o próximo se manteve como norte em sua carreira profissional. “É uma responsabilidade muito grande, mas com o tempo você aprende a administrar. Você recebe uma infração — que pode ou não ser verdade — e repassa para o colega na rua. É gratificante conseguir prender um foragido e ver que aquela informação contribui com alguma coisa na sociedade, que aquele trabalho gerou paz naquela região ou comunidade”, explicou.

Entre desafios e investigações, o recado para as futuras policiais é de perseverança e aprender a lidar com os obstáculos. “Se está na sua vocação ajudar a sociedade, manusear uma arma de fogo e enfrentar o desafio de estar em uma ocorrência policial e enfrentar a criminalidade, eu incentivo com certeza. Medo todo mundo tem, mas a mulher tem que se sentir capaz de lidar com essas situações”, finalizou.

Machismo no canteiro de obras

Em 2010, a técnica em segurança no trabalho Narcilene Soares Lopes, de 43 anos, sentiu na pele o que é ser uma mulher em um canteiro de obras, mas se manteve firme em meio aos insultos velados e piadas de cunho sexista.

“Comecei na construção civil como técnica de segurança, por ser uma função que passava regras pra homens, você não é bem vista. Muitos alegavam que antes do meu ingresso na área eles já estavam lá. Uma vez me falaram: ‘Eu já trabalho há 30 anos nisso, você menina não era pra estar aqui, era pra estar lavando a louça'”, explicou.

Narcilene durante fiscalização em uma obra (Foto: Narcilene Soares Lopes / Arquivo Pessoal)

Fora o enraizado da profissão, ela também sofreu por conta do seu sobrepeso. “Achavam que eu não aguentaria. Uma vez um carpinteiro, há 12 anos, falou quando me viu: ‘Poxa, agora eu vou trabalhar dobrado, além de fazer o que ela mandar eu vou ter que arrumar por onde ela passar'. Não foi direto pra min, mas eu ouvi. Porém, toda palavra de derrota é preconceito eu inverti em motivação”, disse ela.

Atualmente, ela tem a própria empresa de treinamento e assessoria em segurança do trabalho, com normas regulamentadas de capacitação. Além de vender EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) de acordo com a necessidade de cada profissional. “Em 2021, formei a ‘Traz Aqui EPI'S', adquiri respeito e credibilidade ao longo dos anos. Eu brinco, às vezes, onde muitas vezes eu tinha complexo de inferioridade hoje eu massageio o meu ego. Voltar em lugar onde ninguém apostava em você e hoje solicitam o meu trabalho, é gratificante. Muitos que não acreditavam, hoje me indicam como profissional”, finalizou.