Os motoristas de Campo Grande até tentam, mas não entendem a dinâmica do trânsito em ruas que recebem os terminais de pré-embarque de ônibus, os “pontões”, como os que começaram a operar nesta terça-feira (20) na Rui Barbosa. Em reportagem especial, o Jornal Midiamax mostrou detalhes do ‘caos’ espalhado por Campo Grande com a implantação dos corredores de ônibus e pontões.

Entre as dúvidas de quem passa pelos corredores estão: por que as estações de embarque estão posicionadas do lado esquerdo da faixa de trânsito e não nas calçadas ou no lado direito das vias, onde tradicionalmente estão os pontos de ônibus? Por que a instalação dessas grandes estruturas em uma rua que já era estreita na região central?

Raimundo Gomes, de 65 anos, relembra que achou estranha a movimentação de um ônibus de transporte coletivo que passou para a pista do lado esquerdo da rua e depois retornou para a faixa da direita. “Realmente não consegui entender o que o motorista quis fazer”, relembra. 

Na Rui Barbosa, são cinco “pontões” e o corredor exclusivo de ônibus. “Fizeram isso [as obras] e não deram nenhuma explicação para saber o motivo. Para mim era um corredor, mas não vejo nem os ônibus de passageiros parando aí. Não acho que seja viável. Agora, se fosse um corredor exclusivo para ônibus, como existe em outras cidades para que as pessoas pudessem chegar mais rápido, eu concordava, mas essa parada não consegui entender”, expõe Raimundo, demonstrando a confusão sobre o funcionamento do corredor, que começou a operar nesta terça.

Motoristas fazem desvios na Rui Barbosa. (Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

Porta do ônibus influenciou? 

A comerciante Rosilda Monteiro, de 46 anos, chuta que os “pontões” foram posicionados no meio da rua por causa das portas dos ônibus do Consórcio Guaicurus, que ficam posicionadas do lado direito do veículo. Como o corredor do transporte coletivo foi posicionado na faixa mais à esquerda, se o terminal fosse instalado na calçada ou à direita a porta do ônibus abriria no meio da rua. 

“Eu acho essas ruas muito estreitas para fazer aquele tipo de situação ali [estação de pré-embarque], mas vamos ver como vai ser”, afirma a mulher. 

Uma motorista que não quis se identificar comentou sobre mesmo problema da rua ser estreita para receber uma estrutura desse tamanho. “O fluxo de carros deve ficar até pior porque a quantidade [de veículos] continua a mesma e o número de faixas foi reduzido pela metade, então acho que vai aumentar o congestionamento”, acredita. 

A mulher também exemplifica que, na Rui Barbosa antes do cruzamento com a Avenida Fernando Corrêa da Costa, os motoristas possuem mais faixas para transitar. 

Porém, no prolongamento da rua, bem no Centro, o número de faixas diminui e chega a apenas uma para os carros e motos, bem ao lado dos pontões. “No fim da tarde tem um movimento grande de veículos, então acho que vai piorar o trânsito”, reafirma. 

Obras na Gunter Hans estão paradas há quase um ano. (Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

Logística ‘fora do normal’

Relato semelhante é de Carlos Martins, de 34 anos, que disse não saber por que os “pontões” estão na faixa esquerda, porém, também já percebe que o trânsito ficou complicado, especialmente em horários de maior movimento. 

“Eu não entendi por que eles têm que jogar o ônibus para o outro lado, em vez de só complementar esse lado [da direita, onde estão atualmente os pontos de ônibus na Rui Barbosa]. É uma logística fora do normal”, reclama o homem. 

Ele também diz que considera a rua pequena para a quantidade de veículos que passam por ali diariamente. 

“A Rui Barbosa lá em cima da Fernando Correa da Costa era uma mão de três vias, só aqui [entre a Barão do Rio Branco e Dom Aquino] já eram duas e agora afunila em determinados horários. De manhã cedo, tarde ou horário de pico não anda, o trânsito para”, ele relata. 

Pelo país, ônibus com portas dos dois lados resolvem problema

Em janeiro de 2020, foram entregues em Brasília 160 ônibus com portas dos dois lados para solucionar o “problema” causado pela instalação de pontos de paradas do lado oposto da porta de desembarque dos ônibus. 

Antes, na EPTG (Estrada Parque Taguatinga) a faixa funcionava de modo reverso em horários de pico. Com a nova frota, o sentido reverso foi desativado. De acordo com a Agência Brasília, os moradores aprovaram a mudança, já que trouxe mais segurança para os passageiros. 

Ônibus com portas dos dois lados do veículo no DF. (Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília)

Segundo a Semob (Secretaria de Transporte e Mobilidade de Brasília), a aquisição dos ônibus com portas dos dois lados não acarretou custos para o governo porque foi prevista na licitação realizada em 2011.

Antes de Brasília, Curitiba, cidade referência em mobilidade urbana no país, renova progressivamente a frota de ônibus da cidade também com portas dos dois lados.

Uma das últimas entregas foi feita em fevereiro de 2019 com 40 veículos que permitem o embarque e desembarque dos dois lados. 

O que diz a Prefeitura de Campo Grande

De acordo com a arquiteta e urbanista e diretora adjunta da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Andrea Figueiredo, os corredores de ônibus nas ruas Rui Barbosa, Guia Lopes e Brilhante, Bandeirantes, Bahia, 25 de dezembro, Alegrete, Gury Marques e Consul Assaf Trad foram previamente estabelecidos no Plano Diretor de Transporte e Mobilidade em 2009. 

“O que está acontecendo agora são as obras de implantação. A questão do desvio é natural. Então, tudo que acontece na via de alteração física as pessoas sentem e demoram um tempo para se adaptar, mas essa acomodação que você vem em duas pistas e de repente chega na estação e tem que fazer uma curva ela está muito bem sinalizada”, afirma. 

A diretora exemplifica que essa mudança no número de faixas já existe em Campo Grande, na Avenida Duque De Caxias, e que as alterações no trânsito são necessárias, pois a Capital já caminha para 1 milhão de habitantes. 

“Essa curva existe lá há anos e ninguém nunca sofreu um acidente, que é na frente do Exército e do Aeroporto. As pessoas vêm em duas pistas e de repente abre uma terceira para poder fazer uma conversão à esquerda. É natural, é tudo uma questão de adaptação”, afirma. 

Mesmo com o exemplo da Avenida Duque de Caxias, cabe ressaltar que a via em questão é mais larga em comparação com a Rui Barbosa, por exemplo.

Rua Brilhante possui apenas as marcações e concreto onde serão as estações de pré-embarque. (Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

Pontões não ‘obstruem fachadas’, justifica prefeitura

O Midiamax perguntou à Prefeitura por que os “pontões” de ônibus foram instalados no lado esquerdo da via e não nas calçadas ou no lado direito, como o modelo atual. 

Em nota, a Agetran afirmou que as estações de embarque são um dos elementos que compõem as exigências de operacionalização dos corredores de ônibus e foram instaladas em ilhas para “não obstruir as fachadas dos comércios e residências, não atrapalhar a caminhabilidade dos pedestres devido à largura insuficiente das calçadas para acomodar às estações de embarque, probabilidade de formações de gueto, causando insegurança aos passageiros”, diz o texto.

A agência também elencou que seria necessária a remoção de postes e árvores devido ao tamanho das ilhas que têm em média 40/50m de extensão.

“Os corredores têm por objetivo o aumento no ganho de velocidade dos veículos e consequentemente a redução no tempo de viagem para os passageiros, contribuindo para melhorar a qualidade e permitir que haja confiabilidade no atendimento”, finaliza a nota.

Em relação ao questionamento sobre adaptação ou compra de novos ônibus com portas dos dois lados para resolver o impasse e evitar o ‘nó’ no trânsito, a prefeitura de Campo Grande e o Consórcio Guaicurus não responderam às solicitações da reportagem.